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Perspectivas

Escalada do conflito dos EUA e OTAN com a Rússia conduz à guerra

Publicado originalmente em 17 de janeiro de 2022

Os EUA e seus aliados europeus, usando a Ucrânia como pretexto, estão deliberada e imprudentemente escalando seu confronto com a Rússia. Tudo o que eles estão dizendo e fazendo leva à conclusão de que a guerra, seja declarada ou não, é seu objetivo.

Tanque russo T-72B3 dispara enquanto tropas participam de exercícios no campo de tiro Kadamovskiy na região de Rostov, sul da Rússia, em 12 de janeiro de 2022. (Foto: AP)

Todo o palavreado sobre uma guerra iminente vem de Washington, das capitais europeias e da sórdida mídia pró-imperialista de ambos os lados do Atlântico. As afirmações de que a Rússia está prestes a realizar uma invasão são fundamentadas em alertas terríveis, para os quais absolutamente nenhuma prova é apresentada, de que Moscou está planejando encenar uma operação de “bandeira falsa”, que então utilizará para justificar uma invasão.

Nas circunstâncias atuais, é óbvio que a acusação está sendo feita para servir de disfarce precisamente para tal operação pelas forças especiais ucranianas, treinadas por conselheiros militares norte-americanos que trabalham no interior do país.

Como em todas as guerras lançadas pelos Estados Unidos nas últimas três décadas, a mídia está apresentando como fato alegações não verificadas e mentiras descaradas. Mais uma vez, o New York Times e o Washington Post estão liderando a campanha de desinformação, cujo objetivo é desorientar e envenenar a opinião pública.

Como em 2003, quando promoveram as mentiras sobre os “dutos de alumínio” e armas de destruição em massa de Saddam Hussein, o Times e o Post estão citando como “evidência” imagens de satélite e vídeos inicialmente postados nas redes sociais TikTok e Twitter por indivíduos desconhecidos na Rússia, que supostamente mostrariam o transporte de material militar bélico saindo do Extremo Oriente do país em direção ao oeste.

Outras “provas” de uma iminente invasão russa são imagens sem sentido de 1) marcas de pneus na neve supostamente criadas pelo peso de veículos militares recebendo carga para transporte perto do Lago Baikal; 2) “veículos de lançamento Iskander-M cobertos de lona em local não especificado”; e 3) um trem supostamente estacionado perto de uma estação em Primorskiy Krai “totalmente carregado com o que parece ser veículos militares”. Tudo isso equivale a nada.

Virando a realidade de cabeça para baixo, o Washington Post declarou em um editorial publicado em 16 de janeiro: “Toda esta crise foi fabricada pelo Sr. Putin.... Não tem nada a ver com a expansão da OTAN, cujo tratado fundador autoriza apenas ação militar defensiva”.

Mesmo se fosse verdade que a Rússia está prestes a invadir a Ucrânia, como é possível afirmar com seriedade que tal ação militar não teria “nada a ver com a expansão pela OTAN”, que estendeu suas fronteiras 800 milhas a leste desde a dissolução da União Soviética em 1991? Como a Rússia não poderia estar preocupada com a intenção óbvia da OTAN de trazer a Ucrânia para sua aliança militar? E, se a questão da Ucrânia é um mero pretexto usado por Putin para disfarçar sua megalomania, por que os Estados Unidos e a OTAN insistem em dizer que não excluem a futura incorporação da Ucrânia?

Quanto à asseguração do Post de que o “tratado fundador da OTAN autoriza apenas ação militar defensiva”, seus redatores parecem ter esquecido que a OTAN está no centro das operações imperialistas de agressão nos últimos 30 anos. Estas incluem a participação na invasão do Iraque em 1990-91, a intervenção na Bósnia em 1992, o bombardeio da Sérvia em 1999, a guerra de 2001 contra o Afeganistão, a Operação Ocean Shield na Somália em 2009 e a derrubada do governo líbio em 2011.

A lista acima é apenas um registro parcial das violações sangrentas da soberania nacional de outros países por parte dos Estados Unidos e da OTAN. No entanto, o Post declara hipocritamente: “A postura da Rússia em relação à Ucrânia equivale a uma conduta proibida nos termos do artigo 2 da Carta das Nações Unidas, que proíbe especificamente a ‘ameaça ou uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado’”.

A Carta das Nações Unidas também proíbe as intervenções de Grandes Potências em guerras civis de países soberanos e a derrubada de seus governos, uma restrição que o imperialismo americano e europeu ignorou nos últimos 75 anos. De fato, o atual governo de Kiev é em si mesmo produto de um golpe financiado e organizado pelos Estados Unidos e pela Alemanha.

Falando com o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, no domingo, Fareed Zakaria da CNN destacou os recentes tuítes do ex-embaixador dos EUA na Rússia Michael McFaul. Este último, que trabalhou no governo Obama, declarou que, se Putin desejasse encontrar uma solução para o atual conflito, ele teria que ouvir as “exigências” dos Estados Unidos.

Elas incluem, segundo McFaul, a retirada de todas as tropas russas dos territórios disputados da Abecásia e Ossétia do Sul, bem como, notavelmente, Kaliningrado. Este último é reconhecido internacionalmente como território soberano russo. Os EUA e a OTAN exigem poder decidir onde as tropas no interior das fronteiras da Rússia podem ser estacionadas, o que significa que a Rússia deve aceitar a perda de sua soberania. É o tipo de exigência imposta a um país dominado.

Neste contexto, a postura agressiva da Alemanha deve ser particularmente aviltante para a Rússia, que não esqueceu a invasão de 1941, que custou à União Soviética aproximadamente 30 milhões de vidas. Der Spiegel, a revista de notícias de maior circulação na Alemanha, declara em sua última edição: “A OTAN deve finalmente entregar armas letais à Ucrânia”.

Esta não é a linguagem utilizada quando se faz esforços para apaziguar uma crise. O Washington Post chega ao ponto de implicar que a possibilidade de uma resolução negociada das divergências com a Rússia já foi esgotada.

Ele escreve: “Com o inverno transformando o terreno plano da Ucrânia em estradas rápidas sobre terra congelada para tanques russos, a janela de oportunidade para uma solução diplomática está se fechando rapidamente – se é que alguma vez esteve realmente aberta”.

A afirmação de que o tempo das negociações está chegando ao fim é uma manobra usada por aqueles planejando provocar uma guerra, não pelos que buscam evitá-la.

O fato de que, mais de 75 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, a população da antiga União Soviética está novamente em face de uma catástrofe é a trágica consequência da liquidação da URSS há 30 anos, orquestrada pela nomenklatura do Partido Comunista com base na alegação, agora tão tragicamente falsa, de que o imperialismo era uma espécie de mito e que a reintegração da Rússia na economia capitalista mundial inauguraria uma nova era de paz e segurança.

A Rússia enfrenta agora uma situação na qual as tropas da OTAN e sua máquina de guerra estão estacionadas em suas próprias fronteiras e a OTAN conduz regularmente exercícios militares em larga escala ao longo de seu flanco ocidental.

A questão levantada é por que os Estados Unidos, o principal instigador do confronto com a Rússia – e, deve-se acrescentar, com a China – está perseguindo uma política incrivelmente imprudente que só pode levar ao desastre.

A resposta só pode ser encontrada dentro do contexto da crise do imperialismo americano e mundial. Desde a dissolução da União Soviética em 1991, os Estados Unidos têm recorrido repetidamente à guerra para compensar o longo declínio de sua predominância econômica global. Mas todas as intervenções militares produziram resultados que foram o oposto absoluto do que os Estados Unidos pretendiam. Desde a Tempestade no Deserto até a Guerra contra o Terror, o histórico de suas operações militares vem sendo uma saga brutal, sangrenta e patética de desastres.

Mas os Estados Unidos não podem “aprender com seus erros”. Trinta anos após o primeiro governo Bush ter proclamado o “momento unipolar” e o início de um Novo Século Americano, os Estados Unidos enfrentam um complexo conjunto de contradições econômicas, políticas e sociais internacionais e domésticas para as quais não têm absolutamente nenhuma solução racional, e muito menos progressista.

Todo o sistema econômico repousa precariamente sobre uma montanha insustentável de dívidas, que cresceu exponencialmente nos últimos 14 anos, particularmente desde o resgate de Wall Street, na sequência do crash de 2008.

Alimentada pelo parasitismo financeiro, a desigualdade social atingiu níveis assombrosos. O sistema político disfuncional é o produto de tensões sociais crescentes e incontroláveis.

A pandemia, que agora entra em seu terceiro ano, levou as tensões internas da sociedade americana a um ponto de ruptura.

A propaganda implacável pró-guerra da mídia americana é impulsionada pela crença ilusória de que um grande conflito militar no exterior distrairá a atenção pública da enorme crise social, econômica e política interna. “Os deuses primeiro enlouquecem aqueles a quem querem destruir”

A crise americana, no entanto, não é única. Ela é o epicentro de uma crise global de todo o sistema capitalista.

A política externa assassina que Washington e seus aliados estão perseguindo é a outra face da sua política doméstica homicida. Oitocentos e cinquenta mil americanos já morreram até agora de COVID-19. Em breve será bem mais de um milhão. A essa contagem de corpos podem ser acrescentados 152.000 cidadãos britânicos, 124.000 franceses e 116.000 alemães. A resposta do governo Biden à variante Ômicron é prometer às famílias americanas que em duas semanas poderão encomendar alguns kits de teste domiciliar de COVID através de um site governamental.

Escolas, hospitais, infraestrutura essencial, produção – tudo isso está se decompondo sob o peso do programa de infecção em massa perseguido por esses governos. No entanto, os mercados continuam a crescer e, assim, os trabalhadores têm que ficar acorrentados aos seus locais de trabalho para que o valor necessário para sustentar a bolha do mercado de ações possa ser extraído do suor deles.

A revolta social está aumentando, e uma onda de greve de dimensões globais está ganhando força. As greves de professores, operários automotivos, funcionários de saúde, mineiros e outros setores da classe trabalhadora estão atingindo as indústrias em todo o mundo. Mas em todos os centros do capitalismo global, as instituições políticas que trabalham para conter a oposição popular estão em um estado de decadência avançada. Fascistas estão saindo de todas as frestas. Nos EUA, eles estavam escalando as paredes do edifício do Capitólio. Na Alemanha, eles estão sentados no saguão do poder.

Incapaz de conter as pressões que se formam na sociedade capitalista, a classe dominante se volta para a guerra na tentativa de canalizar a raiva social em uma direção que pensa, ou espera desesperadamente, que a salvará de si mesma. Mas talvez a maior ilusão de todas seja a crença de que esta política tem apoio em amplos setores da população.

A classe operária americana e internacional não pode permitir que os planos de guerra de longo alcance do imperialismo americano sejam postos em prática. A luta contra a política de morte da classe dominante no país exige uma luta contra sua política de morte no exterior. A pressa, liderada pelos Estados Unidos e Alemanha, de atrair a Rússia para um conflito sangrento só pode ser detida por um movimento internacional da classe trabalhadora, unido em torno de um programa anticapitalista e socialista.

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