Português
Perspectivas

Crise do capitalismo americano se aprofunda com dívida pública atingindo 30 trilhões de dólares

Publicado originalmente em 3 de fevereiro de 2022

O anúncio dado pelo Tesouro dos Estados Unidos de que a dívida pública do país ultrapassou os 30 trilhões de dólares é um marco no aprofundamento da crise histórica do capitalismo americano.

Nas últimas décadas, e particularmente desde o colapso financeiro de 2008, a classe dominante suas instituições de Estado tentaram conter esta crise inundando o sistema financeiro com dinheiro criado com o apertar de um botão de computador. Mas a crise continua a se manifestar, assumindo formas cada vez mais malignas.

O prédio do Capitólio dos EUA, em Capitol Hill, Washington, em 2 de novembro de 2020. (AP Photo/Patrick Semansky)

Em seu relatório sobre o nível da dívida, o New York Times descreveu-o como “um grave marco fiscal que ressalta a natureza frágil da saúde econômica do país a longo prazo, ao mesmo tempo que luta com a alta dos preços e a perspectiva de taxas de juros mais altas”.

A gigantesca escala da dívida é quase impossível de ser apreendida pela imaginação comum. Mas, para colocá-la em perspectiva, ao atingir US$ 30 trilhões, é agora US$ 7 trilhões maior do que todo o produto interno bruto dos Estados Unidos – o valor total dos bens e serviços produzidos em um ano – que é em torno de US$ 23 trilhões.

E o ritmo de crescimento da dívida está acelerando. No início de 2020, previa-se que alcançaria 30 trilhões de dólares por volta do final de 2025. Essa aceleração está sendo resumida como o produto do aumento dos gastos em função da pandemia. Mas tal análise ignora dois fatos vitais.

Primeiro, o choque na economia americana provocado pelo coronavírus foi ampliado exponencialmente pela recusa criminosa do governo – tanto de Trump como de Biden – de tomar medidas significativas de saúde pública, especialmente no estouro da pandemia, o que poderia ter contido o surto no início, motivado pelo medo de que isso afetasse negativamente o mercado de ações. Além disso, grande parte dos gastos pandêmicos foi destinada aos resgates de bilhões de dólares a grandes empresas, ao mesmo tempo que lhes foram proporcionados mais incentivos fiscais.

Em segundo lugar, o aumento da dívida, um processo de décadas, não é o resultado do aumento dos gastos com serviços e obras sociais. Esses últimos têm sido continuamente reduzidos. Ao contrário, é o produto do aumento dos gastos militares – o orçamento militar atual atingiu um novo recorde de US$ 770 bilhões – bem como das contínuas reduções de impostos para os super-ricos e grandes empresas que tem como resultado, como demonstram inúmeros estudos, eles pagarem pouco ou zero imposto.

Essas políticas foram empregadas consistentemente através dos governos de Bush, Obama, Trump e Biden.

Além disso, o aumento da dívida pública é o resultado de processos mais profundos enraizados em uma transformação no modo de acumulação de lucros da economia dos EUA.

Nas últimas quatro décadas e mais, assistiu-se ao aumento da financeirização – processo pelo qual os lucros são cada vez mais acumulados através de operações financeiras por meio do mercado de ações. Esse processo se acelerou nos últimos dois anos, com Wall Street atingindo novos recordes, resultando na transferência de trilhões de dólares para os cofres dos bilionários da pandemia. Processos análogos estão em ação em todas as economias capitalistas do mundo, assumindo sua forma mais extrema nos EUA.

As questões imediatas levantadas são: como esta dívida será paga e quais são suas implicações para a classe trabalhadora.

Falando na reunião virtual do Fórum Econômico Mundial no mês passado, a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, disse que era “importante avaliar a sustentabilidade da dívida no contexto do ambiente de taxas de juros” e que o peso da dívida dos EUA era “muito controlável” por causa das baixas taxas de juros.

A chamada “gestão” da dívida nacional se dá através do mercado de títulos do Tesouro dos EUA emitidos pelo governo americano que são comprados por investidores financeiros. No entanto, em março de 2020, enquanto Wall Street afundava, esse processo quebrou-se completamente quando houve uma “debandada” da dívida do governo. No auge da crise, não foi possível encontrar compradores para títulos do Tesouro, supostamente o ativo financeiro mais seguro e estável do mundo.

A crise, que ameaçava derrubar os mercados financeiros americanos e globais, só foi contornada através de uma intervenção maciça do banco central da Reserva Federal (Fed), que deu apoio a todas as áreas do sistema financeiro, gastando em determinado momento 1 milhão de dólares por segundo. O resultado é que, enquanto em 2008 o Fed tinha 800 bilhões de dólares de ativos em seus livros, agora tem pouco menos de 9 trilhões de dólares.

Na última década, a dívida pública tem sido cada vez mais financiada por uma operação de Round-Robin na qual um braço do Estado, o governo, emite dívida na forma de títulos do Tesouro, enquanto outro braço, o banco central, a compra.

Calcula-se que desde que o Fed iniciou seu segundo programa de flexibilização quantitativa, em 2010, suas compras de dívida do Tesouro financiaram entre 60% e 80% de todas as exigências de déficit público.

O resultado tem sido a manutenção das taxas de juros em mínimos históricos, alimentando o aumento dos preços das ações para seus máximos históricos.

Mas há um velho ditado econômico: se um processo é inerentemente insustentável, então ele precisa parar. Como então esta orgia financeira irá terminar?

A resposta está na própria natureza do capital financeiro. Ele é de um caráter essencialmente predatório. Todos as ações financeiras por si mesmas não incorporam valor; elas são a reivindicação de um valor a ser gerado, em particular, a mais-valia extraída da classe trabalhadora no processo de produção.

A essência do capital financeiro, como Karl Marx observou, é seu impulso para “enriquecer não pela produção, mas embolsando a riqueza disponível de outros”.

Esse impulso, agora profundamente arraigado em todas as estruturas do capitalismo americano, assume duas formas: guerra no exterior e contrarrevolução social contra a classe trabalhadora internamente.

As crescentes provocações do governo Biden contra a Rússia em relação à Ucrânia estão sendo impulsionadas em grande parte pela tentativa de externalizar as crescentes tensões sociais e políticas nos EUA. Além disso, existem fatores econômicos de longo prazo se desenvolvendo.

Desde a dissolução da União Soviética pela burocracia stalinista em 1991, setores-chave da classe dominante dos EUA e seus representantes – o falecido Conselheiro de Segurança Nacional democrata Zbigniew Brzezinski foi um deles – viram o saque dos vastos recursos da Rússia como um meio de superar o declínio econômico do capitalismo americano.

A crise do sistema financeiro exemplificada na escalada da dívida pública a dimensões antes inimagináveis é, em essência, uma crise de valor. E a única fonte de valor na economia capitalista é a classe trabalhadora. Só é possível devolver valor à montanha de capital fictício, do qual a dívida pública é um componente, intensificando a exploração da classe trabalhadora a novos níveis.

Pequenos incidentes às vezes fornecem uma visão sobre desenvolvimentos mais amplos. Esse é o significado de um artigo recente do Wall Street Journal que escolheu apresentar um comentário do gerente geral de uma empresa, forçado a elevar o salário de entrada dos seus funcionários de US$ 15 por hora para entre US$ 16 e US$ 18 por hora, que expressou preocupação em “não saber quando essa hiperinflação dos custos trabalhistas irá acabar”.

Enquanto isso, segundo um relatório da Bloomberg, os bilionários da pandemia, como o chefe da Amazon, Jeff Bezos, estão procurando superar uns aos outros em suas compras de super iates de milhões de dólares, cujas encomendas aumentaram em 77% em relação ao ano anterior.

As linhas da batalha de classe estão sendo traçadas. A classe dominante tem uma agenda clara: guerras de pilhagem e um assalto maciço aos salários e condições sociais da população a fim de enriquecer ainda mais.

A classe trabalhadora deve responder com seu próprio programa independente elaborado até o fim: a luta pelo socialismo, o fim do sistema de lucro capitalista e a construção do partido revolucionário para fornecer a direção a esta luta de vida e morte.

Loading