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Greves selvagens contra aumento dos preços se espalham na Turquia em meio à pandemia

Publicado originalmente em 2 de fevereiro de 2022

Enquanto o governo do Presidente Recep Tayyip Erdogan levanta as medidas remanescentes contra a COVID-19 e adota uma política de “imunidade de rebanho”, as greves selvagens contra os custos de vida cada vez mais intoleráveis estão se espalhando pela Turquia.

Essas greves são parte de um crescente movimento global da classe trabalhadora contra as políticas mortais da classe dominante em resposta à pandemia e suas consequências econômicas e sociais. Esse movimento tem o potencial de impor uma mudança da política em resposta à pandemia, como explicou recentemente o World Socialist Web Site em sua Declaração de Ano Novo: “A implementação de uma resposta científica e progressista à pandemia só é possível na medida em que essas políticas encontrem o fundamento social necessário em um movimento de massas da classe trabalhadora em escala global”.

Enquanto o número de casos diários na Turquia ultrapassou pela primeira vez os 100 mil na terça-feira e a taxa de positividade dos testes se aproxima de 25%, o governo Erdogan, especialmente o ministro da Saúde, Fahrettin Koca, declarou repetidamente que não há “nada com que se preocupar”.

Ao lado das tentativas de “normalizar” um número oficial de cerca de 200 mortes diárias por uma doença evitável, o custo de vida cada vez maior está alimentando a raiva e a oposição entre milhões de trabalhadores.

A inflação anual oficial subiu para 36% em dezembro, mas a inflação real ultrapassou 82%, de acordo com um estudo do ENAGroup (Grupo Independente de Pesquisa da Inflação). Além disso, espera-se que a inflação de janeiro seja muito mais alta. Os preços de energia elétrica, aluguel e alimentos básicos aumentaram em mais de 100% e milhões de famílias da classe trabalhadora não conseguem pagar suas contas.

A inflação depreciará drasticamente o aumento de 50% do salário-mínimo para 2022. Enquanto o governo se gaba deste aumento, que foi abaixo até mesmo da taxa de inflação anual real, a confederação pró-governamental Türk-İş anunciou que em janeiro de 2022, a “linha da fome” (“gasto mensal com alimentos necessário para que uma família de quatro pessoas tenha uma dieta saudável, equilibrada e adequada”) subiu para 4.249 liras turcas (US$ 315). Este é precisamente o novo salário-mínimo. Segundo o relatório, o limite de pobreza subiu para 13.843 liras turcas (US$ 1.025).

Operários automotivos da Farplas fazem greve, em Gebze, Kocaeli. [Crédito: @ersoyirsi Twitter]

Sob tais condições, setores cada vez maiores da classe trabalhadora estão fazendo greves selvagens contra aumentos salariais insuficientes e a contínua queda dos padrões de vida. Em apenas um mês em 2022, a Turquia assistiu a uma onda de greves selvagens que superam a atividade grevista recente de um ano inteiro. A característica comum dessas greves é que elas estão surgindo em grande parte como movimentos de trabalhadores de base não sindicalizados, de forma independentes dos sindicatos.

Entre as dezenas de greves selvagens que irromperam na Turquia este ano, existem:

  • Na primeira semana do novo ano, aproximadamente 200 trabalhadoras no Mercado de Frutas e Vegetais no distrito de Tarso, na cidade de Mersin, no sul do país, cruzaram os braços exigindo aumento salarial.
  • Em 12 de janeiro, metalúrgicos da fábrica Çimsataş em Mersin rejeitaram um contrato rebaixado entre a Associação Turca de Empregadores da Indústria Metalúrgica (MESS) e três sindicatos que representam cerca de 150.000 trabalhadores, e pararam de trabalhar. A greve selvagem de mais de 700 trabalhadores foi encerrada com a colaboração entre a administração da empresa e o Birleşik Metal-İş, afiliado ao DİSK, e 13 trabalhadores foram demitidos.
  • Em 17 de janeiro, cerca de 700 trabalhadores nas minas de ferro de Divriği na província central turca de Sivas pararam de trabalhar depois da empresa rejeitar suas exigências de aumento de salários e benefícios. A greve de quase três dias terminou quando a administração fez algumas concessões, apesar de continuar rejeitando certas exigências.
  • Em 19 de janeiro, mais de 2.300 trabalhadores da fábrica de automóveis Farplas Otomotiv em Gebze, Kocaeli pararam a produção, protestando contra o aumento salarial miserável. A administração da Farplas, que tem fábricas em sete países e fornece peças para empresas como Ford, Mercedes, Renault, Volvo e Tesla, prometeu em uma reunião com representantes dos trabalhadores que os salários seriam aumentados e que nenhum trabalhador seria demitido. No entanto, quase 150 trabalhadores que se filiaram ao Birleşik Metal-İş neste processo foram demitidos. Em resposta, os trabalhadores ocuparam a fábrica no final de janeiro. Mais de 100 trabalhadores e vários sindicalistas foram espancados e detidos durante uma brutal ação policial pela manhã. Operários de fábricas próximas saíram em solidariedade.
  • No final de janeiro, 40 mineiros trabalhando na cidade de Şırnak, no sudeste do país, cruzaram os braços exigindo um aumento salarial. De acordo com a Agência Mezopotamya, “os trabalhadores pararam de trabalhar com o argumento de que seus salários não foram aumentados, e estão trabalhando por salários baixos”.
  • As greves selvagens estão se espalhando especialmente entre entregadores de cargas. Em 25 de janeiro, milhares de entregadores trabalhando como autônomos com seus automóveis para a Trendyol, a maior plataforma de comércio eletrônico da Turquia, rejeitaram um aumento salarial de 11% oferecido pela empresa e pararam o trabalho em todo o país. Os entregadores da Trendyol, que exigiam um aumento de 50%, receberam um aumento de 38% após a greve. Isto também inspirou os trabalhadores de outras empresas de entregas a fazerem greve.
  • No mesmo dia, quase 60 entregadores autônomos para a Aras Kargo, na cidade ocidental de Denizli, protestaram contra um aumento salarial de 10%.
  • Milhares de entregadores da Yemek Sepeti continuaram uma greve selvagem durante dias, exigindo um salário de 5.500 liras turcas, benefícios e o reconhecimento de um sindicato. Os entregadores realizaram ontem um protesto massivo diante da sede da empresa em Istambul.
  • Os entregadores da Hepsijet também recusaram um aumento salarial de 28% e pararam o trabalho em cidades como Istambul e Ankara. Eles estão exigindo o mesmo salário que os entregadores da Trendyol.
  • Os entregadores da Scotty também rejeitaram um aumento de 22% e suspenderam seus contatos. Eles organizaram um protesto em frente à sede da empresa em Istambul e exigiram um aumento salarial de 40%.
  • Os entregadores da Yurtiçi Kargo, uma das maiores empresas de carga da Turquia, também fecharam seus contatos na terça-feira, exigindo um aumento salarial. Os trabalhadores rejeitaram uma oferta de aumento de 17% e exigiram um aumento de 40%, assim como o retorno dos grevistas demitidos.
  • Os trabalhadores da fábrica da Alpin Socks no distrito de Beylikdüzü, em Istambul, que produz para a Adidas, Decathlon, Carrefour e H&M, pararam de trabalhar depois que um aumento salarial insuficiente foi anunciado na terça-feira. Após uma reunião entre os representantes dos trabalhadores e o patrão na quarta-feira de manhã, a empresa aceitou as exigências de um aumento de 2.500 liras turcas e uma promessa de estabilidade no emprego. Isso desencadeou greves selvagens em várias outras fábricas de meias em Istambul.
  • Na terça-feira, os trabalhadores da fábrica de bebidas Kizilay na cidade oriental de Erzincan recusaram um aumento de 22% e pararam a produção. Outros 150 trabalhadores da fábrica de água mineral de Kizilay na cidade ocidental de Afyonkarahisar realizaram uma greve selvagem exigindo um aumento decente, a devolução dos benefícios que haviam sido cortados e o reconhecimento de seu sindicato. A administração da empresa alegadamente convocou unidades da polícia militar para a fábrica.
  • Oitenta trabalhadores do departamento de embalagem da Polibak, localizada no distrito Çiğli, em İzmir, uma das 500 maiores empresas industriais da Turquia, pararam a produção na terça-feira, exigindo um aumento salarial. De acordo com o semanário Kizil Bayrak, após um protesto de duas horas, os trabalhadores retornaram ao trabalho e deram à gerência uma semana para atender suas demandas.
  • Depois de trabalhar sem remuneração por dois meses, 250 trabalhadores da construção civil na Usina Nuclear de Akkuyu, construída pela empresa estatal russa Rosatom, pararam de trabalhar. Unidades da polícia militar foram alegadamente enviadas para o canteiro de obras. Um trabalhador disse ontem ao diário Sözcü: “Não recebemos nossos salários há dois meses, e estamos em luta há quatro dias. Haverá uma demissão em massa amanhã porque tomamos uma atitude. Eles nos demitirão incondicionalmente”. Embora milhares de trabalhadores tenham ficado de fora por causa do uso de muitos terceirizados pela empresa, todos eles já realizaram protestos anteriores por salários não pagos, condições horríveis de trabalho e de acomodação.
  • Oposição ao aumento do custo de vida e à política mortal em resposta à pandemia também está crescendo entre médicos e outros trabalhadores da saúde. Em 21 de janeiro, vários milhares de médicos fizeram uma greve de um dia e, em 8 de fevereiro, os trabalhadores da saúde estão se preparando para uma greve nacional. Os médicos da família também anunciaram que haverá uma paralisação do trabalho de dois dias em 17-18 de fevereiro.

Esse movimento da classe trabalhadora, que se desenvolveu em grande parte independentemente dos sindicatos, somente será sufocado se cair sob o controle dos sindicatos pró-capitalistas.

A luta contra o aumento do custo de vida e da desigualdade social é inseparável da luta contra a pandemia e o sistema capitalista mundial. Esta luta é de caráter internacional e deve ser anticapitalista. O World Socialist Web Site convoca todos os trabalhadores entrando nesta luta a formar comitês de base independentes e a se unirem à Aliança Operária Internacional de Comitês de Base (AOI-CB).

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