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Partido dos Trabalhadores aponta programa para as eleições brasileiras de 2022: austeridade e corporativismo

Publicado originalmente em 31 de janeiro de 2022

O Partido dos Trabalhadores (PT) marcou o início do ano eleitoral de 2022 com uma série de anúncios com o objetivo de sugerir que o partido tem a intenção de reverter as medidas de austeridade impostas nos últimos cinco anos.

O mais significativo deles é que, se voltar ao poder, o partido “revogará” a reforma trabalhista de 2017, promulgada pelo presidente Michel Temer, ex-vice-presidente de Dilma Rousseff do PT, que a sucedeu depois do impeachment de 2016. A reforma ampliou enormemente o trabalho temporário e provocou uma drástica redução dos salários. Ao mesmo tempo, cortou drasticamente o financiamento dos sindicatos, desmoralizados diante dos trabalhadores, levando muitos deles a demitir dezenas de funcionários. O aumento da verba para os sindicatos é um dos objetivos centrais da chamada “revogação” do PT.

O partido também anunciou que buscará a revogação do “teto de gastos” vigente por 20 anos, imposto por emenda constitucional em 2017, e que causou uma ampla deterioração dos serviços públicos, infraestrutura e programas de assistência à pobreza. O PT alega que o teto de gastos de 2017 é o único obstáculo a um maciço programa de investimentos para trazer de volta empregos bem remunerados – sua própria versão das promessas fraudulentas de Joe Biden nos Estados Unidos, com seu programa “Build Back Better” (“reconstruir e melhorar”, em tradução livre).

Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (direita) com seu principal candidato a companheiro de chapa, seu antigo rival de direita, Geraldo Alckmin (Crédito: Ana Nascimento, Agência Brasil)

A nova investida do PT à presidência com a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se dá em condições sociais extraordinárias. As mortes em massa causadas pela COVID-19 tem sido acompanhada de um forte crescimento da pobreza extrema, da fome, do desemprego e da inflação. Com a classe dominante consciente de que preside um barril de pólvora social incompatível com formas democráticas de governo, o presidente fascistoide Jair Bolsonaro e seus aliados de extrema-direita estão trabalhando dia e noite nos preparativos para anular uma provável derrota nas urnas em outubro.

Seus ataques ao sistema eleitoral chegaram a tal ponto que os próprios chefes das forças armadas advertem sobre um golpe, ou um “cenário Capitólio”, ordenando que os exercícios militares sejam antecipados a fim de que todo o contingente esteja disponível para entrar ação durante as eleições – acima de tudo para suprimir a resistência dos trabalhadores a um golpe.

Sob estas condições, o Partido dos Trabalhadores está inteiramente empenhado em estabilizar o capitalismo brasileiro e impedir que a oposição popular a Bolsonaro se transforme em um movimento de massas contra o próprio capitalismo. Os anúncios recentes do PT tiveram o objetivo de dar um verniz de “esquerda” à campanha eleitoral essencialmente direitista e pró-capitalista de Lula. Essa campanha segue os passos da oposição direitista do PT a Bolsonaro desde 2018, baseada inteiramente em críticas à sua incapacidade de agradar ao capital estrangeiro, temperada com falsas lamúrias pela enorme taxa de mortalidade pela COVID-19 e a pobreza recorde que atinge os trabalhadores brasileiros.

Ao lançar sua candidatura presidencial em novembro de 2021, Lula fez uma turnê pela Europa, encontrando-se com o então chanceler eleito da Alemanha, Olaf Scholtz, o espanhol Pedro Sánchez e o francês Emmanuel Macron, que organizou uma recepção altamente protocolar com guardas de honra, com o objetivo de utilizar a visita de Lula para impulsionar sua própria campanha presidencial direitista. Discursando perante o Parlamento Europeu, Lula exaltou a União Europeia, a cada vez mais direitista e militarizada, como um exemplo de paz e democracia, sinalizando ao capitalismo europeu uma futura mudança em relação à atual política externa centrada nos EUA, que tem atraído críticas tanto internas quanto externas.

Mais tarde, em dezembro, Lula tornou públicas suas negociações para ter como companheiro de chapa Geraldo Alckmin, que foi quatro vezes governador de São Paulo e por duas vezes candidato a presidente pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). O PSDB foi a principal oposição de direita ao governo do PT no sistema político que prevaleceu de 1994 a 2018, praticamente bipartidário. Alckmin terminou a corrida de 2018 com apenas 5% dos votos, o pior desempenho desde que o PSDB foi fundado em 1988.

Alckmin deixou o PSDB em novembro, após anos de disputas completamente oportunistas com o atual governador de São Paulo, João Doria. Apoiando Bolsonaro contra ele em 2018 e empurrando o PSDB ainda mais para a direita, Doria também bloqueou as tentativas de Alckmin de obter a nomeação do partido ao cargo de governador de São Paulo em 2022. Alckmin tem uma sólida base na assassina Polícia Militar de São Paulo e no interior conservador do estado, bem como nos sindicatos mais direitistas, que historicamente se opuseram ao PT e são dominados pelos partidos Solidariedade e Social Democrático (PSDB).

Alckmin foi escolhido por Lula como o candidato ideal para assegurar ao capital brasileiro e estrangeiro que o PT defenderá seus interesses, independentemente dos discursos de “reforma” que oferece à fábrica de propaganda eleitoral sustentada pela ala esquerda do partido, a pseudoesquerda que o orbita e os sindicatos.

Ambas as promessas econômicas de impacto feitas pelo PT devem ser tomadas pelo que são: mentiras.

O uso do termo “revogação” para a proposta de novas leis trabalhistas do PT é uma mentira em si. Seu uso deliberado pela presidente do partido, Gleisi Hoffmann, e por veículos como Brasil de Fato e Brasil247 é uma tentativa de esconder o verdadeiro conteúdo da proposta. O próprio Lula citou como seu “modelo” uma lei na Espanha patrocinada pelo pseudoesquerdista Podemos, a força minoritária da coalizão governista, que alegou durante sua própria campanha eleitoral que “reverteria” a reforma trabalhista de 2012 imposta pela União Europeia. O projeto de lei de 2012 fez com que o trabalho temporário na Espanha atingisse 25% da força de trabalho e impôs cortes drásticos nas indenizações por demissão, permitindo que os empregadores despedissem trabalhadores em massa.

Apesar das falsas alegações do PT, nem mesmo a ministra do trabalho da Espanha, Yolanda Diaz, afirma que o novo projeto de lei do Podemos é uma “revogação” da lei de 2012. Ele mal toca a o trabalho temporário e os cortes anteriores nas indenizações por demissão. O novo projeto de lei na Espanha faz parte de um pacote de austeridade brutal exigido pela União Europeia em troca de fundos que serão imediatamente revertidos para as bolsas de valores. Ele foi vinculado a mais uma “reforma previdenciária”, aumentando as contribuições e a idade para aposentadoria.

Ao mesmo tempo, a coalizão Partido Socialista-Podemos duplicou o financiamento estatal para os sindicatos, que são necessários, nas palavras do Primeiro Ministro Pedro Sánchez, para “manter a paz social” e permitir “flexibilidade para que os empregadores se adaptem às circunstâncias através do uso de esquemas suspensão de contratos de trabalho” como os autorizados no Brasil por Dilma Rousseff em 2015.

O aumento do financiamento sindical também é a única preocupação dos sindicatos brasileiros. A Força Sindical, aliada a Alckmin, reagiu ao anúncio do PT da proposta de “revogação”, declarando que os sindicatos estão buscando um “aperfeiçoamento” da reforma, mas não sua revogação.

A necessidade de aumentar o financiamento sindical em troca da “paz social” – ou seja, da supressão da luta de classes – foi reconhecida por um dos principais patrocinadores da reforma trabalhista brasileira, o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, que atualmente é coordenador da campanha de Doria para a presidência, pelo PSDB. Maia reagiu à proposta do PT com uma enorme deferência aos sindicatos, disfarçada de preocupações com a “democracia”. “Estou convencido que eles estão certos. Os sindicatos são estrutura fundamental para a defesa dos trabalhadores e para a defesa da Democracia”, disse ele. “A primeira coisa que Hitler fez na Alemanha foi suprimir os sindicatos alemães da vida política. De fato, a gente foi longe demais” na reforma.

Quanto à promessa de revogar o teto de gastos, seu ponto de partida é um ataque completamente direitista a uma série de medidas do governo Bolsonaro que o contornam, as quais o PT alega terem prejudicado a “credibilidade” do Brasil. A presidente Gleisi Hoffmann tem declarado repetidas vezes que o teto de gastos morto na prática. Ela disse à CNN na semana passada: “esse teto de gastos já foi abandonado por todos. Aliás, é um vexame. Ninguém o respeitou.” Ela concluiu: “o mercado não tem condições de defender um negócio que ninguém respeita”. Em outras palavras, o programa do PT é impor um limite de gastos que seja “respeitado”, ou seja, um programa de austeridade mais confiável.

Nelson Barbosa, que foi Ministro da Fazenda de Dilma Rousseff, falou recentemente à Folha de S. Paulo como representante da equipe econômica da fundação Perseu Abramo, que elabora o programa do PT, e explicou que a proposta do partido é iniciar o governo com uma reforma do administrativa que reduza os salários de entrada no serviço público e alongue os prazos de progressão na carreira. Isso permitiria liberar espaço para “investimentos” – ou seja, despejar dinheiro em favor das grandes empresas e da bolsa de valores, como os esquemas suspensão de contratos de 2015, antes do impeachment de Rousseff.

As promessas de austeridade do PT estão sendo bem recebidas pelos mercados financeiros, com o diário financeiro Valor creditando a queda do dólar americano em relação ao real no dia 19 de janeiro em grande parte à defesa de Lula da aliança com Alckmin para um grupo de sites alinhados ao PT, como o Brasil247, em uma entrevista que excluiu os principais jornais e emissoras de TV.

O verdadeiro objetivo dos anúncios econômicos do PT era fornecer à pseudoesquerda e aos sindicatos material para convencer os trabalhadores e a juventude de que o partido pode ser empurrado para a esquerda e que a campanha direitista de Lula deve ser “disputada” com tipos como Alckmin.

As mentiras sobre a “revogação” da reforma trabalhista foram imediatamente ecoadas pelo líder da suposta ala esquerda do PT, Rui Falcão, que atualmente finge oposição à aliança com Alckmin. Falcão declarou que “As declarações do Lula e da Gleisi sobre mudar a legislação trabalhista dão um bom tom para o programa porque colocam na ordem do dia a classe trabalhadora”.

Previsivelmente, a questão também foi amplificada pela voz internacional dos “socialistas” pró-imperialistas, a revista Jacobin, que publicou um artigo em 20 de janeiro alegando que as declarações de Lula estavam causando “desespero” na classe dominante. Isso implicaria que um possível terceiro governo Lula seria nada menos que anticapitalista.

O giro do PT aos sindicatos em aliança com importantes figuras da direita como Maia e Alckmin, com a Força Sindical e o partido Solidariedade desempenhando um papel fundamental na reabilitação do odiado ex-governador de São Paulo, tem o objetivo de impulsionar uma agenda corporativista na qual os sindicatos são alçados ao centro da arena política, em antecipação a uma grande erupção da luta de classes. Tal oposição já está se desenvolvendo, com os trabalhadores negando-se a aceitar o desastre econômico que se abate sobre dezenas de milhões de pessoas, as ameaças de ditadura e carnificina provocada pela variante ômicron, para a qual o PT não oferece solução, exceto por uma campanha totalmente inadequada para acelerar a vacinação. A tarefa dos sindicatos é impor salários de miséria em supostas “negociações”, em nome da “unidade nacional” e da “manutenção da economia”, enquanto a classe dominante busca “competitividade” através da redução dos custos de mão-de-obra.

O líder do PT no Senado, Paulo Paim, já havia declarado em julho que o partido pretendia emular a campanha pró-sindicatos do presidente americano Joe Biden, que estão completamente integradas aos preparativos dos EUA para uma guerra contra a China. Apesar de o PT estar declaradamente buscando uma aproximação com a China e a União Europeia, a lógica nacionalista da competição geopolítica internacional impõe a mesma necessidade de aumentar a exploração da classe trabalhadora e suprimir a oposição em todos os países.

Os trabalhadores devem se opor a esta campanha. A única maneira de avançar na luta contra a austeridade, a pobreza e a política de “imunidade do rebanho” patrocinada por todas as frações da classe dominante brasileira, incluindo as representadas pelo PT, é baseá-la em um programa socialista e internacionalista, independente e em oposição aos sindicatos existentes, ao PT e a seus defensores.

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