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Em novos surtos da pandemia na América Latina, governos deixam COVID-19 se espalhar

Publicado originalmente em 25 de maio de 2022

Após um breve período de arrefecimento de novos casos de COVID-19 desde a devastadora onda da variante Ômicron, Chile, Argentina e Brasil voltaram a registrar novos surtos da pandemia. O Chile registrou 18.060 e 26.780 novos casos nas últimas duas semanas, respectivamente, o que corresponde a um aumento de 48% em uma semana. Apesar do número de UTIs ocupadas por pacientes de COVID-19 não ter ainda aumentado no Chile, as outras ondas da pandemia mostraram que internações e óbitos acompanham surtos de casos com um atraso de algumas semanas.

Na Argentina, os casos aumentaram 92% em uma semana, e na capital, Buenos Aires, 128%. Há quatro semanas, o país registrou 8.387 novos casos, mas esse número subiu para 33.989 na semana passada, o que corresponde a um aumento de 305,2%. Entre a primeira semana do mês e a semana passada, o número de pacientes internados em estado moderado e grave em Buenos Aires aumentou 64,5%, de 237 para 390.

Paciente em UTI no estado de São Paulo, Brasil, março de 2021 (Crédito: Gustavo Basso)

No Brasil, a média móvel de casos está aumentando, impulsionada por surtos na região Sul do país. A média chegou a 19.128 casos diários em 19 de maio, um aumento de 46,7% comparado a 30 dias antes. Diante da grande subnotificação, é difícil saber a real trajetória da pandemia. Porém, dados de hospitalizações, testes em farmácias e relatos em escolas indicam que o vírus está se espalhando muito mais rápido do que mostram os números oficiais.

Segundo dados da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), o número de testes positivos aumentou 56% entre a semana de 2 a 8 de maio e a de 9 a 15 do mesmo mês. No mesmo período, o número de testes realizados semanalmente aumentou de 89.236 para 121.272.

O número de internações no estado de São Paulo está crescendo, de 1.253 na primeira semana deste mês para 1.666 na semana passada, um aumento de 33%. Ao mesmo tempo, o número total de pacientes em UTIs aumentou 11,2% desde 1º de maio, de 3.179 para 3.536 em 20 de maio.

Na semana passada, aulas foram suspensas em pelo menos quatro turmas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) após 17 alunos do curso de medicina terem registrado testes positivos para COVID-19 em apenas sete dias. Na região industrial do ABC, em São Paulo, estão surgindo diversos relatos de pais sobre surtos de casos nas escolas. A mãe de um aluno da ETEC Jorge Street disse ao Repórter Diário: “Pelo que ficamos sabendo foram 12 casos na sala dele. E também em outras salas dos cursos de mecatrônica, eletrônicas e administração, tem professores doentes e afastados”.

A resposta de todos os governos da América Latina frente aos sinais de uma nova onda da pandemia é essencialmente a mesma, seja pelos governos autodeclarados de “esquerda”, como o de Gabriel Boric no Chile e Alberto Fernández na Argentina, ou aquela do fascistoide Jair Bolsonaro no Brasil.

O surto de casos no Chile está ocorrendo ao mesmo tempo em que a testagem da população para COVID-19 atingiu seu menor índice em mais de um ano e meio. Testes para a entrada no país não são exigidos desde março e, em abril, foram reabertas as fronteiras terrestres com a Argentina, Bolívia e Peru. No dia 14 no mês passado, o governo chileno retirou o uso obrigatório de máscaras em locais abertos, incluindo em aglomerações massivas como em shows e estádios de futebol.

O governo de Boric está adotando um critério de alerta de gravidade da pandemia baseado unicamente na transmissão de “novas variantes” entre a população. Em março, com o surgimento da subvariante BA.2, especialistas afirmaram que as mutações nessa versão do vírus em relação à variante Ômicron original eram suficientes para atribuir a ela uma nova letra grega. Porém, admitir a gravidade da BA.2 causaria alarme na população e forçaria o governo a interromper a sua campanha pelo fim das medidas de mitigação restantes. Seguindo a posição de que “a cura não pode ser pior do que a doença”, o critério adotado pelo governo chileno permite manter a economia aberta indefinidamente durante uma próxima onda.

Tal política indiferente e criminosa em resposta à pandemia é um componente da resposta reacionária do governo pseudoesquerdista à intensificação das lutas dos trabalhadores, com Boric enviando as forças especiais dos Carabineiros para suprimir violentamente uma greve de petroleiros em 9 de maio. O objetivo é garantir que os trabalhadores permaneçam nas linhas de produção, galpões e outros locais de trabalho gerando lucros para os capitalistas, mesmo com os preços dos produtos básicos aumentando continuamente e o espalhamento do vírus continuando a acometer milhares de pessoas todos os dias.

A partir de 6 de abril, continuando a política adotada durante a onda da Ômicron de janeiro-fevereiro, o governo peronista de Alberto Fernández na Argentina retirou o uso obrigatório de máscaras em escolas e locais de trabalho na província de Buenos Aires, onde vive mais de um terço da população do país. O fim do uso obrigatório ocorreu alguns dias após a suspensão em todo o país da obrigação de notificar autotestes positivos ao governo e do distanciamento social obrigatório de dois metros.

Em resposta ao acelerado aumento de novos casos nas últimas semanas, a ministra da Saúde argentina, Carla Vizzotti, sinalizou no fim de semana que os novos surtos não serão respondidos com quaisquer medidas de saúde pública, que já são quase exclusivamente limitadas à vacinação. Vizzoti declarou: “Começamos hoje na Argentina a quarta onda da COVID-19, em uma situação totalmente distinta”, acrescentando que o aumento de casos não tensionou o sistema de saúde argentino como anteriormente por conta das vacinas.

No fim de março, Vizzotti declarou que “estamos na transição da pandemia à endemia”, quase ao mesmo tempo em que o governo Bolsonaro declarava o fim da emergência sanitária em resposta à COVID-19 no Brasil, chamada de ESPIN. O fim da ESPIN foi anunciado em abril pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, sob repúdio de diversas associações de saúde pública e de profissionais de saúde. A decisão entrou oficialmente em vigor neste domingo, enquanto o número de internações se acelera.

Apesar de Queiroga apontar que a compra emergencial de vacinas e medicamentos irá continuar, especialistas estão advertindo que o fim do decreto pode significar um corte ainda mais profundo nos sistemas de testagem e vigilância da pandemia. A epidemiologista da Fundação Fiocruz, Ethel Maciel, apontou que os prazos para a contratação de serviços e pessoal são colocados em um limbo com o fim da ESPIN. Maciel disse: “Serviços serão descontinuados. Profissionais que estão contratados via decreto terão seus contratos finalizados e isso vai ser bastante prejudicial para a população”.

A política de deixar o vírus se espalhar pela população nos países mais populosos da região ameaça provocar uma nova onda devastadora de casos pela América Latina, e cria as condições para um novo colapso do sistema de saúde, como já aconteceu durante as ondas anteriores.

Na Colômbia, que ainda não registra um aumento de novos casos, o ministro da Saúde, Fernando Ruíz, apontou no dia 14 a “clara probabilidade de acontecerem eventos negativos e de alto contágio nos próximos dias” e fez referência ao grave aumento de infecções nos EUA. Porém, seguindo a linha de todos os governos na região, Ruíz descartou qualquer resposta ao risco da chegada de novas ondas, dizendo que um “ligeiro incremento na [taxa de] positividade não é preocupante”.

Na Bolívia, o ministro da Saúde do governo pseudoesquerdista de Luis Arce declarou: “No último relatório da vigilância epidemiológica detectamos no país a variante BA.2 da Ômicron”. O ministério da Saúde declarou que um aumento de casos havia sido registrado e que a população deveria se preparar para uma nova onda. Na semana passada, foram registrados 718 novos casos, mais do que o dobro da semana anterior, com 331 casos.

Além disso, a estratégia exclusivamente de vacinação adotada pelos governos da região permite que o vírus continue se espalhando e desenvolvendo novas variantes potencialmente mais transmissivas e virulentas.

No início deste mês, foram confirmados os primeiros casos de COVID-19 com a subvariante XQ, uma combinação das sublinhagens BA. 1.1 e BA.2. Em março, surgiram casos da chamada “Deltacron”, uma versão recombinante das variantes Delta e Ômicron. O surgimento dessas novas variantes aponta para o risco de surgirem versões com escape vacinal, transmissibilidade e virulência maiores do que as versões anteriores. Um estudo realizado por especialistas e pesquisadores americanos publicado neste mês mostrou que a variante Ômicron era tão agressiva quanto as suas linhagens anteriores. O trabalho expõe a falsa narrativa que foi propagada na mídia e pelos governos ao longo de meses, de que a Ômicron era “leve”.

Ao mesmo tempo, a resposta indiferente e criminosa dos governos às questões de saúde pública está sendo exposta por sua atitude em relação aos casos de varíola dos macacos em vários continentes. A OMS realizou reuniões de emergência em resposta à doença, que possivelmente já está se espalhando por algum tempo sem ser detectada. No dia 22, foi registrado o primeiro caso de varíola dos macacos em Buenos Aires.

É necessário dar uma resposta global aos novos surtos da COVID-19, utilizando todas as medidas de saúde pública necessárias, incluindo a distribuição de máscaras de alta qualidade, vacinação universal, controle das viagens, lockdowns temporários, testagem e rastreamento de contatos, eliminando o vírus em regiões cada vez maiores do mundo.

A organização e implementação dessas medidas só pode ser feita pela classe trabalhadora internacional, com a assistência de especialistas e pesquisadores em saúde pública. Comitês de base nos locais de trabalho devem ser organizados pelos trabalhadores no Chile, Argentina, Brasil e toda a América Latina para lutar pelo fim da pandemia.

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