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Morenistas promovem nacionalismo das vacinas na Argentina

Publicado originalmente em 11 de junho de 2021

Enquanto a Argentina enfrenta uma segunda onda catastrófica da pandemia da COVID-19, com 30.000 casos e 550 mortes diárias em uma população de apenas 44 milhões de habitantes, os morenistas do Partido Socialista dos Trabalhadores (PTS), em coordenação com seus aliados pseudoesquerdistas da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores - Unidade (FIT-U), exigem que o governo peronista do presidente Alberto Fernández proíba a exportação de insumos farmacêuticos ativos (IFA) de vacinas produzidas no país para o resto da América Latina, a fim de acelerar a vacinação dos argentinos.

O PTS e a FIT-U intensificaram sua campanha por esta demanda nacionalista reacionária à medida em que a segunda onda se acelerava no final de março e as pseudoesquerdas argentinas trabalhavam para assistir e encobrir o papel dos sindicatos peronistas na manutenção dos trabalhadores em locais de trabalho altamente contagiosos e na pressão para que professores e alunos voltassem às escolas.

Primeiras aplicações da vacina Sputnik V contra a COVID-19 na Argentina (Wikimedia Commons)

Como o resto da América Latina, África e Ásia, a Argentina está enfrentando uma grave escassez de vacinas, com apenas 7% da população totalmente vacinada até o momento. Ainda assim, o número é muito maior do que em alguns dos maiores países da região, como Colômbia e Peru, que sofreram surtos ainda piores de COVID-19, sem mencionar os países vizinhos mais pobres, como Bolívia e Paraguai, onde apenas 5% da população recebeu uma única injeção.

A maior parte das doses distribuídas no país até o momento foram das vacinas Sputnik V, desenvolvida na Rússia, e Sinopharm, produzida na China, enquanto uma minoria foram doses da vacina Covishield da AstraZeneca, o alvo da exigência de proibição de exportação dos morenistas.

Os governos mexicano e argentino haviam firmado um acordo com a AstraZeneca em agosto visando produzir 150 milhões de doses para a América Latina em 2021, com IFA sendo produzido na Argentina e o fracionamento e envasamento no México. Na Argentina, o IFA está sendo produzidos na fábrica da mAbxience, na cidade de Garín, no cinturão industrial ao norte de Buenos Aires. Embora a empresa tenha sido capaz de produzir IFA para mais de 40 milhões de vacinas, demorou até a última semana de maio para que as primeiras 1,6 milhões de doses fossem distribuídas no México e na Argentina, com a AstraZeneca admitindo múltiplos atrasos na fábrica da Liomont no México, e explicando alguns deles por um atraso na exportação de componentes industriais dos Estados Unidos.

Em 31 de março, em uma semana que viu um aumento de 36% nos novos casos diários de COVID-19 na Argentina, a FIT-U organizou uma encenação em frente à fábrica da mAbxience com o lema "as vacinas que faltam estão em Garín", onde os deputados da FIT-U apresentaram seu projeto de lei exigindo a proibição de exportação. O candidato presidencial da FIT-U por duas vezes, Nicolás del Caño, declarou de forma contundente: "daqui tiraram o equivalente a 40 milhões de doses. Isso significa que quase metade da população argentina poderia ter sido vacinada".

Um dia antes, o PTS havia publicado em seu site La Izquierda Diario um artigo do dirigente Patricio del Corro no qual ele chamou as exportações de "roubo" ("se fugaron").

O projeto de lei tornou-se o centro da intervenção da FIT-U perante mais de mil professores, numa assembleia on-line do sindicato Ademys que votou por uma paralisação de 48 horas contra a ordem de retorno às aulas do prefeito de Buenos Aires, Horacio Larreta, da oposição de direita ao governo de Fernández. Os morenistas pressionaram os professores presentes a assinar uma petição reclamando de "exportações para o México" e fingindo preocupação com como "a população sofre as consequências de uma escalada da pandemia".

Tal política reacionária desmentem qualquer pretensão de que o PTS e seus aliados pseudoesquerdistas na Argentina e internacionalmente, estes organizados em torno da "rede" de websites Izquierda Diario, estão de alguma forma associados ao marxismo ou ao internacionalismo socialista. Sua exigência de uma proibição da exportação de vacinas não está de forma alguma relacionada à perspectiva da classe trabalhadora. Em vez disso, ela reproduz as políticas mais reacionárias lançada pelo sistema de Estados-nação capitalistas.

No mês passado, o Diretor Geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus denunciou que a distribuição global de vacinas é caracterizada por "uma iniquidade escandalosa que está perpetuando a pandemia". Ele acrescentou que "um pequeno grupo de países que fazem e compram a maioria das vacinas do mundo controla o destino do resto do mundo".

Os morenistas não se opõem a esta "iniquidade escandalosa". Ao contrário, em um claro eco das pretensões decadentes da classe dominante argentina, eles consideram que a Argentina deveria ser um membro desse "pequeno grupo de países".

No próprio México, onde a organização guarda-chuva à qual o PTS está afiliado, chamada enganosamente de "Fração Trotskista" (FT-CI) tem uma seção, não houve nenhuma tentativa por parte dos morenistas de mobilizar trabalhadores na fábrica de Liomont para garantir o envio programado das vacinas para o resto da América Latina.

Pelo contrário, oferecendo uma cobertura de "esquerda" para o estreito alinhamento da classe dominante mexicana com o imperialismo americano, a contraparte do PTS, o Movimento dos Trabalhadores Socialistas (MTS), promoveu uma campanha completamente anti-científica para desacreditar a vacina AstraZeneca. O MTS reclamou em um artigo de 18 de fevereiro que "a vacina menos eficaz do mundo" estava sendo usada para imunizar "os vovôs mexicanos". O artigo repetiu sem qualquer crítica os argumentos dos EUA e das potências continentais europeias no auge de sua campanha contra a vacina da AstraZeneca, baseada em interesses imperialistas conflitantes completamente alheios aos resultados científicos.

A exigência dos morenistas argentinos de uma política de vacinação "dos argentinos primeiro" explode qualquer reivindicação de solidariedade com seus "partidos irmãos" na América Latina, sem falar nos bilhões de trabalhadores em nível internacional aos quais tem sido negado o acesso às vacinas.

É uma expressão particularmente grotesca de sua subordinação e orientação à burguesia nacional em cada país em que operam, a principal característica unificadora de sua associação internacional. A pandemia da COVID-19 aprofundou enormemente as rivalidades nacionais, empurrando tanto os países imperialistas quanto os países atrasados para o aumento da competição inter-estatal capitalista, do militarismo e do desenvolvimento de formas autoritárias de governo.

Os morenistas da FT-CI seguiram estudiosamente e encobriram tais movimentos em país após país, a ponto de lançar suas seções argentina e mexicana em um conflito quase direto.

Na Espanha, sua organização afiliada CRT alinhou-se com a oposição franquista de direita ao governo traidor do Partido Socialista-Podemos, classificando até mesmo as ineficazes medidas de distanciamento social decretadas pelo governo como uma violação intolerável das liberdades individuais. Na França, a corrente CCR, que opera dentro do NPA, apoiou a pressão do governo Macron para enviar a juventude de volta às universidades em meio à segunda onda da pandemia, alinhando-se com as alegações hipócritas do governo sobre suas preocupações com a saúde mental dos estudantes.

No Brasil, onde sua organização MRT se orienta para o pseudoesquerdista PSOL, eles se alinharam com o presidente fascistoide Jair Bolsonaro e Donald Trump na promoção da hidroxicoloroquina como uma cura para a COVID-19.

Além disso, através de seu porta-voz nos EUA, o Left Voice, os morenistas promoveram ilusões na eterna estabilidade do capitalismo norte-americano, minimizando a tentativa de golpe de Trump e promovendo a presidência Biden, escrevendo que a "quantidade de concessões" que seu governo ofereceria aos trabalhadores dependia da aplicação de pressão através dos sindicatos corporativistas.

Com efeito, a recente expansão das operações dos morenistas da América Latina para os EUA e Europa, financiada pelos recursos de sua máquina parlamentar-sindical na Argentina, tem como objetivo usar sua experiência de décadas no apoio às classes dominantes corruptas da América Latina a fim de facilitar a traição das lutas dos trabalhadores estadunidenses e europeus.

Em nenhum lugar este papel foi mais claro do que na Argentina, onde o velho pablista Nahuel Moreno fundou a corrente que deu origem à FT-CI. Seu objetivo era subordinar a classe trabalhadora à "disciplina do General Perón", um slogan inscrito no topo de seu jornal. Nos anos 70, tal subordinação resultou no desarmamento da poderosa ofensiva da classe operária argentina, abrindo caminho para a repressão assassina do regime militar-fascista da Videla.

Agora que está de volta ao poder, o peronismo enfrenta uma hostilidade generalizada contra sua política de imunidade do rebanho e a catástrofe econômica resultante de sua gestão da pandemia. A proporção de argentinos que vivem na pobreza subiu para 42%, enquanto a pobreza infantil agora é de chocantes 57%, com 10% da população vivendo em extrema pobreza. Ao mesmo tempo, a inflação anual acelerou para 105%.

Sob estas condições, o governo peronista está desesperado para reviver sua antiga demagogia nacionalista contra "interesses estrangeiros", numa tentativa de desarmar a crescente oposição social.

Enquanto os morenistas intensificavam sua política de vacinação "dos argentinos primeiro", o governo peronista estava preparando uma proibição das exportações de carne bovina, a fim de se eximir da responsabilidade pela crise simbolizada pela queda do consumo de carne ao nível mais baixo de todos os tempos. Ao mesmo tempo, o governo enfrenta uma oposição crescente ao seu continuado compromisso de cumprir os pagamentos de sua dívida de US$ 45 bilhões com o FMI, e às suas negociações com o Brasil e o Uruguai sobre uma redução radical de sua Tarifa Externa Comum para importações, que resultará em um aumento da concorrência dos três países no mercado mundial, levando a uma redução ainda maior do nível de vida dos trabalhadores em toda a região.

A implosão do fraudulento "internacionalismo" da coalizão FT-CI/Izquierda Diario expõe as verdadeiras razões para o mau uso dos termos "marxista" e "trotskista". Sua tentativa de equiparar o marxismo à demagogia populista e agora, sob a pressão do crescimento da rivalidade inter-estatal capitalista, ao nacionalismo reacionário, visa poluir a consciência pública e bloquear o desenvolvimento de uma verdadeira liderança socialista e internacionalista na classe trabalhadora. A luta para construir essa liderança, baseada no legado do marxismo, da Revolução Russa, da luta de Trotsky contra o stalinismo e da prolongada luta contra o revisionismo pablista, é empreendida unicamente pelo Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI).

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