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Bolsonaro ordena que tanques desfilem diante do Congresso no dia da rejeição de sua proposta de “voto impresso”

Publicado originalmente em 14 de agosto de 2021

Em um movimento sem precedentes desde a queda da ditadura militar de 1964-1985 apoiada pelos EUA, o presidente fascistoide brasileiro Jair Bolsonaro ordenou que tanques da Marinha desfilassem pela capital Brasília enquanto o Congresso se preparava para uma votação sobre suas propostas de mudanças no sistema eleitoral brasileiro. Bolsonaro declarou repetidamente que, sem a adoção da lei, o Brasil 'não terá eleições' em 2022.

Coluna militar atravessa Brasília (Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

A alteração proposta à Constituição Brasileira determinaria a anexação de uma impressora às urnas eletrônicas do Brasil. Bolsonaro afirma que somente o voto impresso poderia garantir eleições justas em 2022, pois o sistema de votação eletrônica seria ativamente manipulado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para o retorno do ex-presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) Luiz Inácio Lula da Silva. Sob tais condições, Bolsonaro alega que não aceitará os resultados.

As alegações de Bolsonaro sobre fraudes eleitorais foram desmentidas por todas as grandes forças políticas, incluindo praticamente todos os partidos políticos, a Polícia Federal, o Ministério Público, o Tribunal de Contas da União, o Supremo Tribunal Federal (STF) e, antes de sua eleição, o próprio Exército - que agora endossou a proposta do 'voto impresso' como uma 'preocupação legítima' dos brasileiros.

A ordem para que a coluna de tanques desfilasse foi dada em 6 de agosto, depois que o Presidente da Câmara Arthur Lira decidiu que ele colocaria a proposta do “voto impresso” em votação na terça-feira.

De acordo com a explicação oficial da Marinha, a intenção do desfile foi convidar formalmente Bolsonaro para observar exercícios anuais realizados em um campo de treinamento do Exército em Formosa, ao nordeste da capital, Brasília, no centro do país e a mais de 1.000 km da costa.

Diante do que foi unanimemente visto como uma demonstração ameaçadora de lealdade ao pretendente a ditador Bolsonaro pelas Forças Armadas, especulações frenéticas tomaram conta da imprensa corporativa durante a manhã de terça-feira. Os jornais exigiram que a Câmara impusesse uma derrota acachapante à proposta do 'voto impresso' como uma mensagem em defesa da democracia.

Ao fim da sessão na terça-feira à noite, porém, um cenário diferente se revelou: a proposta obteve uma maioria de 229 votos contra 218, com 65 ausentes e 1 abstenção. Como emenda constitucional, a proposta exigia o apoio de 308 dos 513 deputados. Os 229 votos foram insuficientes, mas o bastante para que Bolsonaro considerasse a votação uma vitória política, alegando que os ausentes e um número significativo dos opositores na verdade apoiavam a proposta, mas temiam uma 'retaliação' por parte do supostamente corrupto TSE.

Os últimos acontecimentos tornam impossível exagerar os perigos que os trabalhadores brasileiros enfrentam. Em si mesmo, o apoio significativo na Câmara a uma proposta que a maioria dos partidos políticos já havia rejeitado formalmente só pode ser baseado em cálculos políticos de que Bolsonaro pode, de fato, ter sucesso em reverter os resultados eleitorais pela força.

Toda a operação que está sendo conduzida por Bolsonaro é baseada em uma coordenação internacional de forças de extrema-direita, e segue conscientemente a cartilha de Donald Trump no período que antecedeu a tentativa de golpe de Estado de 6 de janeiro em Washington D.C.

Bolsonaro endossou imediatamente as alegações de Trump de fraude eleitoral após as eleições de novembro, recusando-se a reconhecer a vitória de Biden até 14 de dezembro. Imediatamente após a invasão do Capitólio americano, Bolsonaro declarou que 'Se nós não tivermos o voto impresso em 2022, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos'.

Como foi mais tarde confirmado, o filho de Bolsonaro, Eduardo, então presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados do Brasil, foi um convidado durante os preparativos para a invasão do Congresso dos Estados Unidos.

Eduardo Bolsonaro reuniu-se diversas vezes com o organizador e ideólogo fascista americano Steve Bannon, que o descreveu como um dos líderes de sua aliança fascista internacional, O Movimento.

O próprio Trump tentou repetidamente realizar um desfile militar em Washington enquanto organizava a tentativa de estabelecer uma ditadura presidencial nos Estados Unidos.

O apoio às reivindicações eleitorais infundadas de Trump por figuras-chave republicanas no período que antecedeu a sessão de confirmação em 6 de janeiro desempenhou um papel fundamental na mobilização dos fascistas que mais tarde serviram como soldados rasos de Trump.

Reivindicando a votação de terça-feira como uma vitória moral, enquanto faz acusações de que aqueles que não apoiaram a emenda do voto impresso na verdade temiam retaliações, Bolsonaro está apontando o TSE como um alvo da violência de seus próprios soldados rasos, a fim de replicar as condições da invasão do Capitólio em 6 de janeiro.

Ao mesmo tempo, a organização dos soldados rasos de Bolsonaro está se intensificando, com a maioria do movimento fascista brasileiro, o Integralismo, aderindo ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o sexto maior partido político do Brasil, com mais de 1,1 milhão de membros.

Os integralistas entraram no PTB em 11 de junho em uma cerimônia em que exibiram a letra grega 'sigma', utilizada na matemática para representar uma soma, e adotada desde os anos 30 como uma adaptação brasileira do fascio italiano que originou o nome 'fascismo'. O movimento integralista, hoje liderado pela Frente Integralista Brasileira (FIB), se desenvolveu inicialmente na década de 1930 e apoiou a ascensão do ditador corporativista Getúlio Vargas, antes de ser expurgado quando Vargas consolidou o poder em 1937. Mais tarde, o movimento apoiou o golpe de 1964, mas não tinha encontrado um partido de massa que o abrigasse desde o fim do domínio militar em 1985.

O movimento dos fascistas está sendo coordenado com o governo, com o ex-Ministro-Chefe da Casa Civil, de Bolsonaro, general Luiz Eduardo Ramos, encontrando-se com o presidente do PTB Roberto Jefferson em 4 de agosto e chamando-o de 'é um soldado na luta pela liberdade do povo brasileiro'. Ontem, Jefferson foi preso pela Polícia Federal por múltiplas ameaças contra o STF. Ele ameaçou o juiz principal do caso, o ministro do STF Alexandre de Moraes, declarando que “nossa conta agora é pessoal'. Moraes deverá assumir a presidência do TSE para as eleições de 2022.

As perspectivas ameaçadoras para as eleições de 2022 foram explicitadas pelo analista político veterano do Estado de S. Paulo, William Waack, na quinta-feira. Em um artigo de opinião defendendo a necessidade de os militares desobedecerem a Bolsonaro, Waack descreveu o roteiro do golpe de Bolsonaro: 'ele vai desrespeitar alguma ordem do STF, convocará seus seguidores para algum tipo de “resistência” nas ruas, haverá conflitos, correrá sangue e então as Forças Armadas serão chamadas para algum tipo da detestada (pelos militares) operação de Garantia da Lei e da Ordem'.

Waack também relata que os comandantes militares estão profundamente conscientes da situação social explosiva no Brasil, que, ele escreve, eles “chamam de “bomba social”, que é o desemprego, a miséria e a inflação intoleráveis para os mais pobres'.

O correspondente militar do Estado de S. Paulo Marcelo Godoy também levanta a possibilidade de os militares imporem uma ditadura de forma independente de Bolsonaro, mas usando a violência em torno do processo eleitoral como pretexto. Ele relata que uma parte significativa do alto comando sustentava que se Bolsonaro tivesse morrido como resultado do atentado contra sua vida na campanha de 2018 as eleições perderiam sua legitimidade, pois os resultados não seriam aceitos por seus partidários.

A responsabilidade principal pelo desdobramento de tais conspirações é do que se considera ser a oposição a Bolsonaro, liderada pelo PT. Seu principal líder, o ex-presidente Lula, tratou todo o processo de votação e o desfile militar como uma não-questão.

No Twitter, ele reduziu as incessantes denúncias contra o sistema eleitoral e a mobilização das Forças Armadas e da extrema-direita por Bolsonaro a uma 'confusão pra ocupar espaço na mídia'. Em outras palavras, estes eventos não deveriam sequer ser notícia. A reportagem oficial do PT sobre os eventos de terça-feira foi uma defesa dos militares, intitulada '’Desfile’ militar expõe FFAA, isola Bolsonaro e vira vexame mundial.'

Ontem, uma reportagem da agência de notícias da CUT, a federação sindical ligada ao PT, citou como garantia da democracia no Brasil o fato de que ' não haveria clima internacional para esse tipo de aventura' como um golpe. Ela cita um apelo pessoal do Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA Jake Sullivan para que o Bolsonaro não ataque as eleições brasileiras, feito em uma reunião no dia 5 de agosto. Deixada de lado na reportagem foi a principal razão da visita de Sullivan: fortalecer uma aliança contra a China e proibir as empresas chinesas de infra-estrutura 5G de atuarem no Brasil em preparação para uma guerra contra a nação mais populosa do mundo, que em breve também será a maior economia do planeta. Tal guerra não pode ser organizada, seja no Brasil, nos Estados Unidos ou em qualquer outro lugar, por meios democráticos.

A complacência criminosa da oposição a Bolsonaro lembra as declarações que antecederam o golpe de 1964 de que o exército brasileiro era essencialmente uma força democrática - 'que tinha combatido os nazistas', muitos enfatizavam - e nunca estabeleceriam uma ditadura. Tais ilusões foram apropriadamente capturadas pela descrição do golpe de 1964 como 'o dia que durou 21 anos'. O preço foi pago no assassinato, tortura, prisão e exílio de dezenas de milhares.

As raízes de classe da complacência do PT e seus aliados pseudoesquerdistas estão em sua defesa do sistema de lucro capitalista, seja qual for sua retórica sobre ser 'socialista' ou ser a voz dos 'trabalhadores'. O PT procura anestesiar a opinião pública para o perigo de ditadura, porque teme uma reação em massa dos trabalhadores, que inevitavelmente visaria todo o capitalismo brasileiro, mais do que teme as ameaças de Bolsonaro. Os militares e o próprio Bolsonaro estão conscientes de que toda a situação mundial, dominada por níveis insuportáveis de desigualdade social e pelo impulso à guerra, é totalmente incompatível com as formas democráticas de governo. Eles estão se preparando para isso.

Os trabalhadores só podem responder a estas ameaças rompendo com todos os defensores corruptos do capitalismo, incluindo o PT e seus apologistas, e construindo uma nova liderança revolucionária no Brasil baseada em um programa socialista e internacionalista.

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