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Os 50 anos da morte de Che Guevara

Em 9 de outubro de 2017 completaram-se 50 anos do assassinato do guerrilheiro argentino e um dos líderes da revolução cubana de 1959, Ernesto Che Guevara, que foi capturado após fracassar uma desastrosa tentativa de 11 meses de iniciar uma guerra de guerrilha na Bolívia.

O aniversário foi amplamente noticiado pela mídia e lembrado também em discursos e cerimônias em Cuba, na Bolívia e em outros lugares do mundo. Grande parte da cobertura da imprensa serviu para obscurecer deliberadamente o significado político da vida e morte de Guevara, enquanto a maior parte dos que comemoraram o aniversário exploraram a ocasião para dar uma cobertura de esquerda para sua política reacionária e mascarar suas próprias traições.

O The New York Times publicou um longo artigo na segunda-feira do aniversário, entrevistando testemunhas da captura e posterior assassinato de Che por soldados bolivianos. Notavelmente ausente do artigo estava qualquer menção da presença na execução de Guevara do agente da CIA Felix Rodriguez, um veterano da Baía dos Porcos designado para caçar o líder guerrilheiro. Depois, Rodriguez iria participar da campanha de assassinato da Operação Fênix no Vietnã e do caso Irã-Contras. Esse assassino profissional alegou posteriormente que sua intenção era transportar o líder guerrilheiro para o Panamá para interrogatório e, sem dúvida, lá torturá-lo, mas que a ordem para o matar havia sido dada pelo comando do exército boliviano.

Essa omissão equivale a um revisionismo histórico que desafia qualquer inocente explicação. Na verdade, a tentativa de apagar o papel da CIA do que foi um assassinato criminoso está de acordo com os laços estreitos entre o conselho editorial do Times e o aparato de inteligência dos EUA.

O aniversário foi marcado de várias maneiras na América Latina. Entre os mais hipócritas e absurdos foi o um minuto de silêncio por parte dos políticos corruptos da Câmara dos Deputados mexicana, uma proposta feita por um dos principais membros do Partido da Revolução Democrática (PRD), um partido profundamente envolvido no desaparecimento e presumível assassinato em massa de 43 estudantes de magistério em Ayotzinapa há três anos.

Na Bolívia, o presidente Evo Morales lembrou o aniversário viajando para o local do assassinato de Che e dormindo em uma tenda. Ele usou essa jogada para lançar sua campanha pelo quarto mandato consecutivo, apesar de um referendo popular em 2016 ter rejeitado a reforma constitucional para sua reeleição. O movimento provocou amplas manifestações sob condições nas quais o governo Morales, que faz parte da chamada “virada para a esquerda” da América Latina iniciada no final da década de 1990, entrou em crescente confronto com a classe trabalhadora.

Em Cuba, o principal evento que lembrou o aniversário foi realizado em Santa Clara, local do mausoléu que contém os restos mortais de Guevara, transferidos da Bolívia para Cuba em 1997. Miguel Díaz-Canel, primeiro vice-presidente do Conselho de Estado de Cuba e o esperado sucessor de Raúl Castro, de 86 anos, no ano que vem, proferiu o discurso principal, repetindo os familiares temas de Guevara como uma espécie de santo secular e uma inspiração para a juventude cubana por causa de defesa “da santidade do estudo, do trabalho e do cumprimento do dever.”

Ele disse que Che ensinou que “não se pode confiar no imperialismo, nem um pouco”, acrescentando que os eventos recentes haviam confirmado esse conselho. Ele aparentemente estava se referindo aos recentes movimentos do governo Trump para reverter a aproximação iniciada entre a administração Obama e o governo Castro, que colocou em crise os planos da elite dominante de Cuba para solidificar sua posição privilegiada forjando relações mais próximas com o capitalismo dos EUA.

Na Venezuela, o presidente Nicolas Maduro, confrontando a crise econômica mais profunda do país, um crescente escândalo de corrupção, uma crescente hostilidade popular a seu governo e ameaças de intervenção de Washington, fez uma declaração sobre o aniversário dizendo: “Hoje nós revolucionários, os guevaristas-chavistas deste tempo, podemos dizer que, há 50 anos, um homem não morreu, mas nasceu um mito.”

Nem Maduro nem nenhum dos outros que ofereceram tais tributos se interessaram em aprofundar-se no conteúdo preciso desse “mito”, que foi promovido não apenas por nacionalistas burgueses e pequeno-burgueses na América Latina, mas também por uma série de grupos da pseudoesquerda e de classe média na Europa e na América do Norte, mais destacadamente a tendência revisionista pablista que rompeu com a Quarta Internacional.

Em seu apogeu, essas tendências abraçaram abertamente a concepção guevarista de que a guerra de guerrilha travada por pequenos grupos baseados no campo representava uma nova via para o socialismo, eclipsando o papel revolucionário da classe trabalhadora e a necessidade de construir sua vanguarda consciente através da construção de partidos revolucionários de massa independentes.

A tentativa de implementar essa perspectiva de guerrilha retrógrada levou a uma série de derrotas catastróficas na América Latina, separando uma camada da juventude revolucionária da classe trabalhadora e ajudando a abrir o caminho para décadas de ditaduras militares.

Embora as organizações sucessoras dos grupos pablistas que promoveram o guerrilheirismo nas décadas de 1960 e 1970 tenham se transformado há muito tempo, entrando em governos capitalistas e apoiando operações de mudança de regime pelo imperialismo, algumas delas ainda exploram a imagem de Che como uma espécie de fachada revolucionária para cobrir suas políticas reacionárias. Nenhuma delas tentou reavaliar seriamente o legado de Che, para não mencionar seu próprio papel condenável.

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