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Perspectivas

O contexto político e histórico da marcha de guerra dos EUA contra a Rússia

Publicado originalmente em 22 de fevereiro de 2022

Na noite de segunda-feira, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas realizou uma reunião de emergência dedicada às denúncias das principais potências capitalistas sobre a decisão do presidente russo, Vladimir Putin, reconhecendo a independência de duas regiões na Ucrânia Oriental no início do dia.

Presidente russo, Vladimir Putin, no lado esquerdo, preside reunião do Conselho de Segurança no Kremlin, em Moscou, Rússia em 21 de fevereiro de 2022 (Sputnik, Kremlin Pool Photo via AP)

Também na segunda-feira, o governo russo reportou que dois blindados ucranianos entraram em suas fronteiras e foram destruídos, matando cinco soldados ucranianos. A Rússia anunciou que estava enviando forças militares para a Ucrânia Oriental, que foi alvo de enormes bombardeios militares por parte do governo ucraniano.

Esses acontecimentos marcam uma escalada significativa no desenvolvimento do conflito na Ucrânia para uma guerra total envolvendo a Rússia, os Estados Unidos e as principais potências européias da aliança militar da OTAN.

Sob condições de crise, é necessário não ser arrastado pela propaganda militarista que é promovida sem fim na mídia. Para isso, os acontecimentos atuais devem ser colocados em seu contexto histórico mais amplo. O atual conflito não surgiu da noite para o dia. É o culminar de uma série de provocações e ações do imperialismo americano e europeu, que trabalharam incansavelmente para expandir a OTAN para o Leste Europeu.

Em 18 de fevereiro de 2016, seis anos atrás, o Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI) publicou uma declaração, “Socialismo e a Luta Contra a Guerra”, que antecipou o perigo da guerra atual com notável precisão.

O WSWS está postando novamente partes dessa declaração abaixo. O fato de que a declaração pôde prever tão claramente os desenvolvimentos de hoje é, por si só, uma poderosa refutação das afirmações da administração Biden de que suas ameaças de guerra são uma resposta imediata à “agressão russa” e uma defesa da “soberania e integridade territorial” da Ucrânia. A declaração deve ser cuidadosamente estudada por todos aqueles que querem entender as forças motrizes por trás da atual crise e o que deve ser feito para deter o perigo da Terceira Guerra Mundial.

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Trechos da declaração do Comitê Internacional da Quarta Internacional em 18 de fevereiro de 2016, “Socialismo e a luta contra a guerra”.

Quinze anos depois dos Estados Unidos terem lançado sua “guerra ao terror”, o mundo inteiro está sendo arrastado para um turbilhão cada vez maior de violência imperialista. As invasões e intervenções organizadas pelos EUA devastaram o Afeganistão, Iraque, Líbia e Síria. A OTAN está engajada em um maciço programa de rearmamento em preparação para uma guerra contra a Rússia.

O mundo está à beira de um conflito global catastrófico. As declarações dos chefes de governos capitalistas tornam-se cada vez mais belicosas. As guerras na Ucrânia e na Síria quase levaram a OTAN e a Rússia a um confronto em grande escala... Como nos anos anteriores à Primeira Guerra Mundial, em 1914, e à Segunda Guerra Mundial, em 1939, líderes políticos e estrategistas militares estão chegando à conclusão de que uma guerra entre as maiores potências não é uma possibilidade remota, mas, pelo contrário, altamente possível, e, talvez, até inevitável...

O caminho para a guerra centra-se nos esforços dos EUA para manter sua posição de potência hegemônica global. A dissolução da União Soviética, em 1991, foi vista como uma oportunidade para os EUA assegurarem uma dominação sem rivais por todo o mundo. Isso foi glorificado por propagandistas imperialistas como o “fim da história”, criando um “momento unipolar” no qual o poder incontestável dos EUA ditaria uma “Nova Ordem Global” segundo os interesses de Wall Street. A União Soviética dominou uma vasta região do globo, desde a Europa do Leste até o Oceano Pacífico. Assim, as vastas regiões da Eurásia, ocupadas por uma debilita Rússia e por estados recentemente independentes na Ásia Central, estavam mais uma vez “em jogo”, disponíveis para a exploração corporativa e pilhagem. A restauração stalinista do capitalismo na China, seu estado policial repressivo diante da resistência da classe trabalhadora, em 1989, e a abertura de “zonas comerciais livres” para o investimento transnacional possibilitaram uma enorme reserva de mão de obra barata...

A realização de tais planos geoestratégicos é clara tanto na Europa quanto na Ásia. O desenvolvimento sistemático do poder militar dos EUA e seus aliados está acontecendo no Indo-Pacífico contra a China, enquanto a Rússia tem sido confrontada com as tropas da OTAN na Europa do Leste e os EUA prometem apoio militar aos regimes ultranacionalistas nos estados Bálticos e na Ucrânia. A classe dominante americana chegou à conclusão de que Pequim e Moscou, estados com armas nucleares, devem ser colocados de joelho o mais cedo possível. O objetivo de Washington é reduzir a China e a Rússia ao status de estados-cliente semicoloniais, controlar a “heartland” e dominar o mundo...

Setenta anos depois da queda do Terceiro Reich de Hitler, a classe dominante alemã está mais uma vez exigindo que seu estado se afirme como a liderança inquestionável da Europa e como uma potência mundial. Diante de profundos sentimentos contra a guerra entre a população alemã, Berlin está enviando suas forças armadas para assegurar seus interesses no Oriente Médio e na África. Está rapidamente financiando seu rearmamento, enquanto apologistas dos crimes do regime nazista estão ganhando espaço no establishment político, na mídia e nas universidades, com o objetivo de justificar o renascimento das ambições imperialistas alemãs...

O imperialismo britânico, por sua vez, vê o declínio dos EUA como uma oportunidade para expandir as ainda significativas operações globais dos bancos e casas financeiras com sede no City de Londres. A França quer recuperar seu controle sobre suas antigas colônias no norte e no oeste da África...

A crise do sistema capitalista de estados-nações gera duas perspectivas irreconciliáveis. O Imperialismo se esforça para superar o conflito de interesses econômicos e geoestratégicos inerentes ao sistema capitalista de estados-nações através da vitória de uma potência hegemônica mundial sobre todos os seus rivais. Esse é o objetivo dos cálculos geoestratégicos imperialistas, e sua inevitável consequência é a guerra mundial.

Opondo-se à geopolítica do sistema capitalista, a classe trabalhadora internacional é a força social que objetivamente constitui a base de massas para a revolução socialista mundial, que significa o fim do sistema de estados-nações como um todo e o estabelecimento de uma economia global baseada na igualdade e no planejamento científico. O imperialismo procura salvar a ordem capitalista através da guerra. A classe trabalhadora procura resolver a crise global através da revolução socialista. A estratégia do partido revolucionário desenvolve-se como a negação da geopolítica imperialista do estado-nação. O partido revolucionário, como explicou Trotsky, guia-se “não pelo mapa da guerra, mas pelo mapa da luta de classes”.

O governo russo é representante dos oligarcas que surgiram da burocracia stalinista depois que desmantelaram o estado Soviético e aboliram as relações de propriedade nacionalizadas. Sua promoção do nacionalismo da “Grande Rússia” é a derradeira consequência do próprio stalinismo, que repudiou de maneira violenta e contrarrevolucionária o programa internacionalista do marxismo...

A economia e a política mundial entraram em um novo estágio. O período do capitalismo triunfalista que se abriu com a restauração do capitalismo da Europa do Leste e alcançou seu ponto mais alto com a dissolução stalinista da URSS chegou ao fim. A casa de cartas especulativa que marcou a riqueza parasitária da classe dominante está entrando em colapso. A queda das ações no mercado financeiro não está apenas desinflando o tamanho das carteiras de ações, mas ameaçando a reputação e a credibilidade de teóricos e líderes políticos pró-capitalistas.

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A pandemia de COVID-19 que começou há dois anos intensificou as tendências identificadas pelo CIQI há seis anos. A pandemia é um “evento gatilho” que acelerou todas as contradições fundamentais da sociedade capitalista contemporânea.

A atual crise confirma tanto a análise do CIQI de seis anos atrás como as conclusões que a declaração tirou. “Um novo movimento político contra a guerra, unindo a grande massa da classe trabalhadora e da juventude em oposição ao capitalismo e ao imperialismo, deve ser construído”, declarou o CIQI. “As mesmas crises capitalistas que produzem a loucura da guerra também geram o impulso para a revolução social”.

A declaração delineou os seguintes fundamentos políticos essenciais para um movimento contra a guerra:

  • A luta contra a guerra deve ser baseada na classe trabalhadora, a grande força revolucionária da sociedade, unindo por trás dela todos os elementos progressivos da população.
  • O novo movimento antiguerra deve ser anticapitalista e socialista, pois não pode existir luta séria contra a guerra a não ser na luta para acabar com a ditadura do capital financeiro e pôr fim ao sistema econômico que é a causa fundamental do militarismo e da guerra.
  • Portanto, o novo movimento antiguerra deve, por necessidade, ser completa e inequivocamente independente e hostil a todos os partidos e organizações políticas da classe capitalista.
  • O novo movimento antiguerra deve, sobretudo, ser internacional, mobilizando o vasto poder da classe trabalhadora em uma luta global unificada contra o imperialismo.

Essa é a tarefa política urgente que confronta a classe trabalhadora internacional.

No sábado, 26 de fevereiro, o World Socialist Web Site irá fazer um webinário internacional online, “Lutar contra a COVID! Salvar Vidas! Deter a marcha rumo à Terceira Guerra Mundial!” Chamamos todos os nossos leitores em todo o mundo para que se registrem e façam planos hoje para participar desse crítico evento internacional.

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