Português
Perspectivas

Por que os EUA e a OTAN querem guerra com a Rússia

Publicado originalmente em 25 de janeiro de 2022

O World Socialist Web Site condena a escalada de provocações dos Estados Unidos e da OTAN contra a Rússia. Seu objetivo é fabricar um pretexto para a guerra. Essas ações imprudentes ameaçam desencadear uma conflagração global que custaria a vida de centenas de milhões de pessoas.

O governo Biden anunciou ontem que está colocando 8.500 soldados em prontidão para serem enviados a países da Europa Central e Oriental, na fronteira da Rússia. Isso veio na sequência de uma reportagem do New York Times afirmando que o governo dos EUA tem planos de enviar até 50.000 tropas para a região.

Um soldado ucraniano perto de Donetsk, Ucrânia, segunda-feira, 12 de abril de 2021. (AP Photo)

O coronel americano Alexander Vindman, que está envolvido nas discussões de alto escalão dos EUA com o regime ucraniano, declarou: “Por que isso importa ao público americano? É importante porque estamos prestes a ter a maior guerra na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Haverá um destacamento maciço de força aérea, artilharia de longo alcance, mísseis de cruzeiro, coisas que não vemos acontecer na paisagem europeia há mais de 80 anos, e não será um ambiente limpo ou estéril”.

Como as intervenções desastrosas dos EUA no Iraque e no Afeganistão, o caminho para a guerra com a Rússia é pavimentado por mentiras. A escalada militar na Europa Oriental está sendo justificada através de alegações fabricadas pela mídia sobre uma invasão iminente da Ucrânia, o que até mesmo o governo ucraniano questionou. Isso é complementado por advertências, sem qualquer base factual, de que a Rússia planeja encenar uma operação de “bandeira falsa”. Se tal operação ocorrer, podemos ter certeza de que seus autores estão em Washington, e não em Moscou.

A mentira mais recente é a afirmação, fabricada pelo governo britânico, de que a Rússia pretende instalar à força um regime fantoche na Ucrânia – o que Washington, Berlim e a aliança da OTAN fizeram em 2014, apoiando um golpe de extrema-direita que tomou o poder em Kiev. Essa mentira já partiu em pedaços. O homem identificado como o suposto líder do regime fantoche russo na Ucrânia, o empresário e ex-parlamentar Yevhen Murayev, está na realidade banido da Rússia, que confiscou seus bens.

A maior mentira de todas é que os EUA e a OTAN estão engajados na defesa da “democracia” e contra a “agressão externa”. O governo e o aparato de Estado ucraniano estão assolados por forças paramilitares neonazistas que desempenharam um papel central no golpe de 2014. Isso inclui o partido Svoboda, que o Parlamento Europeu havia condenado formalmente por suas “opiniões racistas, antissemitas e xenófobas”, e as milícias neo-nazistas do Setor Direito e o Batalhão Azov.

Quanto às alegações do governo Biden de que está defendendo a santidade da soberania nacional da Ucrânia contra a “agressão externa”, a lista de países invadidos e/ou bombardeados pelos EUA nos últimos 30 anos inclui Panamá, Iraque, Kuwait, Haiti, Somália, Bósnia, Sudão, Afeganistão, Iêmen, Iraque, Paquistão, Líbia e Síria.

Desde a dissolução da União Soviética em 1991, a aliança militar da OTAN estendeu suas fronteiras 1.300 quilômetros a leste, incorporando a Polônia, Hungria, República Tcheca, Bulgária, Estônia, Letônia, Lituânia, Romênia, Eslováquia, Eslovênia, Croácia, Montenegro e Macedônia do Norte. Em 2021, a OTAN reconheceu oficialmente a própria Ucrânia como um “membro aspirante”, e a Suécia e a Finlândia também estão considerando aderir à aliança anti-Rússia. Tanto a Finlândia quanto a Estônia estão a menos de 200 quilômetros de São Petersburgo, e a fronteira leste da Ucrânia está a menos de 750 quilômetros de Moscou.

Enquanto as potências americana e europeias denunciam a Rússia por supostas movimentações de tropas dentro de suas próprias fronteiras, bilhões de dólares em armas foram fornecidos pelos EUA aos Estados bálticos da Estônia, Lituânia e Letônia, que agora estão sendo enviadas à Ucrânia. Os EUA já têm mais de 150 conselheiros militares na Ucrânia, incluindo das Forças de Operações Especiais, juntando-se a conselheiros do Reino Unido, Canadá, Lituânia e Polônia. Nestas condições, como a Rússia não poderia assumir que é alvo de um ataque militar?

Enquanto as mentiras usadas para justificar a agressão imperialista não são mais verossímeis do que as alegações de “armas de destruição em massa” no Iraque, as novas mentiras, como as antigas, são apresentadas pela mídia como verdade absoluta.

Nem o governo Biden nem seus aliados da OTAN explicitaram qual acreditam que será o resultado da escalada do confronto. Qual é o pior cenário possível para eles?

Os EUA afirmam que não estarão diretamente envolvidos em um conflito militar com a Rússia. Isso é uma mentira. Os Estados Unidos, ao enviar armas à Ucrânia e fixar conselheiros militares americanos no país, já estão – legalmente e na prática – engajados em ações hostis contra a Rússia.

O que os EUA e a OTAN planejam fazer caso suas ações levarem a Rússia a tomar medidas militares não apenas contra os fantoches ucranianos, mas também contra seus manipuladores americanos e europeus ocidentais? E será que o governo Biden e a CIA acreditam realmente que uma guerra com a Rússia será um conflito localizado pequeno e facilmente controlável? Se sim, eles deveriam repensar.

Uma guerra com a Rússia se transformaria rapidamente em uma conflagração global, envolvendo inevitavelmente a China e, por sinal, todos os países do mundo. As provocações dos EUA e OTAN tornaram o risco de uma guerra nuclear maior do que em qualquer momento desde o auge do conflito da Guerra Fria entre os EUA e a União Soviética.

Pode parecer que somente loucos provocariam uma guerra com consequências potencialmente tão catastróficas. Existe, no entanto, uma lógica para esta loucura.

Primeiro, há os cálculos geopolíticos do imperialismo americano. A referência de Biden, em sua recente entrevista coletiva, aos oito fusos horários e imensos recursos da Rússia indica os cálculos criminosos que motivam os planos militares dos EUA.

O imperialismo americano e europeu vê a Rússia, assim como Hitler em 1941, como um vasto território de pilhagem. Através de uma combinação de guerra e desestabilização interna, o imperialismo procura instigar a cisão da Rússia. Seu objetivo é fragmentar a Rússia em numerosos Estados fantoches que existiriam como colônias das principais potências imperialistas.

Além disso, os Estados Unidos consideram a integração da Rússia em sua esfera de influência como essencial para os preparativos de guerra com a China.

Mas tudo isso está ocorrendo no contexto de uma catástrofe produzida pela resposta da classe dominante à pandemia da COVID-19. Cerca de 900.000 americanos estão mortos pela COVID-19, de acordo com números oficiais. Com a variante Ômicron se espalhando sem restrições, a classe dominante abandonou qualquer pretensão de conter, e muito menos eliminar, o vírus. Escolas e locais de trabalho estão sendo mantidos abertos, garantindo uma infecção em massa em uma escala que não foi vista em toda a pandemia.

No Reino Unido, o principal conspirador ao lado dos EUA no esforço de guerra contra a Rússia, o governo de Boris Johnson está pendurado por um fio. Mas Johnson, o vagabundo político e social que infamemente declarou, “deixem os corpos se empilhar aos milhares”, apenas exemplifica a degeneração da política burguesa europeia como um todo.

A pandemia desencadeou uma crise econômica, social e política de toda a ordem capitalista. Durante a última semana, Wall Street viu as quedas mais acentuados desde o colapso em março de 2020. A inflação em alta ameaça prejudicar a política do Federal Reserve de fornecer dinheiro ilimitado aos mercados financeiros, o que alimentou uma mania especulativa diferente de tudo o que se viu desde os anos anteriores à Grande Depressão.

A governo Biden mal sobreviveu a um golpe fascista um ano atrás que visava impedi-lo de tomar o poder. O instigador do golpe, Donald Trump, continua sendo o líder de facto do Partido Republicano, e a conspiração para derrubar a Constituição e estabelecer uma ditadura continua.

Ao longo do último ano, a obsessiva fixação do governo Biden tem sido “a unidade”. Com relação às divisões dentro da classe dominante, Biden está usando as provocações contra a Rússia para forjar uma aliança com as alas mais à direita do Partido Republicano – ou seja, uma unidade da classe dominante com base na agressão militar no exterior.

O maior medo da classe dominante, no entanto, é o crescimento da oposição social vinda de baixo. A luta contra a pandemia está começando a tomar a forma de uma luta de classes, como expresso nas greves de professores e estudantes, e na crescente revolta nos mais amplos setores da classe trabalhadora. Ainda este mês, lutas de professores irromperam em Chicago e em toda a França, seguidas de protestos estudantis e paralisações em Nova York, São Francisco, Oakland, Boston, e na Áustria e Grécia. Uma onda de greves selvagens contra contratos vendidos acordados pelos sindicatos irrompeu em minas e fábricas metalúrgicas em toda a Turquia.

O medo de um movimento de massas da classe trabalhadora é o que confere à campanha anti-Rússia seu caráter histérico e homicida. Esta não seria a primeira vez que uma guerra é utilizada nos esforços desesperados de criar uma falsa “unidade nacional”.

Classes dominantes historicamente condenadas se voltaram frequentemente no passado a políticas de guerra suicidas na tentativa de preservar sua dominação de classe. Em seu trabalho sobre esse assunto, intitulado “Internal Causes and Purposes of War in Europe, 1870-1956” (em português: “Causas internas e propósitos da guerra na Europa, 1870-1956”), o historiador da Universidade de Princeton, Arno Mayer, observou: “Em sua tentativa de recobrar um maior controle interno, os governos em crise tendem a alardear o fantasma de perigos externos, calculando que tensões internacionais de menor intensidade podem ajudar a criar coesão interna”.

Tais considerações foram centrais para a “guerra ao terror”, que foi utilizada para travar guerra no exterior e escalar a repressão internamente. Após o fracasso da guerra no Afeganistão, que culminou com a retirada das forças norte-americanas no ano passado, a tentação da classe dominante é encontrar uma saída através de uma conflagração militar ainda mais catastrófica.

Uma classe dominante que se mostra disposta a sacrificar desnecessariamente milhões de vidas durante a pandemia acabará por se mostrar não menos disposta a sacrificar dezenas ou centenas de milhões, ou mesmo bilhões, em uma guerra.

Tanto a classe trabalhadora russa quanto a ucraniana estão enfrentando as consequências catastróficas da dissolução da União Soviética pela burocracia stalinista em 1991. Esse ato criminoso foi justificado com a alegação de que a Rússia se enriqueceria por sua integração pacífica na abastada ordem capitalista mundial. Quanto ao perigo potencial da agressão imperialista, Gorbachev e Ieltsin e os teóricos stalinistas da restauração capitalista descartaram isso como uma bizarra fantasia marxista. O “imperialismo” não passaria de um conceito leninista – ou pior ainda, trotskista – inventado para justificar a Revolução de outubro de 1917 e o socialismo. Essa “invenção” está agora armada até os dentes e preparando o violento desmembramento da Rússia e sua transformação em uma colônia do imperialismo mundial.

O regime de Putin, que governa em nome dos oligarcas capitalistas que dominam o país, não tem uma resposta viável, e muito menos progressista, para as ameaças. Hostil à classe trabalhadora, ele oscila entre as tentativas de negociar um acordo com as potências imperialistas e ameaçá-las com o poderio militar da Rússia. Nenhum apoio político pode ser estendido ao regime de Putin pela classe trabalhadora russa.

A situação é urgente. A classe operária deve ser conscientizada do perigo da guerra e da necessidade de intervir politicamente para detê-la.

A luta contra a guerra deve estar ligada ao crescente movimento da classe trabalhadora contra a política de classe dominante de infecção em massa, os níveis sem precedentes de desigualdade social e o perigo crescente de ditaduras de extrema-direita e fascistas. Ou seja, a luta contra a guerra deve se desenvolver como um movimento político independente da classe trabalhadora contra a classe dominante e todo o sistema capitalista.

Loading