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Quarta onda da pandemia no Brasil é uma “bomba relógio”, alerta pesquisador Lucas Ferrante

A quarta onda da pandemia de COVID-19 no Brasil está acontecendo em meio a uma combinação explosiva de fatores: estagnação da vacinação, fim da emergência sanitária, aumento da propagação das subvariantes BA.4/5 da Ômicron mais infecciosas e resistentes às vacinas, abandono das mais básicas medidas de mitigação, como o uso de máscaras em lugares fechados, e a chegada do inverno.

Na quinta-feira, o Brasil registrou uma média de 152 mortes e 46.137 casos, um aumento de, respectivamente, 8% e 15% em relação a duas semanas atrás. A média de casos é a maior desde março. Além da enorme subnotificação, dois dos 27 estados brasileiros não divulgaram os dados da pandemia.

Para o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) Lucas Ferrante, com quem o WSWS conversou no último sábado, essa situação faz do Brasil uma “bomba relógio” que pode levar a um novo colapso de saúde nas próximas semanas.

Lucas Ferrante, pesquisador do INPA

Os estudos liderados por Ferrante mostraram que a reabertura de escolas em Manaus, capital do Amazonas, no final de 2020, levou ao surgimento da variante Gama, responsável por dois terços das mortes no Brasil. Hoje, particularmente depois de todos os estados brasileiros terem acabado com a obrigatoriedade do uso de máscaras em salas de aula, o papel de escolas como vetores de transmissão do novo coronavírus está mais do que claro.

As últimas semanas assistiram a inúmeros surtos entre toda a comunidade escolar do país. “Escolas e universidades são os meios que mais aceleram a transmissão viral,” Ferrante explicou. “Hoje nós estamos replicando isso agora num cenário muito mais catastrófico, sem utilização de máscaras, com salas de aula superlotadas e com baixa circulação de ar, com uma variante mais resistente e com uma baixa proteção vacinal... Nós vamos vivenciar uma explosão de casos e de mortalidade, inclusive em crianças.”

O surto de outras doenças infecciosas e a quarta onda no Brasil

A ampla reabertura de escolas no final do ano passado, quando a presença dos alunos nas escolas inseguras passou a ser obrigatória, e o abandono de medidas de mitigação no Brasil levaram a surtos fora de época de outras doenças infecciosas.

Em dezembro passado, em meio ao início da terceira onda causada pela subvariante BA.1 da Ômicron, o Brasil passou por um surto de influenza A e B que lotou os hospitais. Depois, a partir de março, com o início do ano letivo e a desobrigação do uso de máscaras nas salas de aula, aumentaram os casos de bronquiolite aguda, causada pelo vírus sincicial respiratório (VSR), que tem lotado as UTI pediátricas desde o início de maio em todo o país e levou a dezenas de mortes de bebês e crianças.

Porém, Ferrante chamou a atenção para dados de até meados de maio, quando a mídia corporativa brasileira ainda se perguntava se o Brasil teria uma quarta onda, que mostraram que “o vírus sincicial respiratório é predominante apenas em crianças menores de 9 anos”. Agora, segundo ele, “nós estamos vendo as taxas de positividade de testes baixíssimas para a influenza A e B, vírus sincicial estabilizado e COVID-19 aumentando exponencialmente em todas as faixas etárias, principalmente em crianças e em adultos da meia idade.”

Apontando para dados do início de junho da FIOCRUZ que mostraram um “sinal forte de crescimento nas tendências de casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG)”, Ferrante acrescentou: “esse aumento de SRAG a cada semana epidemiológica é COVID-19. Nós estamos em plena onda de COVID-19 causada por uma variante cujas vacinas ainda têm uma eficácia para proteger, entretanto estamos entrando numa fase em que novas variantes já introduzidas no Brasil vão começar a se tornar predominante e as vacinas não têm o mesmo desempenho contra essas variantes.”

O perigo colocado pelas subvariantes BA.4/5 da Ômicron

Ao contrário de muitos países, que já passaram pelo surto apenas da subvariante BA.2 da Ômicron, como o Reino Unido em abril, Ferrante chamou a atenção para o fato de as subvariantes mais infecciosas e resistentes às vacinas BA.2 e BA.4/5 da Ômicron estarem se propagando pelo país ao mesmo tempo.

“Sequenciamentos genômicos têm demonstrado que a subvariante BA.1 da Ômicron tem sido substituída pela Ômicron BA 2. Então, nós estamos tendo um ‘turn over’ de subvariantes”, Ferrante explicou. “Entretanto, nós já registramos a Ômicron BA 4 e BA.5.” No começo de junho, dados do Instituto Todos pela Saúde mostraram que a BA.4/5 já era responsável por 44% nas amostras positivas nos laboratórios particulares brasileiros.

Para Ferrante, essa situação é preocupante, pois no final de maio foi publicado um estudo pré-print com o resultado de “um ensaio clínico da eficiência das vacinas contra as diferentes variantes que estão circulando. [Ele] demonstrou que as vacinas têm uma menor proteção em relação a BA.4 e a BA.5”.

Ele explicou: “Esta imagem mostra a árvore genealógica das diferentes variantes do coronavírus. Em cinza, eu tenho a variante original da pandemia, e essa mesma variante foi utilizada para que a gente conseguisse produzir as vacinas. A questão é que as novas variantes estão se distanciando geneticamente da variante que deu origem à pandemia e que foi utilizada para que a gente realizasse e produzisse as vacinas.

“Ou seja, nós estamos perdendo aquele ‘link’ entre as vacinas que nós estamos utilizando e as variantes que estão circulando, de forma que nós estamos vivendo uma perda de eficiência das vacinas neste momento.”

Segundo o estudo citado por Ferrante, isso faz com que as subvariantes “BA.4/5 sejam substancialmente (4,2 vezes) mais resistentes [a soros de indivíduos vacinados e com a terceira dose do que a BA.2] e, portanto, mais suscetível de causarem infecção em pessoas vacinadas.”

Árvore genealógica do novo coronavírus. Quanto mais as novas variantes se distanciam da original (WA1), maior a probabilidade de serem mais resistentes às vacinas disponíveis (Fonte: Wang, Q. et al. “SARS-CoV-2 Omicron BA.2.12.1, BA.4, and BA.5 subvariants evolved to extend antibody evasion”)

A estagnação dos índices de vacinação no Brasil tende a tornar a propagação das variantes mais transmissíveis e resistentes às vacinas BA.4/5 ainda maior. Ferrante observou que, por causa da “desaceleração da vacinação no Brasil e da menor eficiência das vacinas contra as novas variantes, a população hoje está menos protegida”. Hoje, o Brasil possui 46% da população com a dose de reforço, que consegue efetivamente neutralizar as subvariantes da Ômicron.

“Neste momento, [o Brasil] é uma bomba relógio,” Ferrante alertou. “A partir de agora, nós vamos observar é aquelas mesmas taxas de transmissão [da onda do início do ano] com uma proteção [imunológica] que pode ser até 30-35% menor. Então isso é gravíssimo. Nós conseguimos dar origem a novas variantes que estão burlando a eficiência das vacinas ... [e] essa nova onda que nós estamos observando não vai ser similar às anteriores.”

Ferrante projetou dois cenários: “ou nós vamos ver a Ômicron BA.2 explodir junto com a BA.4 e a BA.5, causando um novo colapso do sistema de saúde, ou nós vamos ter o pico dessa onda declinar um pouco, nós vamos afrouxar ainda mais as medidas, e aí nós vamos ver rapidamente as duas variantes muito mais transmissíveis, a BA.4 e BA.5, se tornarem predominantes... E o pior é que isso vai acontecer no início do retorno escolar do próximo semestre. Isso vai ser catastrófico para o Brasil, nós vamos ter um novo colapso do sistema de saúde, a pandemia não acabou e nós temos uma situação prestes a explodir... ao mesmo tempo em vários centros urbanos do Brasil.”

O fim da emergência sanitária no Brasil

Ao contrário do que alega o governo do presidente fascistoide Jair Bolsonaro, Ferrante declarou, “Nós estamos longe do fim da pandemia.” Além de variantes mais resistentes às vacinas, ele disse, “quem teve contato natural com o vírus não consegue gerar imunidade duradoura, pode se infectar inclusive pela mesma variante e a reinfecção é sempre mais grave.”

Porém, em 22 de abril, o governo Bolsonaro decretou o fim da emergência sanitária por causa da pandemia de COVID-19, uma tentativa fraudulenta de acabar com a pandemia por decreto. Segundo Ferrante, “Nós acabamos de desmontar o único mecanismo que nós tínhamos para ter um atendimento mais rápido da população frente ao recrudescimento da pandemia, e nós já estamos vendo um recrudescimento da pandemia que está sendo ignorado pelo governo.”

Ele continuou: “Nós tivemos grandes colapso do sistema de saúde mesmo em meio a uma emergência sanitária, e nem assim o governo brasileiro conseguiu ter uma abertura de leitos eficientes e produzir insumos médicos suficientes para evitar uma catástrofe.”

Uma outra medida dos governos federal e locais para acabar com a pandemia por decreto é o apagão dos dados da COVID-19 desde dezembro passado, com um aumento da já enorme subnotificação.

Apontando para a situação de Manaus, que ele tem acompanhado de perto desde o início da pandemia, Ferrante disse que “isso a gente já observou na terceira onda em Manaus, onde nós tivemos 8 vezes mais óbitos do que noticiados oficialmente. Em ano de eleição, o que nós vemos é uma política pública de ocultamento de óbitos.”

Hoje, a subnotificação pode “ser superior talvez até 15 vezes, de acordo com algumas estimativas”, ele disse. Em relação ao número total de mortes, que chegou aos 670 mil, os estudos de Ferrante “mostram que o Brasil já passou dos 1,2 milhão de óbitos por COVID-19.”

Com o fim da emergência sanitária no Brasil, aumentou também a indefinição em relação à vacinação contra a COVID-19 no ano que vem. O próprio Bolsonaro se orgulha de não ter tomado a vacina contra a COVID-19 e boicotou a vacinação no Brasil desde o início, inclusive a de crianças num dos países recordes de mortes para essa faixa etária.

Ferrante alertou que, sem outras medidas de mitigação, “nós precisamos de uma vacinação anual ou semestral para toda a população”. Porém, ele continuou: “preocupantemente o ministério da saúde atualizou o plano nacional de imunização (PNI), e no ano que ele estuda disponibilizar doses de reforço apenas para profissionais da área da saúde e idosos com mais de 60 anos. Ou seja, profissionais da área de educação, crianças e todo resto da população vão ficar de fora do PNI contra a COVID-19, o que é gravíssimo. Isso vai propiciar o recrudescimento em níveis alarmantes da pandemia de forma que a gente volta ao mesmo patamar que a gente tinha no início da pandemia em 2020.”

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