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Decisão judicial contra o PCO marca escalada contra direitos democráticos no Brasil

Em um grave ataque aos direitos democráticos no Brasil, o ministro do STF, Alexandre de Moraes, ordenou no 1o de junho o bloqueio de todas as redes sociais do Partido da Causa Operária (PCO).

O partido foi incluído no chamado “inquérito das notícias falsas” por, segundo o ministro, “fortes indícios de que a infraestrutura partidária do PCO, partido político que recebe dinheiro público, tem sido indevida e reiteradamente utilizada com o objetivo de viabilizar e impulsionar a propagação das declarações criminosas, por meio dos perfis oficiais do próprio partido, divulgados em seu site na internet.”

Em sua decisão, Moraes cita como exemplos de “prática criminosa” as demandas do PCO publicadas em seus perfis oficiais, como “lutar pela dissolução total do tribunal e pela eleição dos juízes com mandato revogável” e, ainda, trechos de análises do partido como “O STF é um tribunal criado para defender a burguesia e seus interesses”.

Ministro Alexandre de Moraes em sessão plenária do STF, 23 de março de 2022. (Crédito: Nelson Jr./SCO/STF)

As publicações do PCO mencionadas pelo ministro criticam precisamente o “inquérito das notícias falsas”, no qual o partido foi agora enquadrado. Em uma das suas últimas publicações antes da ordem de censura, o partido se referia a informações divulgadas pela imprensa de que o Tribunal Superior Eleitoral estaria se preparando para cassar candidatos que divulgassem notícias falsas.

O PCO declarou em um tuíte: “Alexandre de Moraes: candidatos que ‘divulgarem fake news’ terão registro cassado. Em sanha por ditadura, skinhead de toga retalha o direito de expressão, e prepara um novo golpe nas eleições. A repressão aos direitos sempre se voltará contra os trabalhadores! Dissolução do STF!”

Os trechos citados por Moraes deixam claro que seu “combate às notícias falsas” não passa de um pretexto para tornar ilegal qualquer forma de questionamento às instituições capitalistas brasileiras. Em particular, qualquer referência ao fato de que os objetivos declarados do Tribunal, de “defesa da democracia”, não correspondem a sua função real na sociedade burguesa: a validação de um sistema que nega os direitos mais fundamentais da classe trabalhadora.

Este ataque do STF representa um salto em uma longa ofensiva da classe dominante contra os direitos democráticos no Brasil. Respondendo ao aumento da desigualdade social e o acirramento da luta de classes, a burguesia brasileira se prepara para uma repressão ditatorial, a começar pela supressão da liberdade de expressão na internet.

De forma ilegítima, a decisão de Moraes equipara a propagação de demandas políticas pelo PCO às articulações sistemáticas de Bolsonaro e seus apoiadores para dar um golpe de Estado e estabelecer uma ditadura presidencial no Brasil.

Entre os alvos do inquérito, está o deputado e ex-soldado da Polícia Militar do Rio de Janeiro Daniel Silveira. Silveira foi preso por ordem do Tribunal após defender a implantação de legislação análoga ao “Ato Institucional número 5 (AI-5)”, o ato mais brutal da ditadura militar de 1964-1985, que cassou partidos, fechou o Congresso, suspendeu o habeas corpus e invalidou a autoridade do Tribunal para frear a violência do regime.

As declarações de Silveira ocorreram em meio a uma ampla articulação liderada por Bolsonaro para incitar a violência de grupos de extrema-direita contra o Tribunal e os adversários políticos do presidente. Ao mesmo tempo que Bolsonaro e seus apoiadores incentivavam motins policiais contra medidas de restrição da pandemia, o presidente articulava da sede do Executivo declarações de figuras militares importantes intimidando o Legislativo e o Judiciário.

Ao igualar a organização de ações violentas com o fim de implementar um golpe de Estado ao discurso político em oposição ao sistema burguês, o inquérito conduzido por Moraes revela que seu propósito não é defender a democracia brasileira. Ao contrário, seu objetivo, mesmo ao atacar os conspiradores fascistas ligados a Bolsonaro, é preservar a estabilidade política do regime burguês suprimindo seus mínimos traços democráticos.

A decisão de Moraes trata o PCO com uma severidade não aplicada aos próprios bolsonaristas. Isso sinaliza um giro drástico à direita de todo o establishment político. O impulso político fundamental para a ofensiva censora de Moraes é o amplo apoio ao inquérito e outras iniciativas autoritárias de combate a “notícias falsas” dado pela autodenominada oposição a Bolsonaro, liderada pelo Partido dos Trabalhadores (PT).

Em 2018, o PT apoiou a tentativa de anular a eleição de Bolsonaro com base no fato de que ela teria sido produto do disparo em massa de “notícias falsas” por redes sociais e pelo aplicativo WhatsApp. A histeria agitada pelo PT foi tamanha que seu principal aliado pseudoesquerdista, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), chegou a pedir ao STF a suspensão total do WhatsApp no país no fim de semana do segundo turno das eleições para impedir a circulação de “fake news”.

A ação do PT e seus aliados derivava diretamente da posição reacionária do Partido Democrata americano ao então presidente Donald Trump, com quem Bolsonaro já se identificava politicamente. Os democratas estavam no auge de seu neomacartismo, procurando expurgar a imprensa e as universidades da “interferência russa”, supostamente responsável pelas “divisões” na sociedade americana e pela eleição de Trump. A preocupação fundamental dos democratas era encobrir as raízes profundas da eleição de Trump, isto é, a decadência da democracia burguesa e do capitalismo americano – com o objetivo de bloquear um movimento de oposição da classe trabalhadora ao sistema capitalista como um todo.

Após quatro vitórias eleitorais que demonstraram sua incapacidade de resolver os problemas fundamentais da classe trabalhadora, o principal partido responsável pela reascensão da extrema-direita no Brasil é o PT. Ele expressou toda sua covardia política ao emular os democratas americanos e adotar a narrativa das “notícias falsas” em vez de analisar as raízes de seu próprio fracasso. A ascensão de Bolsonaro dos esgotos da ala fascista do regime militar brasileiro para a Presidência da República foi a prova definitiva da falência das propostas do PT de lenta reforma do capitalismo brasileiro rumo a um Estado de bem-estar social e até mesmo a um “socialismo democrático”. Como nos EUA, a adoção histérica da narrativa sobre as “notícias falsas” visava manter a estabilidade capitalista e suprimir a conclusão inevitável de que as mentiras sobre reformas foram apenas davam tempo para a reorganização da extrema-direita.

A abertura do chamado “inquérito das notícias falsas” com apenas quatro meses do governo Bolsonaro expressou a preocupação de amplas camadas da elite dominante com o efeito desestabilizador da ofensiva fascistoide de Bolsonaro. O inquérito foi aberto em caráter sigiloso pelo então presidente do STF, ministro Dias Toffoli, com base em uma interpretação de que o regimento interno do Tribunal permitiria a abertura de investigações sem denúncia formal por outros órgãos nos casos em que o crime investigado envolvesse o próprio Tribunal – que, nesse caso, era alvo de calúnias da extrema-direita, que incentivava a violência contra os ministros com apoio mais ou menos explícito de Bolsonaro.

Também com base no regimento, Toffoli entregou a condução de inquérito, sem sorteio, a Moraes, o mais direitista dos ministros do STF. Moraes comandou a segurança pública do estado de São Paulo de 2015 a 2016, esteve a frente do Ministério da Justiça federal durante uma intervenção sem precedentes no estado do Rio de Janeiro que colocou o governo civil sob controle de um interventor militar e, apenas um ano depois, foi nomeado ministro do STF.

A oposição liderada pelo PT fez vista grossa ao fato de que, a partir do estabelecimento do inquérito, o STF arrogava-se o direito de dizer o que era verdadeiro ou “falso” em qualquer publicação submetida à legislação brasileira. A reação do PT e da oposição como um todo foi fazer uma série de pedidos para que Bolsonaro e seus apoiadores fossem incluídos no inquérito. E, no Congresso, pedidos de impeachment se justificavam por Bolsonaro “criar divisões entre os poderes da República”. Em outras palavras, a cada avanço da articulação fascistoide de Bolsonaro, a oposição respondia com um movimento reacionário pelo fortalecimento do Estado.

Isso incluiu a pressão por medidas de censura ampla como a cassação do funcionamento de aplicativos de mensagens e empresas de tecnologia que não vigiem suficientemente seus usuários e suprimam o conteúdo que o STF determine ser “falso”. A utilidade do inquérito para o bolsonarismo, pela sua fragilidade legal, pelo seu oportunismo político e pelo seu caráter autoritário, não passaram despercebidos pelo próprio presidente: tanto seu Advogado-Geral da União quanto seu Procurador-Geral da República votaram a favor do inquérito quando provocados a agir para contê-lo.

Ações com base no inquérito, como a prisão de Daniel Silveira e do presidente do PTB, Roberto Jefferson, foram incansavelmente exaltadas pelo PT e pela oposição como atos de grande coragem e defesa da democracia, mesmo enquanto o Tribunal Superior Eleitoral e o Congresso cediam cada vez mais à narrativa de fraude eleitoral de Bolsonaro, dando votos à sua emenda por “voto impresso” ou convocando os militares para fazer críticas às urnas para “neutralizar” a aliança das Forças Armadas com Bolsonaro.

O ataque ao PCO, sem precedentes desde a queda da ditadura militar em 1985, expõe como corresponsáveis pela guinada autoritária no Brasil todos aqueles que estimularam e aplaudiram as ações do STF contra os bolsonaristas como grandes diques de contenção do fascismo.

Ao mesmo tempo em que declaramos nossa oposição irrestrita ao ataque autoritário de Moraes e defendemos a liberdade de expressão do PCO, o Grupo Socialista pela Igualdade (Brasil) mantém sua oposição política fundamental ao PCO. Com origens comuns ao Partido Obrero (PO) argentino e nas políticas oportunistas de Pierre Lambert, renegado da Quarta Internacional, na América Latina, o PCO se estabeleceu como uma tendência ultranacionalista da pseudoesquerda brasileira. A resposta desse partido ao desenvolvimento da crise capitalista mundial tem sido a exaltação cada vez mais profunda do nacionalismo burguês reacionário e a promoção de uma nefasta aliança com a extrema-direita fascistoide.

A reação do PCO ao ataque de Moraes foi reafirmar essa política de aliança vermelho-marrom, buscando o apoio dos elementos mais abertamente fascistas da base de Bolsonaro e espaço na mídia de extrema-direita. Uma das primeiras respostas do partido à sua censura foi articular uma entrevista de seu presidente, Rui Costa Pimenta, com os seguidores brasileiros do teórico fascista russo Alexander Duguin, exaltados como “um canal nacionalista atento às liberdades de expressão, opinião e imprensa.”

A orientação política do PCO à extrema-direita coincide com a trajetória de diferentes elementos vinculados ao radicalismo pequeno-burguês ao redor do mundo. De forma semelhante ao jornalista americano residente no Brasil, Glenn Greenwald, o PCO apoiou abertamente a tentativa de golpe fascista de Donald Trump em 6 de janeiro de 2021, que serve como modelo aos planos abertos de golpe eleitoral de Bolsonaro. Pimenta caracterizou a invasão do Capitólio como um “movimento de protesto que procura ocupar um local público” e declarou que “fascismo foi o que fizeram contra Trump”.

Baseando-se nos mesmos argumentos reacionários dos diferentes libertários pequeno-burgueses que se voltaram para forças fascistas, o PCO busca equivaler a defesa da liberdade de expressão e organização da classe trabalhadora sob o regime burguês com a defesa da liberdade dos fascistas para organizar e efetivamente implementar um golpe de Estado.

Os marxistas defendem que o fortalecimento do Estado burguês sob o pretexto de combater o fascismo será em última instância voltado contra a classe trabalhadora, e que somente a articulação de um movimento político independente da classe trabalhadora pelo socialismo é capaz de efetivamente enfrentar a guinada ditatorial da burguesia. O PCO, em oposição direta a estes princípios, defende que as liberdades democráticas podem ser garantidas por uma articulação com a extrema-direita fascista contra o establishment burguês.

Essa confusão do partido com as forças abertamente fascistas é feita de forma consciente. Em uma entrevista para a Folha de S. Paulo em 18 de fevereiro, Pimenta respondeu a um questionamento sobre o uso de material do partido pela direita: “Acho natural, é um ponto de intersecção que existe. Assim como há setores de direita que são nacionalistas. Nós defendemos também, somos anti-imperialistas. Em alguns casos, você poderia atuar em conjunto com esses setores”.

Como confessa o próprio PCO através de seu presidente, a base de tal política oportunista é o nacionalismo adotado em comum por “setores da direita”. Esse é o mesmo eixo reacionário que motiva a orientação sistemática do PCO ao PT e sua adulação de Lula. Por trás da retórica radical do partido, seus objetivos políticos não ultrapassam a defesa do capitalismo brasileiro.

A resposta do PCO à guerra por procuração dos EUA-OTAN contra a Rússia na Ucrânia também obedece à mesma lei de submissão aos interesses do Estado burguês brasileiro. Enquanto setores da pseudoesquerda latino-americana e mundial se alinharam irrestritamente à propaganda de guerra da OTAN e às forças fascistas ucranianas, o PCO enxergou uma oportunidade única em um apoio absoluto à reacionária operação militar de Putin e ao chauvinismo russo de extrema-direita.

Para o PCO, a suposta capacidade da burguesia russa de afirmar seus interesses nacionais frente à crescente intervenção do imperialismo americano e europeu representaria também a viabilidade do desenvolvimento independente do capitalismo brasileiro. Essas esperanças – seja em relação à Rússia como ao Brasil – são tão falsas quanto reacionárias.

O enfrentamento da crescente desigualdade social, das ameaças ditatoriais e da guinada a uma nova guerra mundial – em outras palavras, a preservação e o desenvolvimento da humanidade – se resume à capacidade da classe trabalhadora de se articular como uma força mundial e estabelecer o socialismo internacionalmente.

Essa perspectiva política é defendida exclusivamente pelo Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI) e sua seção brasileira em formação, o GSI.

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