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Perspectivas

70 anos do pacto Hitler-Stalin

Há setenta anos, em 23 de agosto de 1939, os ministros de Relações Exteriores nazista e soviético, Joachim von Ribbentrop e Vyacheslav Molotov, um homem de confiança de Joseph Stalin, reuniram-se em Moscou para assinar um Pacto de Não-Agressão, negociado às pressas, entre a Alemanha de Hitler e a URSS.

O acordo foi realizado para preparar o caminho para a Alemanha realizar a guerra na Europa sob condições mais favoráveis para os nazistas. Quando Ribbentrop viajou para Moscou, o regime nazista estava desesperado para conseguir um acordo com a URSS, que lhe permitisse atacar a Polônia sem enfrentar uma guerra de duas frentes contra a URSS e as duas principais potências imperialistas da Europa Ocidental, Reino Unido e França. Além da promessa de não-agressão, o conteúdo do pacto incluía uma divisão secreta da Polônia e dos países do Báltico entre a Alemanha nazista e a URSS. A Alemanha recebeu o oeste da Polônia e a Lituânia, enquanto a URSS tomou o leste da Polônia, a Letônia e a Estônia.

Depois da invasão da Polônia em 1˚ de setembro de 1939, a Alemanha nazista emitiu ema declaração formal de guerra dois dias depois, em 3 de setembro. Isto marcou o início da Segunda Guerra Mundial na Europa, uma guerra que pôs fim à vida de 50 milhões a 70 milhões de pessoas. As forças soviéticas invadiram o leste da Polônia em 17 de setembro de 1939.

A neutralidade soviética permitiu que os nazistas, após derrotar rapidamente as tropas polonesas, pudessem concentrar suas forças contra a Europa Ocidental em 1940. Com a anuência de Stalin, Hitler conquistou a Dinamarca, Noruega, Holanda, Bélgica e França. Quando a inevitável invasão nazista da URSS começou em junho de 1941, a URSS estava completamente isolada do continente europeu. Stalin, ignorando as claras evidências de uma iminente invasão nazista, continuou cumprindo os termos do tratado. O Kremlin enviou as últimas remessas de matérias-primas estratégicas para a Alemanha nazista horas antes do início da invasão na manhã de 22 de junho de 1941.

O aspecto mais importante do tratado foi o total desprezo e indiferença do Kremlin em relação à opinião da classe operária internacional. Durante as negociações, Stalin exaltou Hitler, dizendo: “Eu sei o quanto o povo alemão ama o seu Führer”. Seguindo a linha do Kremlin, os Partidos Comunistas da França e do Reino Unido adotaram uma política oficial de neutralidade em relação ao regime fascista, a materialização da reação contra a classe operária.

Ambas as forças nazistas e soviéticas cometeram crimes em grande escala nas regiões ocupadas. Forças nazistas lançaram a Operação Tannenberg, executando dezenas de milhares de figuras da vida intelectual, cultural e política polonesa. Em março de 1940, as forças soviéticas organizaram o massacre de oficiais poloneses na floresta de Katyn.

Para surpresa de Hitler, durante as negociações do pacto, Stalin não pediu aos nazistas a libertação do dirigente comunista alemão Ernst Thälmann, que tinha sido conduzido a um campo de concentração desde pouco depois da chegada dos nazistas ao poder, em janeiro de 1933. Thälmann foi posteriormente assassinado pelos nazistas, pouco antes do colapso do Terceiro Reich.

O pacto Hitler-Stalin era, na superfície, uma impressionante reviravolta na política externa, tanto da Alemanha quanto da URSS. O regime nazista tinha se apresentado como o baluarte da resistência à URSS e à ameaça do comunismo. O regime stalinista, por sua vez, afirmou ser o adversário irreconciliável do imperialismo nazista. Assim, a assinatura do acordo foi recebida com choque e incredulidade pelo Reino Unido e França. Entretanto, não foi pequena a hipocrisia em suas condenações ao pacto, na medida em que as duas principais potências imperialistas da Europa tinham a esperança de chegar a um acordo com Hitler em detrimento da URSS.

Até agosto de 1939, as facções poderosas da classe dominante francesa e britânica esperavam que Hitler usasse a Wehrmacht não contra o Ocidente, mas contra a URSS. Esta foi a base do acordo de Munique de 1938: em troca de uma promessa nazista sem valor, a qual o primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain chamou de “paz no nosso tempo”, o Reino Unido e a França concordaram com o desmembramento da Tchecoslováquia pelos nazistas.

Havia um observador para quem a reviravolta na política soviética não veio como uma surpresa: Leon Trotsky, o líder da Quarta Internacional, que estava então vivendo como exilado político no México.

Com sua característica perspicácia, Trotsky previu que Stalin, enfrentando agudas crises internas e uma série de regimes hostis na Europa, produzidos por suas próprias políticas, poderia tentar afastar o perigo de uma guerra através de uma aliança com Hitler. Em junho de 1939, escreveu: “No congresso do partido em março deste ano, Stalin declarou abertamente pela primeira vez que, economicamente, a União Soviética ainda está muito atrás dos países capitalistas. Ele teve que fazer essa admissão, não só para explicar os recuos no campo da política externa. Stalin está disposto a pagar muito caro, para não dizer qualquer preço, pela paz. Não porque ele ‘odeia’ a guerra, mas porque ele está morrendo de medo das consequências.

“Desse ponto de vista, não é difícil avaliar as vantagens comparativas das duas alternativas para o Kremlin: o acordo com a Alemanha ou a aliança com as ‘democracias’. A amizade com Hitler significaria a remoção imediata do perigo de guerra na frente Ocidental e, assim, uma grande redução do perigo de guerra na frente do Extremo Oriente. Uma aliança com as democracias significaria apenas a possibilidade de receber ajuda em caso de guerra. Claro que, se nada resta a não ser lutar, então é mais vantajoso ter aliados do que se manter isolado. Mas a tarefa básica da política externa de Stalin não é criar as condições mais favoráveis, em caso de guerra, mas evitar a guerra. Este é o significado oculto das declarações frequentes de Stalin, Molotov e Voroshilov, de que a URSS ‘não precisa de aliados’.” (“The Riddle of the USSR”, In: The Writings of Leon Trotsky, 1938-1939 (Nova York: Pathfinder Press, 2002) p. 403-404).

Trotsky baseou seu julgamento da política externa do Kremlin, em uma avaliação mais ampla das políticas contrarrevolucionárias que a burocracia soviética tinha levado a cabo durante a década anterior.

Como os temores de uma guerra soviético-alemã cresceram depois que Hitler chegou ao poder em 1933, o Kremlin buscou alianças com a burguesia e os partidos socialdemocratas contra o fascismo na Europa Ocidental. A base dessas relações foi a subordinação política da classe operária ao regime capitalista. Stalin esperava conseguir favores da burguesia europeia, reprimindo, política e fisicamente, movimentos de esquerda e revolucionários. Trotsky descreveu sucintamente as resultantes alianças de “Frente Popular” como uma “aliança do liberalismo burguês e da GPU”, a polícia secreta do Kremlin.

Na França, a greve geral de maio-junho de 1936 foi vendida pelos sindicatos e pelo stalinista Partido Comunista Francês (PCF). O líder do PCF Maurice Thorez, então colaborando politicamente com o governo de coalizão de Frente Popular formada pelo Partido Socialista e pelo burguês Partido Radical, famosamente anunciou que “alguém tem que saber como terminar uma greve”. O governo da Frente Popular entrou em colapso em 1938, levando ao poder o governo conservador de Daladier.

Na Espanha, a estratégia da Frente Popular amarrou o proletariado espanhol à burguesia durante a Revolução Espanhola e a Guerra Civil de 1936-1939 contra o líder do golpe fascista, o general Francisco Franco. O Kremlin insistiu que os destacamentos de operários armados deveriam entregar as suas armas para o governo burguês de Manuel Azaña, a quem eles também deixariam o controle político e militar da guerra.

Como os trotskistas salientaram, o governo de Azaña temia a revolução espanhola muito mais do que temia Franco. Manteve-se implacavelmente hostil a um chamado para nacionalizar a terra para conquistar os exércitos camponeses de Franco. A França e o Reino Unido, embora fossem aliados soviéticos, impuseram um bloqueio à assistência à República espanhola, por medo de que a revolução pudesse se espalhar para além de Espanha. O resultado final foi a vitória dos fascistas espanhóis.

Trotsky comentou: “O traço fundamental da política internacional de Stalin, nos últimos anos, tem sido este: ele vende o movimento da classe operária assim como ele vende petróleo, manganês e outros bens. Nesta declaração, não há um pingo de exagero. Stalin trata as seções da Internacional Comunista em vários países e a luta de libertação das nações oprimidas como uma mudança muito pequena nos acordos com as potências imperialistas” (What lies behind Stalin’s bid for agreement with Hitler?. Ibid, p. 235).

Dentro da própria URSS, Stalin procurou agradar a si mesmo e a seus recentes aliados imperialistas e procurou amenizar o descontentamento político, liquidando a oposição ao seu governo. Nos Processos de Moscou e nos decorrentes Grandes Expurgos de 1936-1938, Stalin massacrou os velhos quadros bolcheviques e grande parte da intelectualidade socialista. Isto incluiu o assassinato de três quartos do corpo de oficiais soviéticos, incluindo veteranos como o marechal Mikhail Tukhachevsky e o General Iona Yakir, com consequências devastadoras para a capacidade de batalha do Exército Vermelho.

Trotsky escreveu: “Durante os últimos três anos, Stalin chamou todos os companheiros de Lenin de agentes de Hitler. Ele exterminou a elite do quadro de oficiais. Ele matou, exonerou, ou deportou cerca de 30.000 oficiais, todos sob a mesma acusação de serem agentes de Hitler e seus aliados. Depois de ter desmembrado o partido e decapitado o exército, agora Stalin está colocando abertamente sua própria candidatura para o papel de ... principal agente de Hitler” (“Stalin’s Capitulation”. Ibid, p. 254).

Chegando no final dessa sequência de traições, o Pacto Hitler-Stalin constituiu uma tentativa desesperada de Stalin e, por fim, malsucedida, de evitar uma guerra pela qual suas próprias políticas tinham grande responsabilidade. Quando a Alemanha invadiu a URSS menos de dois anos depois, a União Soviética estava lamentavelmente despreparada. Cerca de 30 milhões de soldados soviéticos e cidadãos pereceram na luta para repelir o ataque fascista.

Em última análise, no entanto, os incríveis sacrifícios do povo soviético foram traídos pela dissolução da URSS em 1991 - o resultado final das políticas contrarrevolucionárias do stalinismo.

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