Português
Perspectivas

A OTAN entra em guerra com a Rússia

Publicado originalmente em 1º de março de 2022

As causas e interesses fundamentais de uma guerra muitas vezes não são evidentes à primeira vista. Eles são ocultados por uma avalanche de propaganda. Entretanto, mais cedo ou mais tarde, as reais e profundas forças motrizes e o significado do conflito acabam por emergir.

Soldados americanos do Batalhão de Artilharia de Defesa Aérea 5-4 se preparam para um comboio partindo da Alemanha para a Romênia, 7 de fevereiro de 2022. (Foto do Exército dos Estados Unidos pelo Sargento René Rosas) [Photo: U.S. Army photo by Sgt. Rene Rosas]

No caso do conflito na Ucrânia, a natureza da guerra está se revelando com considerável rapidez. A Ucrânia é apenas o campo de batalha inicial do que é, em essência e de fato, uma guerra entre a OTAN e a Rússia.

A não adesão da Ucrânia à OTAN é, há vários anos, em grande medida uma ficção. Já substancialmente armada e com novos armamentos chegando, a Ucrânia é a linha de frente em uma guerra que visa a mudança de regime em Moscou e a completa subordinação da Rússia à OTAN.

Os desenvolvimentos dos últimos dias deixam isso claro. Eles incluem:

Primeiro, as sanções econômicas maciças impostas pelos Estados Unidos e pelas potências europeias que têm como objetivo paralisar toda a economia russa. Nas últimas 24 horas, os principais bancos russos foram desconectados do sistema de pagamento internacional SWIFT, enquanto os ativos do banco central da Rússia foram efetivamente congelados.

As medidas contra o banco central russo terão um impacto particularmente devastador e imediato em toda a economia russa. Um alto funcionário do governo Biden disse na segunda-feira que a ação bloquearia o acesso a “centenas de bilhões de dólares” em ativos. “O rublo está em queda livre”, ele se vangloriou, “e logo veremos um pico de inflação e uma contração da atividade econômica”. Ele se referiu às sanções como “nosso compromisso de empregar uma força avassaladora” contra a Rússia.

Um cálculo das potências imperialistas é que a destruição da economia russa e do rublo aprofundará as divisões dentro da oligarquia russa e alimentará o descontentamento social, criando as condições para a mudança de regime e até mesmo a partição do país. “Se as pessoas confiam na moeda, o país existe”, disse o New York Times citando Michael S. Bernstam, pesquisador da Hoover Institution da Universidade de Stanford. “Se não confiam, ele se esvai”.

Em segundo lugar, os países da OTAN estão entregando sistemas avançados de armamentos diretamente à Ucrânia. Os Estados Unidos enviaram US$ 1 bilhão em ajuda militar à Ucrânia ao longo do último ano, com a mais recente parcela de US$ 350 milhões garantida pelo Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, no domingo. Washington está armando diretamente a Ucrânia com mísseis Stinger terra-ar e mísseis Javelin antitanque. As forças ucranianas já estão usando a avançada tecnologia Javelin “fire-and-forget” (“atire e esqueça”, em tradução livre ao português) contra tanques russos, fornecida pelos Estados Unidos em janeiro antes da invasão.

O chanceler alemão Olaf Scholz anunciou domingo que serão fornecidos US$ 110 bilhões em fundos adicionais aos militares alemães, quase o dobro de seu orçamento anual, e que a Alemanha também fornecerá ajuda militar direta à Ucrânia. A máquina do imperialismo alemão, mobilizada contra a União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial, está se movendo mais uma vez em direção à Rússia através dos campos da Ucrânia.

A União Europeia também está, pela primeira vez, financiando a compra e entrega de armamento para a Ucrânia.

Em terceiro lugar, incentivados pelos governos, forças de combate privadas estão sendo enviadas dos países da OTAN para a Ucrânia. No domingo, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky anunciou que a Ucrânia estabeleceria uma legião internacional para sua guerra contra a Rússia, dizendo: “Qualquer um que queira se juntar à defesa da Ucrânia, da Europa e do mundo pode vir e lutar lado a lado com os ucranianos contra os criminosos de guerra russos”.

A ministra britânica das Relações Exteriores, Liz Truss, afirmou no domingo apoiar “absolutamente” os cidadãos britânicos que estão viajando para a Ucrânia para servir como combatentes.

As redes para o alistamento desses soldados estrangeiros existem desde 2014. Elas trouxeram elementos de extrema-direita para a Ucrânia e de volta para seus países de origem, onde ocasionalmente foram julgados culpados de terrorismo supremacista branco. Na Ucrânia, as forças têm trabalhado com o batalhão Azov e a Legião Nacional Georgiana. Estas redes estão agora recebendo a assistência aberta dos governos britânico e americano. Mais de 60 desses indivíduos, a maioria deles militares aposentados das forças de operações especiais, vieram do Reino Unido e pelo menos seis dos Estados Unidos na última semana.

Em quarto lugar, políticos americanos e europeus estão emitindo declarações cada vez mais belicosas afirmando planejar uma guerra direta com a Rússia. A adição de 7.000 tropas americanas à Europa Oriental anunciada pelo governo Biden na semana passada eleva o total de tropas americanas no continente para mais de 100.000.

Perguntado na segunda-feira se as tropas adicionais seriam incorporadas à “força de reação rápida” da OTAN, que foi ativada na sexta-feira, o porta-voz do Departamento de Defesa, John Kirby, disse: “Se ela for ativada, queremos ter certeza de que estamos prontos”.

A OTAN e a Ucrânia também estão deliberando se devem impor uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia, na qual as forças militares dos EUA entrariam em combate direto com as aeronaves russas. “Precisamos que o Ocidente imponha uma zona de exclusão aérea sobre partes significativas da Ucrânia”, disse o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky. Membros do Congresso dos EUA, incluindo o congressista republicano Adam Kinzinger, bem como políticos britânicos exigiram que os EUA e a OTAN imponham uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia.

Em quinto lugar, há uma campanha anti-Rússia coordenada e feroz na mídia. Da mídia empresarial às redes sociais, a enxurrada de propaganda de guerra é ensurdecedora. A CNN apresenta, sem pausas, notícias de supostas atrocidades russas, e o New York Times dedica a maioria de suas páginas a publicá-las. Na segunda-feira, o correspondente da NBC, Richard Engel, questionou no Twitter se os EUA e a OTAN deveriam destruir um comboio russo fora de Kiev, mesmo que isso significasse “envolvimento direto contra a Rússia”.

Acadêmicos, seja os impressionáveis como os desonestos, destilam ódio a Putin e à Rússia no Twitter, enquanto ignoram o fato de que os militares ucranianos estão repletos de forças de extrema direita e fascistoides.

Os disparos ininterruptos da mídia visam criar um clima de ódio contra a Rússia e os russos. As afirmações de que os EUA não estão visando o povo russo caem por terra diante da campanha para impedir que músicos e atletas russos se apresentem e disputem eventos internacionais. A isso se combina a exigência de que mercadorias russas sejam retiradas das prateleiras.

Um objetivo central desta ofensiva propagandística é distrair a população da crise social, da alta dos preços e dos assombrosos níveis de morte pela pandemia e tentar direcionar a raiva das massas por trás do impulso imperialista à guerra.

Isso não muda em nada a oposição do World Socialist Website à invasão da Ucrânia pelo governo russo. O regime Putin, representando os interesses de uma facção da oligarquia russa, está respondendo às consequências catastróficas da dissolução da União Soviética através da promoção de um reacionário nacionalismo russo, combinando estratagemas e ameaças com armas nucleares a uma tentativa desesperada de forjar algum tipo de acordo com o imperialismo americano e europeu.

A invasão da Ucrânia tem servido apenas para dividir a classe trabalhadora russa e ucraniana, criando confusão e desorientação na população dos países imperialistas que é utilizada pelos EUA e a OTAN para fazer avançar seus planos de guerra.

Os objetivos de longa data do imperialismo americano e europeu de desmembrar a Rússia se cruzam com o que é agora a força motriz central por trás do frenesi da guerra: a imensa crise social e econômica em Washington e em outras capitais.

A escalada desta guerra ameaça a humanidade com uma catástrofe. Sob tais condições, é necessário não se deixar levar pela emoção, ou ser varrido na propaganda dos governos capitalistas e dos meios de comunicação de massa, mas analisar claramente o que está ocorrendo e desenvolver, nessa base, uma orientação independente para a classe trabalhadora.

Precisa surgir um novo movimento de massas contra a guerra, baseado na classe trabalhadora internacional. Esse movimento de oposição, no entanto, deve se desenvolver como um movimento político consciente pelo socialismo. Isso significa a construção do Comitê Internacional da Quarta Internacional e de seus Partidos Socialistas pela Igualdade em todos os países.

Loading