Português

Trabalhadores argentinos na encruzilhada

Parte quatro

Parte três | Parte cinco

Este documento foi publicado originalmente em sete partes, entre dezembro de 1988 e janeiro de 1989, no Bulletin, jornal da Workers League, a predecessora do Partido Socialista pela Igualdade (EUA) e então seção americana do Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI).

No presente formato, ele foi publicado em 1989 na revista Fourth International Vol. 16 Nº 1-2, publicação internacional do CIQI.

As traições do pablismo

A evolução do partido argentino expressou da forma mais acentuada o impacto do revisionismo pablista sobre a Quarta Internacional. Essa tendência revisionista adaptou-se acriticamente aos arranjos do pós-guerra entre o imperialismo e o stalinismo, ao mesmo tempo negando o papel revolucionário da classe trabalhadora. Sob a direção de Michel Pablo e Ernest Mandel, as seções da Quarta Internacional foram orientadas a se dissolverem nas direções de massas existentes em cada país, fossem elas stalinistas ou nacionalistas burguesas. O enfrentamento a essa virulenta tendência oportunista e liquidacionista levou a uma ruptura fundamental na Quarta Internacional em 1953. O Comitê Internacional foi fundado naquele ano, declarando uma guerra internacional contra esse ataque revisionista ao "trotskismo ortodoxo".

Na ruptura de 1953, o grupo liderado por Nahuel Moreno alinhou-se ao Comitê Internacional. Moreno opôs-se à linha de Pablo, pelo menos sobre a questão argentina. Da mesma forma que internacionalmente Pablo e Mandel incentivaram a liquidação dos quadros nas fileiras do stalinismo e do nacionalismo burguês, exigiram na Argentina a subordinação ao peronismo. Moreno viu-se envolvido em uma ferrenha luta faccional em torno dessa questão contra elementos como Posadas, o mais extremo pablista.

Em pouco tempo ficou claro que a vinculação de Moreno ao CI foi determinada por esses superficiais interesses nacionais e faccionais, e não por qualquer oposição de princípio ao pablismo enquanto uma tendência internacional liquidacionista. Essa atitude em relação ao partido mundial não era um traço exclusivo de Moreno; provou-se a regra em relação a todo um conjunto de pequeno-burgueses radicais e nacionalistas na América Latina que posavam de trotskistas.

O Cordobazo de 1969

Devido a seu apoio irrestrito à liquidação no nacionalismo burguês, o grupo de Posadas foi oficialmente reconhecido por Pablo como a seção argentina. Ele permaneceu como a principal figura dos pablistas na América Latina até romper com eles e levar suas teorias revisionistas alguns passos adiante, apelando para que a União Soviética lançasse uma guerra nuclear "revolucionária" contra o Ocidente.

Apesar de Moreno e sua organização, então conhecida como Grupo Obrero Marxista, ou GOM, terem se oposto ao apelo dos pablistas por uma adaptação oportunista ao peronismo, sua própria atitude era completamente distante do marxismo. Ao contrário, mantiveram uma posição sectária em relação ao poderoso movimento do proletariado argentino que acompanhou a ascensão de Perón ao poder e que fez com que sua retórica anti-imperialista e suas políticas de compromisso de classes se tornassem um mecanismo necessário de sobrevivência da burguesia. Eles rechaçaram as greves e manifestações de massas em apoio a Perón como "só mais um golpe", provocadas pelo fato de os trabalhadores estarem "drogados pelo Estado".

Essa incapacidade de analisar o significado do peronismo a partir das profundas mudanças nas relações de classe na Argentina impediu o GOM de travar uma verdadeira luta pela independência da classe trabalhadora e por seu papel de direção das massas oprimidas no combate ao imperialismo. Nesse período, os stalinistas e social-democratas foram levados ao total descrédito aos olhos dos trabalhadores por participarem da oposição burguesa a Perón, orquestrada pela embaixada dos EUA. O grupo de Moreno tendeu à adaptação a essa mesma unidade política reacionária.

Apesar de ter declarado formalmente sua adesão ao Comitê Internacional em 1953, não demorou muito para que Moreno confirmasse o velho ditado de que o sectário é na maioria das vezes um oportunista apavorado. Ele rapidamente passou a abraçar o revisionismo pablista em essência e a adaptar desavergonhadamente sua organização ao peronismo.

Em 1957, Moreno defendeu uma política de "entrismo" no movimento peronista e publicou um jornal, Palabra Obrera, que se declarou o "órgão do peronismo revolucionário da classe trabalhadora". O jornal anunciava em seu cabeçalho estar "sob a disciplina do general Perón e do Conselho Superior Justicialista". Moreno alegou que tal adulação da direção peronista era uma "tática" destinada a conquistar os trabalhadores para o trotskismo. No entanto, a essência do jornal não era aprofundar as já crescentes contradições entre os setores da classe trabalhadora que apoiavam o peronismo e sua burocracia sindical e direção política burguesa, mas provar lealdade, apelando servilmente para a "unidade" de todos os peronistas.

Nesses anos críticos, Moreno, através de suas idas e vindas em torno da questão do peronismo, lançou as bases políticas que sustentam a tendência morenista até hoje: adaptação ao nacionalismo burguês e a mais ardente subordinação às formas institucionais da democracia burguesa.

O partido liderado por Moreno rompeu com o Comitê Internacional da Quarta Internacional em 1963 para participar da "reunificação" sem princípios com os revisionistas pablistas, arquitetada por Mandel e Joseph Hansen do Socialist Workers Party (SWP). Essa fusão foi sem princípios pois baseou-se num acordo explícito de não discutir as diferenças profundas que haviam levado o SWP a romper com os pablistas 10 anos antes.

Hansen e Moreno alegaram que a reunificação se justificava por terem acordo com Mandel de que a Cuba de Fidel Castro representava um Estado operário e que a revolução cubana havia demonstrado que a derrubada do capitalismo poderia ser realizada por "instrumentos rústicos", ou seja, partidos não-proletários e não-marxistas baseados no nacionalismo e guerrilheirismo pequeno-burguês. Na Argentina, essa linha levou às consequências mais desastrosas.

Apenas um ano antes de Castro chegar ao poder, os morenistas comemoraram o fracasso de uma greve geral convocada pelo Movimento 26 de Julho em Cuba, alegando que Castro representava uma oposição de direita ao "Perón de Cuba", Fulgêncio Batista! Mas, em poucos anos, o morenismo deu um giro de 180 graus, tornando-se adulador do castrismo. Essa reviravolta serviu como veículo para aprofundar a já bem avançada adaptação de Moreno a setores do movimento peronista, eles próprios atraídos pelo castrismo.

Em 1962, na véspera da reunificação com os pablistas, Moreno escreveu um documento sobre a "Revolução Latino-Americana", no qual expôs o abismo que se abrira entre as suas concepções políticas e as do marxismo revolucionário, ou seja, o trotskismo:

A vida tornou evidentes os buracos, omissões e erros do programa da Revolução Permanente.... O dogma de que a única classe que pode realizar as tarefas democráticas é a classe trabalhadora é falso. Seções da classe média urbana e do campesinato são, por vezes, os líderes revolucionários.... Não só os trabalhadores podem organizar e liderar as primeiras etapas revolucionárias, mas também os movimentos e organizações democráticas ou agrárias.

O marxismo ocidental esqueceu a luta armada, o método permanente das massas que incorpora à luta de classes um novo fator que é especificamente original: a geografia apaga a classificação das regiões maduras e imaturas. Qualquer país, qualquer região é apto para a revolução permanente. As revoluções cubana e chinesa ocorreram sob circunstâncias que os marxistas clássicos caracterizam como desfavoráveis: não houve grandes lutas sociais e um punhado de homens iniciou uma luta armada. No entanto, esse grupo transforma as condições em favoráveis.

Essa perspectiva destacou Moreno como um dos mais toscos antimarxistas, buscando adaptar frases pseudorrevolucionárias ao radicalismo pequeno-burguês. Ele abraçou totalmente as "teorias" pablistas de direita – o suposto papel revolucionário do campesinato e do chamado foquismo, que defende que a revolução não é tarefa das massas proletárias, preparadas pela intervenção sistemática do partido revolucionário marxista, militando pela consciência socialista nas lutas proletárias, mas meramente das ações heroicas de um "punhado" de homens armados. Essas ações forneceriam supostamente o "exemplo" ou catalisador para impulsionar a classe trabalhadora à luta revolucionária, mesmo que ela não tenha consciência nem de suas tarefas imediatas nem de seu objetivo final.

Esse desprezo pelo desenvolvimento da consciência socialista revolucionária na classe trabalhadora permaneceu uma marca registrada do morenismo. Seu argumento, reafirmado repetidas vezes, de que a classe operária argentina é irremediavelmente atrasada, sempre serviu como justificativa para o oportunismo desesperado dos próprios morenistas.

Moreno escreveu, ainda em 1962: "É necessário sintetizar a teoria e o programa geral correto (trotskista) com a teoria e o programa particular correto (maoísta ou castrista)". Jamais se utilizou uma formulação tão absurda e grosseira para justificar o oportunismo.

A chave para a combinação aparentemente eclética feita por Moreno entre a prostração diante dos peronistas e o apoio entusiástico ao guerrilheirismo era sua rejeição do proletariado como a única classe consistentemente revolucionária. Sua proposta de "sintetizar" o trotskismo com o maoísmo e o castrismo foi muito simplesmente a tentativa de subordinar a luta independente do proletariado argentino à política da pequena burguesia.

Com base nessa linha política corrompida, o grupo de Moreno realizou, logo após seu rompimento com o Comitê Internacional, uma unificação sem princípios com um grupo nacionalista pequeno-burguês conhecido como Frente Revolucionária Indo-americana Popular, liderado por Mario Santucho. A nova organização formada a partir dessa fusão foi chamada de Partido Revolucionario de los Trabajadores, ou PRT.

Santucho, cuja organização estava originalmente confinada à província de Tucumán, ao norte, logo tirou a conclusão lógica da linha pablista: que era necessário lançar imediatamente uma luta armada guerrilheira na Argentina.

Moreno, apesar de evitar tais conclusões práticas, continuou a defender e propagar a guerrilha em teoria. Em propaganda partidária, ele conclamou a construção de "unidades armadas", declarou que "os sindicatos foram superados" e descreveu as tentativas de construir partidos revolucionários da classe trabalhadora como "utópicas".

Em 1968, Santucho, que já estava organizando ações armadas individuais, e Moreno, cuja relação com a guerrilha era inteiramente platônica, romperam. Dois terços do comitê central do partido votaram com Santucho e um terço com Moreno. O Secretariado Unificado pablista reconheceu o grupo do Santucho como a seção oficial, e os seguidores de Moreno foram reduzidos ao status de organização simpatizante.

O Nono Congresso dos pablistas, em sua resolução sobre a América Latina, apoiou plenamente a linha de Santucho. Esse infame documentou declarou:

"Mesmo no caso de países onde grandes conflitos podem ser mobilizados primeiro pelas classes urbanas, a guerra civil assumirá formas variadas, nas quais o eixo principal durante todo um período será a guerrilha rural, um termo cujo significado principal é militar-geográfico e que não implica uma composição exclusivamente (ou mesmo predominantemente) camponesa".

Essa resolução foi aprovada na véspera de um movimento titânico do proletariado argentino que explodiu com o Cordobazo, o levante massivo no centro industrial de Córdoba, no qual massas de trabalhadores e jovens estudantes tomaram a cidade e resistiram ao exército argentino. A diretriz dada pela resolução aos grupos pablistas na Argentina não poderia ter sido mais clara. Eles não deveriam fazer nenhuma tentativa de dar a essa classe trabalhadora objetivamente revolucionária uma direção revolucionária trotskista consciente, e não deveriam levantar qualquer desafio à burocracia peronista e aos stalinistas que trabalhavam arduamente para controlar esse movimento e levá-lo à derrota.

Ao invés disso, deveriam embarcar em aventuras guerrilheiras rurais. E, para que não sobrassem dúvidas, a resolução deixava claro que essas ações armadas não precisavam ganhar apoio de nenhum setor substancial do campesinato, mas podiam ser realizadas simplesmente pelos elementos pequeno-burgueses radicalizados já presentes nas fileiras pablistas.

A resolução continuava: "A única perspectiva realista para a América Latina é a de uma luta armada, que pode durar muitos anos. A preparação técnica não pode ser concebida como meramente um aspecto do trabalho, mas sim como o aspecto fundamental em escala internacional e um dos aspectos fundamentais nos países onde as condições mínimas para tanto ainda não existem".

Essa perspectiva foi elaborada após derrotas catastróficas do guerrilheirismo em países como a Bolívia, Brasil e Peru já terem demonstrado a falência destes métodos.

Além disso, uma "preparação técnica" para a luta armada nunca foi sequer contemplada na Bélgica, Itália ou Estados Unidos, embora os líderes pablistas destes países – Ernest Mandel, Livio Maitan e Joseph Hansen – fossem os responsáveis pela elaboração dessa doutrina retrógrada. Eles, como Moreno, eram grandes defensores do guerrilheirismo em teoria e como linha de ação para outras pessoas em terras distantes, mas não tinham intenção de seguir eles mesmos por esse caminho. Esses traidores e covardes que tentaram falsamente se passar por trotskistas guardam, assim, a mais criminosa responsabilidade pelo banho de sangue que se seguiu.

Em maio de 1969, uma semana antes da classe trabalhadora de Córdoba abalar todo o país e mesmo o mundo com seu levante de massas, o PRT (Combatiente) de Santucho escreveu: "É suicídio confrontar a polícia e outros órgãos de repressão de mãos vazias". Em oposição à luta de massas, convocou "milhares de ações clandestinas".

Os trabalhadores de Córdoba não seguiram seus conselhos. Em 29 de maio de 1969, começou o Cordobazo. Os trabalhadores tomaram as fábricas, ocuparam a cidade e expulsaram a polícia. Deram um golpe mortal na ditadura de Ongania e inauguraram um período de lutas proletárias de massas que continuou pelos próximos seis anos.

Enquanto Santucho e o PRT(C) insistiam que a única questão era ser a favor ou contra o guerrilheirismo e a luta armada, a política, assim como a natureza, abomina o vácuo. A forma da luta armada foi rapidamente preenchida com o conteúdo político da frente popular. Em uma orientação a seus membros, Santucho declarou que para disputar a direção com o PC, os peronistas ou mesmo o Partido Radical, "não devemos nos diferenciar verbalmente dessas forças por meio de declarações de princípios abstratas sobre os diferentes objetivos da luta de classes, mas através da ação, dos métodos de luta". O caminho da luta armada tornou-se assim o caminho direto para a colaboração com os partidos da burguesia argentina.

Ademais, as ações armadas do PRT(C) cumprem a função de atrasar e não impulsionar o desenvolvimento da consciência revolucionária na classe trabalhadora. As ações mais espetaculares foram sequestros de executivos de empresas como a Swift ou a Fiat, exigindo tanto dinheiro de resgate quanto melhores salários e condições para os trabalhadores. A mensagem clara para os trabalhadores era abandonar sua luta revolucionária e confiar na guerrilha pequeno-burguesa como um bom substituto para seu papel independente como classe.

Enquanto isso, o PRT (La Verdad), liderado por Moreno, dedicou-se a reanimar o cadáver do Partido Socialista Argentino. Ao preparar sua fusão com uma ala dessa organização [fundando o Partido Socialista de los Trabajadores – PST], saudou-a por incorporar "80 anos de tradição do socialismo argentino". A "tradição" da social-democracia na Argentina não é diferente do que em qualquer outro lugar do mundo. Ela serviu como um direto apoiador e agência do imperialismo dentro do movimento operário, colaborando com os partidos burgueses, com os militares e com a embaixada dos EUA contra a revolução socialista.

Em 1973, Moreno uniu-se a Hansen e ao Socialist Workers Party para fundar o que eles desavergonhadamente chamaram de "Tendência Lenin-Trotsky" no interior do Secretariado Unificado pablista. Eles redigiram um documento cínico e mentiroso intitulado "Argentina e Bolívia: um balanço", no qual afirmaram que a guinada ao guerrilheirismo fora uma aberração recente e que a tarefa era "voltar ao programa anterior". Mas o "programa anterior", do qual tanto Hansen como Moreno eram os grandes representantes, foi precisamente o documento que saudou o castrismo e o guerrilheirismo como a onda do futuro, superando as noções "antiquadas" do leninismo e do trotskismo.

Essa farsa promovida pelo SWP e os morenistas não partiu de uma revisão genuína da linha pequeno-burguesa reacionária do pablismo. Ela foi criada por razões oportunistas. Cada um à sua maneira, estavam adaptando-se à sua "própria" burguesia e passavam a achar sua associação ao guerrilheirismo altamente inconveniente.

No caso de Moreno, esse processo atingiu proporções grotescas. Sob o disfarce da defesa da "ortodoxia" trotskista (uma ortodoxia que de forma alguma impediu a colaboração direta com o regime peronista) contra o guerrilheirismo, os morenistas efetivamente apoiaram a repressão. Em 1975, eles se recusaram a pedir a libertação de todos os presos políticos, mas somente daqueles que ainda não haviam sido condenados! E mais tarde, o PRT(V) enviou condolências às famílias dos oficiais mortos em confrontos com as guerrilhas. Esses eram os mesmos oficiais que haviam lançado uma "guerra suja" de assassinatos e tortura contra a classe trabalhadora.

Após Perón tomar o poder em 1973, o PRT de Moreno passou a desempenhar um papel cada vez mais importante na traição dos trabalhadores argentinos. Em condições nas quais os esquadrões da morte do Triplo A, organizados pelo ministro da Previdência Social de Perón, Lopez Rega, espalhavam uma onda de terror e assassinatos, e a repressão militar e policial corria desenfreada em todo o país, o PRT anunciou orgulhosamente, "Nosso partido é o único da esquerda revolucionária argentina que proclamou publicamente seu apoio ao 'processo de institucionalização'".

Esse "processo" fora iniciado pelo governo militar de Lanusse como parte de uma tentativa da classe dominante de desviar o ascenso revolucionário de massas dos trabalhadores argentinos para uma saída mais segura através da democracia burguesa falida .

À medida que a crise se aprofundava, os morenistas se agarravam à "institucionalização" essencialmente como um programa para uma frente popular com a burguesia contra a ameaça do fascismo. Eles promoveram essa linha logo após a derrota esmagadora no Chile, onde o papel contrarrevolucionário da frente popular fora demonstrado com o massacre de milhares de trabalhadores no golpe militar de 1973.

Durante esse mesmo período, a cidade industrial de Villa Constitucion foi militarmente ocupada, o sindicato foi tomado, líderes grevistas combativos foram presos e pelo menos 32 trabalhadores foram mortos durante um reinado de terror. Todas essas ações foram apoiadas pelas "instituições" democráticas burguesas defendidas pelo PRT.

Mas Moreno alegou que todas as críticas ao seu profundo oportunismo representavam nada mais do que um mal-entendido semântico. "Na Argentina, a institucionalização foi convertida em sinônimo de luta para defender ou obter direitos democráticos". Somente o mais baixo oportunista pequeno-burguês seria capaz de enxergar esse "sinônimo", identificando a democracia burguesa com os direitos democráticos conquistados pela classe trabalhadora em sua luta independente contra a democracia burguesa. Assim, as conquistas da classe trabalhadora são equiparadas aos meios usados pelos capitalistas para defender seus interesses contra a classe trabalhadora e tentar desviar a classe trabalhadora da luta revolucionária.

Ao fazer tal identificação, os morenistas orientavam os trabalhadores a confiarem sua própria defesa às instituições podres da democracia burguesa argentina, ao mesmo tempo em que a classe dominante usava essas mesmas instituições para preparar um governo militar fascista.

Essa perspectiva de capitulação foi levada à prática pelos morenistas com sua participação em uma série de multisectorales, reuniões entre o regime peronista e vários partidos burgueses e pequeno-burgueses de oposição. O principal candidato e porta-voz dos morenistas, o social-democrata Juan Coral, falava publicamente nessas reuniões, afirmando a firme defesa de seu partido tanto de Perón como do Estado burguês, sob a cobertura do apoio à política burguesa da "institucionalização".

Assim, precisamente quando a questão de vida ou morte do proletariado argentino era o necessário rompimento com o peronismo e a construção de uma direção revolucionária alternativa para a luta para esmagar o Estado capitalista e estabelecer a ditadura do proletariado, os morenistas agiram para reforçar o peronismo e defender a máquina estatal burguesa.

Ainda em 1975, os trabalhadores argentinos protagonizaram grandes lutas revolucionárias. Elas explodiram em uma poderosa greve geral em junho e julho de 1975, derrotando a tentativa do regime peronista de impor um plano de austeridade econômica e forçando a queda do gabinete controlado por Lopez Rega e Rodrigo. Ao mesmo tempo, os trabalhadores ensaiavam a construção de formas de organização independentes, estabelecendo comitês de fábrica para coordenar suas lutas contra o governo e a burocracia sindical peronista.

Mas, no final de 1975, os planos de ditadura militar da classe dominante já estavam bem avançados. Em dezembro daquele ano, o Brigadeiro Capollini fez uma tentativa abortada de golpe. Ela teve o mesmo caráter de semelhantes levantes "prematuros" no Chile e em outros lugares. Ela proporcionou aos militares um ensaio geral e permitiu que medissem a reação das forças da classe trabalhadora. O levante foi praticamente ignorada pela imprensa morenista.

Após o golpe de março de 1976, os morenistas, levando sua linha de "institucionalização" até as últimas consequências, se apresentaram para justificar e defender as ações dos militares! Eles afirmaram: "Aceitar mais nove meses de pesadelo e crise até as eleições era impossível.... Apesar das razões de princípio que levam toda opinião democrática saudável a se opor a golpes militares ... a destituição dos peronistas foi um ato que os militares realizaram à sua maneira após a investida popular ter fracassado por causa da deserção de sua direção".

Nessa época, Santucho e grande parte do velho PRT(C) já haviam sido mortos pelos militares. O aventureirismo armado da sua e outras forças guerrilheiras resultou no massacre de milhares de jovens. Além disso, suas operações foram sendo cada vez mais manipuladas pela inteligência militar para fornecer o pretexto à repressão contra as massas.

Durante os dois primeiros anos da ditadura, o PST morenista seguiu defendendo que o regime de Videla não era nem "objetivamente nem subjetivamente" contrarrevolucionário, pois a classe trabalhadora não havia sido derrotada e a ditadura defendia a "institucionalização" e não buscava a "destruição das organizações operárias".

Sete meses após o golpe, o PST escreveu que o regime ditatorial permanecia "tão ambíguo quanto no início". "De fato, o presidente Videla continua se distanciando do modelo chileno ou pinochetista". Nesse mesmo artigo, escrito em maio de 1978, o PST de Moreno declarou: "Mesmo no macabro campo dos 'direitos humanos', a atitude 'aberta' das autoridades tem sido marcada pela liberdade total ou parcial de alguns presos políticos". Isso no auge do massacre de militantes de esquerda e sindicalistas na Argentina!

Após o golpe argentino, à medida que a montanha de cadáveres crescia sem parar, o Secretariado Unificado pablista se reuniu na Europa. Mandel, Maitan e companhia redigiram o que chamaram de "autocrítica sobre a América Latina". Não era nada disso. Ao contrário, fazendo-se passar por uma espécie de Pôncio Pilatos político, lavaram suas mãos das consequências sangrentas enfrentadas por aqueles que levaram a sério seu apoio ao guerrilheirismo. "A resolução do IX Congresso dá considerável importância à fórmula da estratégia de luta armada ... que poderia ser interpretada, e tem sido, como a redução da estratégia revolucionária à luta armada"!

De que outra forma essa "fórmula" poderia ter sido interpretada, os cínicos criminosos da "internacional" pablista não se dão ao trabalho de explicar. Que outro significado deve-se tirar das advertências a não orientar-se à classe trabalhadora, mas apostar tudo na "guerrilha rural"? De que outra forma deve-se entender a afirmação: "A única perspectiva realista para a América Latina é a de uma luta armada, que pode durar muitos anos. A preparação técnica não pode ser concebida como meramente um aspecto do trabalho...."? A "autocrítica" foi simplesmente a forma como os pablistas deram as costas à derrota na qual haviam desempenhado um papel tão crucial, depois de cuspir nos cadáveres de seus seguidores tombados.

Por sua vez, a chamada Tendência Lenin-Trotsky do SWP e dos morenistas se juntou a essa manobra diabólica, saudando a declaração de Mandel como "um documento progressista e até histórico".

Qualquer análise objetiva dessa história estabelece de forma indisputável o papel-chave desempenhado pelo oportunismo pablista no descarrilamento da revolução proletária e na abertura do caminho para o pesadelo de sete anos de tortura e desaparecimentos sob a ditadura militar. O papel contrarrevolucionário do pablismo foi escrito com o sangue dos trabalhadores e da juventude da Argentina.

Parte três | Parte cinco

Loading