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Manifestantes vão às ruas em todo o Brasil depois de massacre de 27 pessoas pela polícia no Rio de Janeiro

Publicado originalmente em 14 de maio de 2021

Na quinta-feira, pelo terceiro dia em uma semana, os brasileiros saíram às ruas do Rio de Janeiro e de outras capitais para protestar contra uma operação policial de 6 de maio na favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio de Janeiro, em que predominam residentes da classe trabalhadora, e que deixou 28 mortos, o maior número para uma única operação policial desde 1989. Esse foi o primeiro ano sob a atual Constituição brasileira, que terminou, no papel, as operações dos esquadrões da morte da ditadura militar apoiada pelos EUA que vigorou no período de 1964-85.

O massacre foi colocado no centro das tradicionais marchas nacionais de 13 de maio que lembram a abolição da escravatura em 1888 e protestam contra a desigualdade social e a violência policial. Manifestações exigindo o fim dos massacres policiais tinham sido realizadas anteriormente em São Paulo, no sábado, e na noite seguinte à intervenção na zona norte do Rio, atraindo milhares de residentes.

Familiares e moradores protestam um dia depois de uma operação policial mortal na favela do Jacarezinho no Rio de Janeiro, sexta-feira, 7 de maio de 2021. (AP Photo/Silvia Izquierdo)

A intervenção foi apresentada pela polícia como uma operação para prender 21 suspeitos de recrutarem crianças como soldados para o tráfico de drogas. A favela do Jacarezinho é considerada o principal reduto da gangue conhecida como Comando Vermelho do Rio.

Dos 21 suspeitos, apenas três foram presos, e outros três foram mortos. Outros 24 dos mortos não tinham qualquer relação com o caso, sendo que nove não tinham qualquer acusação contra eles. Para além dos 24 residentes, um agente da polícia foi morto em circunstâncias ainda pouco claras, alegadamente baleado na cabeça no início da operação, o que serviu de pretexto para a polícia desencadear um reinado de terror de 11 horas que lavou as ruas de sangue.

A partir das 6 horas da manhã, 250 agentes invadiram a favela apoiados por helicópteros e blindados. A polícia invadiu casas, matando pessoas em postura totalmente pacífica ou já rendidas na frente de familiares e crianças, deixando corpos desfigurados expostos na rua para intimidar os residentes. Os suspeitos sobreviventes foram forçados a transportar corpos para os blindados da polícia, uma forma comum de tortura psicológica empregada pelas unidades policiais brasileiras ao mesmo tempo em que estas buscam destruir provas dos seus crimes nas intervenções.

No período posterior a 1989, após o declarado desmonte das operações terroristas de Estado, o único episódio a deixar mais mortos no Rio ocorreu em 2005 nas cidades de Nova Iguaçu e Queimados, nos subúrbios industriais do norte do Rio. O assassinato em massa de 2005 foi levado a cabo pelas chamadas milícias, os bandos de policiais atuando fora de serviço que aterrorizam os bairros da classe trabalhadora sob o pretexto de combater o Comando Vermelho e outras gangues de traficantes de droga. As milícias contam com o apoio de políticos de extrema-direita, como o Presidente Jair Bolsonaro, que passou 28 anos como deputado no Congresso até o ano de 2018, 13 dos quais como parte da coalizão governamental do Partido dos Trabalhadores (PT).

A operação foi executada em desafio aberto a uma decisão do Supremo Tribunal Federal que proibia intervenções em favelas a menos que autorizadas pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ), que só foi informado da operação três horas após seu início. A decisão foi proferida em junho a pedido do Partido Socialista (PSB), cujos advogados alegaram que a polícia estava utilizando a cobertura das medidas contra a COVID-19 para escalar as operações mortais e ilegais das favelas.

A proibição judicial pouco tem feito para reduzir o número de pessoas assassinadas pela polícia no Rio de Janeiro. Cerca de 6.000 brasileiros são mortos pela polícia todos os anos. Em menos de um ano desde a proibição das intervenções pelo tribunal, mais de 970 pessoas foram mortas pela polícia do Rio.

A sangrenta intervenção no Jacarezinho expõe de forma aguda e trágica as visões e métodos fascistoides cultivados pelo presidente Bolsonaro no seio das polícias controlados pelos 27 estados. A pandemia da COVID-19 já infligiu mais de 430.000 mortes no país, ao tempo em que 60% dos brasileiros foram levados à insegurança alimentar, mesmo enquanto os bilionários aumentaram a sua riqueza em 72%. Bolsonaro está empenhado numa conspiração em múltiplas frentes para adquirir poderes ditatoriais. As forças policiais controladas pelos estados, agindo em desafio às instituições democrático-burguesas, estão entre suas bases mais fiéis.

Há apenas um mês, Bolsonaro coordenou com os seus aliados mais próximos a troca de todo o comando das Forças Armadas, numa tentativa de alinhá-los com as suas conspirações golpistas. Ao mesmo tempo, deputados federais leais ao governo tentaram instigar um motim da Polícia Militar do estado da Bahia contra o Governador Rui Costa. Em março, dezenas de jovens foram detidos ou intimados por violações da Lei de Segurança Nacional, com base exclusivamente no monitoramento de redes sociais por parte das polícia estaduais, uma ação totalmente alheia ao processo de aplicação da Lei de Segurança Nacional. A polícia da capital, Brasília, também deteve por violação da mesma lei cinco jovens que exibiram brevemente uma faixa chamando de "genocídio" a política de Bolsonaro com relação à COVID-19.

No Primeiro de Maio, a polícia invadiu um apartamento na sexta maior cidade do Brasil, Belo Horizonte, e prendeu um dos moradores durante uma marcha fascistoide de apoiadores de Bolsonaro, com base exclusivamente no fato de os manifestantes terem indicado que ele se opunha à marcha da sua varanda. Em 5 de Maio, Bolsonaro ameaçou decretar como ilegal qualquer medida de distanciamento social e advertiu: "Não ousem contestar, quem quer que seja".

A sangrenta intervenção no Rio foi recebida com uma enxurrada de elogios do presidente Bolsonaro, do vice presidente Gen. Hamilton Mourão e do Governador do Rio, Cláudio Castro, aliado próximo de Bolsonaro. O alinhamento com Bolsonaro e o raciocínio fascistoide por trás da operação foram orgulhosamente expressos pelos delegados que falaram à imprensa após sua conclusão. O delegado Felipe Cury opôs-se a qualquer tentativa de responsabilizar a polícia pelo massacre, declarando: "não tem nenhum suspeito aqui. A gente tem criminoso, bandido, traficante e homicida porque tentaram matar os policiais na ação".

Outro deputado, Rodrigo Oliveira, deixou claro que as ordens do tribunal não significariam nada para a polícia. Ele disse: "A Polícia Civil sempre se fará presente. Vamos a qualquer lugar. Por força de um ativismo judicial, fomos impedidos de entrar em comunidades; isso fortalece o tráfico, expande seus domínios". Depois do deputado Cury justificar o massacre com a morte de um agente no início da operação, Oliveira estendeu a ameaça a todos aqueles que exigiam os direitos democráticos mais básicos, dizendo à imprensa: "E eu queria deixar muito claro que o sangue desse policial que faleceu hoje em prol da sociedade de alguma forma está na mão dessas pessoas".

Num rompante fascistoide, Oliveira incluiu explicitamente entre os que têm "sangue nas mãos" o que passa pela "esquerda" no Brasil, particularmente o pseudoesquerdista Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). O principal líder do PSOL no Rio, o deputado federal Marcelo Freixo, respondeu à ação com os habituais apoios ao aparelho repressivo do Estado e apelos ao reforço da inteligência como meio de reduzir a letalidade policial. Oliveira zombou desses apelos, afirmando que "Alguns pseudoespecialistas de segurança pública” inventaram “a lógica de que quanto maior produção de conhecimento de inteligência menor seria a reação por parte do crime". Por outras palavras, a polícia não tem qualquer intenção de esconder o seu desprezo pelos direitos democráticos por trás das desculpas dos pseudoesquerdistas.

Mais tarde, em 9 de Maio, Bolsonaro disse que “Ao tratar como vítimas traficantes que roubam, matam e destroem famílias, a mídia e a esquerda” cometem “uma grave ofensa ao povo”, concluindo com uma homenagem ao oficial assassinado. Em 11 de Maio, Castro proferiu um discurso fascistoide centrado na rusga, declarando que a sua missão, bem como a da polícia, era "Nossa missão é libertar o nosso povo. Inclusive, de vocês", referindo-se ao PSOL.

Pela sua parte, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, endossou as ameaças fascistoides dos delegados da polícia, retratando a proibição das intervenções pelo Supremo Tribunal como um ataque à legitimidade da polícia, que "que diz que o estado não pode mais fazer valer a lei nesse território".

O alinhamento imediato de Paes com Bolsonaro apenas cinco meses após a sua posse expõe ao mesmo tempo de forma aguda as políticas pró-militares da auto-intitulada oposição a Bolsonaro, liderada pelo PT e pelo PSOL. Ambos os partidos apoiaram Paes contra o candidato preferido de Bolsonaro para a prefeitura, o bispo evangélico milionário Marcelo Crivella, retratando Paes como fundamentalmente oposto à agitação fascistoide de Bolsonaro, encarnada por Crivella.

É também uma exposição dos programas de ambos os partidos, de oposição a Bolsonaro com uma agitação nacionalista e militarista que promove as divisões policiais investigativas - as Polícias Civis - como um bastião "legalista" contra Bolsonaro, em oposição às Polícias Militares - uma força militar encarregada de patrulhas ostensivas e repressão a protestos que é responsável pela maioria das mortes cometidas por policiais.

Durante décadas, ambos os partidos têm oposto à violência policial a demanda central de "desmilitarização" da polícia, ou seja, a dissolução da Polícia Militar na Polícia Civil, encarregada das investigações. A fim de desorientar a oposição ao Bolsonaro, o PT e o PSOL lançaram mais de 150 candidatos policiais nas eleições municipais de 2020. Ao mesmo tempo em que se voltam cada vez mais para a Polícia Militar, ambos os partidos se defenderam reivindicando que a maioria dos candidatos fazia das divisões não militares, "legalistas", nos os quais a Polícia Militar deveria ser dissolvida. Esta foi precisamente a divisão que executou a mais recente, e mais mortal intervenção em favelas já registrada.

Os trabalhadores e jovens que se opõem à violência policial no Brasil devem tirar as conclusões políticas apropriadas. A chacina do Jacarezinho é um duro alerta do que está sendo preparado pela classe dominante em antecipação de enfrentamentos sociais massivos. A operação foi executada em meio a uma onda nacional de assassinatos pelas forças policiais colombianas, treinadas pelo imperialismo norte-americano na mesma "guerra contra as drogas" levada a cabo pela classe dominante brasileira contra os trabalhadores. Esta "guerra" foi imensamente expandida sob os 13 anos dos governos do PT, preparando o terreno para o ressurgimento dos militares no centro da vida política.

Para que trabalhadores e jovens se preparem para as próximas lutas, a subordinação traidora da classe trabalhadora a uma ou outra fração do Estado capitalista promovida pelo PT e PSOL deve ser rejeitada, e uma direção verdadeiramente socialista deve ser construída - uma seção brasileira do Comitê Internacional da Quarta Internacional.

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