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Perspectivas

Crise alimentar global impulsiona luta de classes internacionalmente

Publicado originalmente em 1º de abril de 2022

A guerra entre EUA-OTAN e a Rússia na Ucrânia acendeu um pavio para o barril de pólvora da luta de classes mundial. No espaço de apenas algumas semanas, a guerra e as sanções sem precedentes dos EUA e da UE contra a Rússia desestabilizaram profundamente as forças produtivas mundiais, lançando no caos as já fragilizadas cadeias de abastecimento global, reforçando as tendências inflacionárias e paralisando a produção global de alimentos e combustíveis.

Uma crise social e econômica que vinha se agravando antes do início da guerra agora se generalizou, levando bilhões de pessoas à beira da miséria e da fome.

Do estado de choque, a classe trabalhadora está passando à ação. Greves e manifestações significativas estão surgindo em todo o mundo no que é a maior onda de protestos sociais desde o surgimento da pandemia da COVID-19.

Os políticos e geoestrategistas imperialistas que passaram anos elaborando sua estratégia de guerra estão descobrindo que, apesar de toda a elaboração cuidadosa, seus planos estão sendo postos em andamento por cima de uma enorme fissura social.

Os protestos são heterogêneos em termos da raça e religião de seus participantes, têm escopo internacional e se baseiam numa classe trabalhadora que é maior, mais urbanizada e interconectada do que nunca. Tanto nos países mais avançados como nos menos desenvolvidos, os protestos giram em torno da mesma demanda: o aumento do custo de vida é intolerável, as condições precisam mudar e precisa ser agora.

Esta é a força social capaz de parar a guinada para a guerra mundial e evitar o desastre nuclear. Este movimento global cresce a cada hora.

Na noite de quinta-feira, uma grande manifestação bloqueou a via para a residência particular do presidente do Sri Lanka, Gotabaya Rajapakse, nos subúrbios de Colombo exigindo sua demissão. O governo de direita está implementando um implacável regime de austeridade do FMI enquanto massas da população lutam para encontrar medicamentos, alimentos, leite e combustível.

O óleo diesel está esgotado, a moeda é escassa e as longas quedas de energia mergulham o país na escuridão. Um professor escolar de 31 anos em Batticaloa disse ao Indian Express: “No domingo eu fiquei em uma fila de combustível desde as quatro da manhã. Há uma escassez de leite em pó. Precisamos lutar para conseguir arroz e daal. Não há velas e muitos remédios desapareceram. Eu tenho um salário, mas dá para comer dinheiro?”.

Movimentos similares estão crescendo no Oriente Médio e no Norte da África, regiões para as quais Ucrânia e Rússia fornecem a maior parte do trigo e do óleo de cozinha e onde o Ramadan, o feriado islâmico do jejum e banquete, está previsto para começar.

As Nações Unidas declararam na quinta-feira que as condições sociais estão “num ponto de ruptura” em toda a região devido à escassez de alimentos. O New York Times escreveu quinta-feira que a escassez e os aumentos de preços “esmagam tanto os orçamentos domésticos quanto os do governo em países que não tinham nenhuma reserva, levantando a possibilidade do tipo de agitação popular de massas não visto desde os protestos da Primavera Árabe há uma década, em parte provocada pelo aumento dos preços dos alimentos”.

No Egito, observou o Times apreensivamente, “vídeos de pessoas comuns desabafando sobre os preços dos alimentos tornaram-se virais nas redes sociais sob a hashtag ‘revolução dos famintos’”.

A ditadura de al-Sisi, apoiada pelos Estados Unidos, enviou os militares para distribuir alimentos e estabelecer controles dos preços do pão. Al-Sisi discursou à nação e convocou a população a “racionalizar” o consumo de alimentos durante o Ramadã.

Na Tunísia, onde os trabalhadores soltaram a faísca para a Primavera Árabe, o Middle East Eye escreveu quinta-feira que “as greves se intensificaram na semana passada” e, como resultado, “Ezra Zia, subsecretário de Estado americano para a segurança civil, democracia e direitos humanos, visitou o país”.

Revoltas por comida envolvendo milhares de pessoas ocorreram por todo o Iraque na semana passada, quando o país, ainda vivendo os revezes da invasão e ocupação americana que matou um milhão de pessoas, foi tomado por uma séria escassez de alimentos e farinha.

Protestos também estão avançando ao sul do Magrebe, em países africanos onde a classe trabalhadora explodiu em tamanho e peso social e cuja espinha dorsal inclui muitos jovens com a internet nas palmas das mãos. O africano subsaariano médio gasta em média 65% de seus ganhos domésticos em alimentos. Na quarta-feira, o chefe do Banco de Desenvolvimento da África disse sobre o aumento dos preços dos alimentos causado pela guerra na Ucrânia: “Se não controlarmos isso muito rapidamente, desestabilizará o continente”.

Protestos no Sudão pela escassez agravada pela guerra coincidiram com fortes greves de professores e jovens. Ontem, ocorreu um protesto de massas em Cartum causado pela incapacidade do governo militar de frear o crescimento espiral dos custos de vida e no qual um manifestante de 23 anos foi morto.

Na República Democrática do Congo, de acordo com uma reportagem publicada quinta-feira pela Al Jazeera, “o aumento dos preços dos combustíveis, agravado pela pandemia de COVID-19 e mais recentemente pela invasão russa da Ucrânia, provocaram temores de aumento da agitação social”, forçando o governo a reformar seu gabinete para prevenir a revolta social.

Na África do Sul, onde grandes revoltas ocorreram no verão passado, o líder de uma grande organização de juventude descreveu a situação social como “uma bomba relógio ativada que pode explodir na nossa cara a qualquer momento”.

Esse movimento está se desenvolvendo também nos centros imperialistas mundiais. Na Espanha, uma greve de caminhoneiros que dura semanas paralisou o transporte de mercadorias internacional e alimentou uma resposta mais ampla da classe trabalhadora sobre o aumento do custo de vida. O governo PSOE-Podemos ordenou os supermercados e varejistas a imporem limites de compras a seus clientes, enquanto grandes confederações empresariais exigem ações para evitar uma iminente explosão social.

Na Alemanha e na Áustria, o diesel será agora racionado. Grandes manifestações sobre o custo de vida ocorreram no mês passado na Albânia.

Nos Estados Unidos, o cockpit do imperialismo mundial, o emergente movimento grevista é impulsionado sobretudo pela inflação e pelo aumento galopante do custo de vida. Cinco mil professores estão em greve em Sacramento, Califórnia, após uma greve de duas semanas de professores em Minneapolis, Minnesota, em março.

Em uma greve em andamento de 600 petroleiros em Richmond, Califórnia, os trabalhadores explicam que não podem se dar ao luxo de encher seus próprios carros com a gasolina que refinam.

Cinquenta mil trabalhadores de mercados na Califórnia têm uma greve prevista para começar nos próximos dias, enquanto um contrato de trabalho para dezenas de milhares de trabalhadores portuários na costa oeste expira em questão de semanas.

Nos EUA e Canadá, o governo proibiu ou desautorizou grandes greves de trabalhadores ferroviários da BNSF e da Canadian Pacific.

O aumento dos preços nos principais países imperialistas intensificará a luta de classes à medida que a guerra continuar. De acordo com os dados do Departamento de Comércio dos EUA de quinta-feira, a inflação custará às famílias uma média de 433 dólares extras por mês, ou 5.200 dólares no próximo ano. Considerando que metade do país tem menos de 500 dólares em reservas de emergência, os trabalhadores serão levados à luta por uma necessidade urgente.

O impacto da guerra nas condições de vida vai se intensificar drasticamente em todos os países nas próximas semanas. As reservas estratégicas de alimentos são terrivelmente inadequadas em todos os países, exceto na China.

Pior ainda, Ucrânia e Rússia não são apenas os principais produtores de alimentos básicos e petróleo, mas a Rússia e Belarus também lideram a produção mundial da maioria dos fertilizantes, que Putin anunciou que estarão sujeitos a rigorosas restrições à exportação em resposta às sanções dos EUA e da UE. Isso poderia reduzir o rendimento agrícola global pela metade.

Com a pandemia e a ameaça da guerra mundial como pano de fundo imediato, um equilíbrio social de proporções históricas está se rompendo. Desde a Primavera Árabe e os protestos globais de 2018/19, a resposta da classe dominante à pandemia de COVID-19 priorizou os lucros sobre a vida e levou à morte de 20 milhões de pessoas.

Parar a guerra significa acabar com o capitalismo, e isso requer uma direção política. Diferentemente de um período histórico anterior, a classe trabalhadora internacional não está politicamente comprometida com os partidos stalinistas, social-democratas e nacionalistas burgueses, que são vistos como diretamente responsáveis pelas condições existentes de pobreza e desigualdade.

Em todos os países, os sindicatos são um bloqueio a esse movimento em desenvolvimento, servindo aos governos e empresas capitalistas, isolando os trabalhadores, impedindo-os de fazer greve e exigindo que apoiem a guinada à guerra dos EUA-OTAN, não importando seus perigos e custos para o povo trabalhador.

Representantes da pseudoesquerda pequeno-burguesa que outrora jurou apoiar o socialismo, tornaram-se incentivadores das guerras da OTAN e fiéis defensores dos sindicatos.

Os perigos de uma guerra mundial são grandes, mas o caminho está aberto ao movimento trotskista para transformar este movimento objetivo em um movimento autoconsciente pela revolução socialista.

Os protestos espontâneos, por mais combativos que sejam, são insuficientes para mudar as condições sociais. O Partido Socialista pela Igualdade deve ser construído em cada país e as experiências históricas da classe trabalhadora internacional devem ser trazidas para as lutas em desenvolvimento para que adquiram um caráter conscientemente socialista e contra a guerra. Com base nisso, a estratégia da revolução socialista da classe trabalhadora poderá amadurecer ainda mais rápido do que estratégia de destruição imperialista da classe dominante.

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