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Brasil: os 100 primeiros dias do governo Lula – austeridade para os pobres, redução de impostos para os ricos

Desde que assumiu o poder há 107 dias, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva tem posto em prática uma política de austeridade com o objetivo de satisfazer os interesses dos bancos internacionais, em muitos casos superando o seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso. Além de querer aprovar leis que colocariam o Banco Central fora do controle do governo e dos eleitores do país, ele realizou cortes nas despesas públicas e aumentou as taxas de juros, reduzindo as possibilidades de criar empregos e prover os serviços sociais.

Ele agora planeja reformar o sistema previdenciário brasileiro. Em 17 de abril, Lula obteve o consentimento dos 27 governadores do país em apoio de um sistema que ampliará a idade de aposentadoria e reduzirá os direitos dos funcionários públicos. “Todos estamos no mesmo barco”, declarou Lula, referindo-se ao déficit no sistema previdenciário. Os novos aposentados teriam seus benefícios restringidos e taxados.

Enquanto os pensionistas veriam seus benefícios reduzidos, uma outra proposta baixaria as taxas das poupanças. Lula e seus assessores fizeram ressurgir os velhos argumentos preconizados por Ronald Reagan e Margaret Thatcher de que a redução de impostos, particularmente para os grandes negócios e os ricos, implicará no crescimento da economia capitalista brasileira e eventualmente no aumento de empregos para os pobres.

No decorrer da campanha eleitoral, Lula baseou sua campanha em um vago programa nacionalista econômico, prometendo vigorosas medidas para criar um milhão de empregos e enfrentar as desigualdades econômicas e sociais no país.

Todavia, nas negociações com o Fundo Monetário Internacional, ele concordou em subordinar suas propostas econômicas às exigências dos investidores estrangeiros. Após ganhar as eleições, Lula compôs um time econômico afinado com políticas conservadoras, similar aos do governo FHC.

Os argumentos de Lula no tocante a reduções de impostos, crescimento e suas políticas governamentais têm o propósito de proteger os interesses dos credores internacionais. O Brasil deve 250 bilhões de dólares a entidades financeiras americanas. No último verão, conseguiu uma linha de crédito de 30 bilhões de dólares junto ao FMI, condicionada a cortes drásticos no orçamento federal, a uma política monetária administrada pelos bancos, a reformas estruturais e à redução dos custos operacionais empresariais, inclusive a uma reforma do sistema previdenciário.

Antonio Palocci, o ministro da economia, é um médico bem conhecido que desfruta da confiança dos círculos bancários paulistas. Henrique Meirelles mudou-se do First Boston Bank, onde era alto executivo encarregado dos negócios internacionais, para assumir a direção do Banco Central. Completando a equipe econômica no mesmo estilo estão os empresários Luiz Fernando Furlan, da Sadia, e Roberto Rodriguez, do Conselho Brasileiro de Agrobusiness.

Lula de fato apresentou um programa para acabar com a fome. A iniciativa denominada “Fome Zero” foi descrita por Lula como uma medida para levar todos brasileiros a “tomar café da manhã, almoçar e jantar”. O plano prevê a distribuição de um cartão alimentação para as famílias carentes no valor entre 16 e 80 dólares por mês (para uma família de 5 pessoas).

O cartão será usado para comprar determinadas categorias de alimentos. Em troca, as famílias beneficiadas teriam de participar de trabalhos comunitários. Com efeito, a proposta do programa envolve a criação de um salário sub-mínimo para os 54 milhões de pobres e desempregados do país nos quais os beneficiários reduziriam o salário mínimo dos trabalhadores – o salário mínimo brasileiro foi congelado em cerca de 60 dólares mensais.

Reduzir o salário dos trabalhadores a um mínimo de 16 dólares por mês beneficiaria principalmente a burguesia brasileira, enquanto alargaria o distância entre ricos e pobres. De qualquer forma, 16 dólares por pessoa por mês não é o suficiente para que o brasileiro ingira o mínimo de calorias necessário.

Os bancos, de acordo com o Los Angeles Time, celebraram os 100 dias de Lula no poder: “A política macroeconômica é muito clara, coerente e sólida”, afirmou Paulo Leme, diretor da Goldman Sachs no Brasil.

“A solidez fiscal e as reduções orçamentárias foram essenciais para estabilizar a economia e retomar o crescimento. Isso foi realizado de maneira firme e decisiva, e os efeitos foram notados muito rapidamente.”

A vasta maioria dos brasileiros, todavia, está em situação muito pior. Oficialmente, o desemprego permanece em 12%, com bolsões de até 23% em algumas cidades industriais. A renda real tem declinado por três anos seguidos, caindo 3,8% em 2002.

Para que o desemprego não continue crescendo, o Produto Interno Bruto brasileiro necessita de uma elevação da ordem de 4% a 6% ao ano. O crescimento econômico em 2002 foi de 1,5%. Para 2003, a taxa de crescimento esperada ficará entre 1,4% e 1,8% e não há previsão de crescimento em 2004.

Lula tem procurado apresentar-se ao público como um pragmático que fará o capitalismo funcionar em favor do brasileiro médio, se lhe for dada uma oportunidade. Do ponto de vista do FMI e dos bancos internacionais, porém, sua tarefa é assegurar a exploração crescente dos recursos e dos trabalhadores brasileiros a fim de que o Brasil pague suas dívidas.

Em fevereiro, nas negociações com o governo Bush, o enviado do governo Lula, Aloísio Mercadante, declarou que o Brasil tinha a necessidade urgente de um crédito de curto prazo, para o qual os bancos estão fazendo severas exigências. Fontes do governo advertem que sem esses créditos o Brasil enfrentará crescente desemprego e a queda do valor real dos salários.

A habilidade de Lula para pôr em vigor suas medidas de austeridade até aqui dependeu da concordância da maior central sindical brasileira, a CUT, em não organizar protestos ou greves. No mês passado, dezenas de milhares de metalúrgicos entraram em greve por aumento salarial nos estados de São Paulo e Paraná, um indício de que setores da classe operária já perderam a paciência com Lula e sua política.

Para combater os efeitos da recessão econômica, o governo vem tentando fazer avançar seu programa “Fome zero” – apenas para tropeçar em numerosos obstáculos burocráticos.

O dinheiro doado por celebridades brasileiras ao programa há meses ainda não foi utilizando porque o governo atrasou a abertura de uma conta bancária. Agora, o governo tem a intenção de desacelerar o programa, que ainda vai começar a alimentar os pobres.

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