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Convenção da AFT: A serviço do acobertamento da COVID-19, supressão de greves e planos de guerra do capitalismo americano

Publicado originalmente em 25 de julho de 2022

A Federação Americana de Professores (AFT) concluiu sua convenção bienal em 17 de julho. O evento, realizado em Boston, foi caracterizado pelo encobrimento da atual pandemia de COVID-19, o apoio à guerra do imperialismo americano contra a Rússia e o aprofundamento geral da integração do sindicato ao Estado capitalista. O evento serve como alerta para o papel que o sindicato irá desempenhar na supressão da classe trabalhadora à medida que a crise do capitalismo se intensifica.

Randi Weingarten, Presidente da AFT, deu o tom do evento em seu discurso. Outros participantes em altos cargos expressaram a estreita colaboração entre o Estado capitalista e o sindicato dos professores, incluindo a primeira dama, Jill Biden, o secretário do Trabalho, Marty Walsh, a senadora, Elizabeth Warren, e a presidente da confederação sindical, AFL-CIO, Liz Shuler. Os seus discursos revelaram o nervosismo da burocracia sindical e da administração Biden em conter o movimento crescente da classe trabalhadora e confiná-lo a uma campanha eleitoral pelo Partido Democrata.

A lista de oradores também incluiu o presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Amazon (ALU, Amazon Labor Union), Chris Smalls, que a AFL-CIO promoveu em um esforço para fortalecer sua credibilidade decadente.

Presidente da AFT, Randi Weingarten (esquerda), primeira dama, Jill Biden, e presidente da NEA, Becky Pringle, em reunião na Casa Branca em 21 de janeiro. [Photo: FLOTUS]

A pandemia de COVID-19

Weingarten reconheceu em seu discurso a crise sem precedentes que os educadores e a democracia americana como um todo enfrentam, citando a pandemia, a tentativa de golpe de Estado de 6 de janeiro, a guerra na Ucrânia e a derrubada do direito ao aborto (Roe v. Wade) pela Suprema Corte. Ela pediu um minuto de silêncio “por aqueles que perdemos”. Ela não disse o que tirou a vida dessas pessoas e quantas foram perdidas.

Na realidade, segundo um rastreador não oficial, milhares de educadores e trabalhadores da educação morreram por COVID-19 desde que as escolas reabriram em agosto de 2020. Nenhum registro oficial foi divulgado pela AFT ou pela NEA (Associação Nacional de Educação), outro sindicato de professores que também realizou sua convenção neste mês. Segundo a agência controle de doenças nos EUA (CDC), mais de 14 milhões de crianças foram infectadas e pelo menos 1.700 morreram. A grande maioria das infecções e mortes ocorreu após setembro de 2021, quando crianças e educadores foram obrigados a retornar às salas de aula durante as ondas das variantes Delta e Ômicron. Essa política foi exigida pela administração Biden e impiedosamente aplicada pela AFT.

Removendo sua própria responsabilidade na mortal campanha de reabertura das escolas, Weingarten disse que, durante a pandemia, “nossos membros arregaçaram as mangas para tornar o aprendizado presencial seguro e acolhedor. A AFT embarcou em uma campanha sem precedentes de Volta às Aulas para Todos no terceiro trimestre do ano passado, dando US$ 5 milhões em bolsas para 1.800 afiliados da AFT, atendendo cerca de 20 milhões de estudantes”.

A própria Weingarten se gabou de gastar quinze horas por dia coagindo educadores e pais a retornarem para salas de aula inseguras. Enquanto isso, a base da AFT travava uma luta conjunta para manter o ensino remoto e não nas escolas, conhecidas por serem vetores centrais de transmissão viral.

A admissão de Weingarten de ter visitado “150 locais de trabalho nos últimos 14 meses” é reveladora. Ao longo de janeiro e fevereiro, milhares de educadores e estudantes realizaram paralisações em dezenas de cidades. Muitas delas eram paralisações organizadas independentemente dos sindicatos ou os desafiando. Em lugares onde os sindicatos foram forçados a chamar por uma greve temporária, eles imediatamente procuraram suprimir e sabotar a luta dos professores.

Em Chicago, o sindicato de professores (CTU), filiado à AFT, trabalhando em estreita colaboração com Weingarten e a administração democrata da prefeita Lori Lightfoot, encerrou uma paralisação remota de 25 mil educadores, que haviam interrompido o ensino presencial enquanto o distrito enfrentava níveis recorde de infecção. A CTU encerrou a ação remota antes mesmo dos professores terem votado sobre um acordo negociado com o distrito escolar. O acordo em si, que o presidente da CTU, Jesse Sharkey, afirmou ser o melhor que os professores conseguiriam, não fez nada para proteger os educadores ou estudantes.

Professores em bairro de Chicago fazem passeata contra reabertura insegura do distrito escolar no ano passado. [Photo: @rcoppo1]

Durante seu discurso, Weingarten criticou “os extremistas ‒ os grupos contra escolas públicas, os grupos antissindicato, os privatizadores, os difamadores”. Isso levanta a questão de por que a AFT colaborou com esses mesmos extremistas para promover a reabertura das escolas?

No final de setembro de 2021, quando a onda da variante Delta estava acelerando e os hospitais e centros pediátricos estavam sendo preenchidos em todo o país, Weingarten organizou um evento público em parceria com o grupo de pais de escolas de extrema direita e contra as escolas públicas, o Open Schools USA, que contou com o notório pseudocientista, Dr. Jay Bhattacharya, autor da Declaração de Great Barrington, e com Tracy Beth Høeg, que minimiza a COVID-19.

É notável que a convenção da AFT exigia comprovação de vacinação, máscaras, assim como múltiplos testes negativos de COVID-19 para entrada. Nenhuma dessas medidas básicas, embora inadequadas, é garantida aos milhões de educadores e crianças em idade escolar nos EUA. Nos últimos seis meses, a administração Biden supervisionou o desmonte total de todas as medidas de mitigação, testes e infraestrutura de notificação. A maioria dos principais distritos escolares que irão abrir nas próximas semanas não irão sequer exigir máscaras, apesar de um enorme surto da variante BA.5, que a administração projetou poder infectar 100 milhões de pessoas neste final de ano.

Entre as três dezenas de resoluções adotadas na convenção, nenhuma foi dedicada à pandemia, indicando o vasto abismo entre as preocupações dos educadores e as prioridades do sindicato. Na medida em que a pandemia foi mencionada nas resoluções, nenhuma medida concreta foi proposta para proteger os educadores ou estudantes.

A guerra na Ucrânia

Embora nenhuma resolução sobre a pandemia tenha sido aprovada, a AFT aprovou uma resolução que apoia completamente a guerra por procuração dos EUA-OTAN contra a Rússia. Em seu discurso, Weingarten, que apoiou o golpe de Estado apoiado pela CIA na Ucrânia em 2014, denunciou o presidente russo Vladimir Putin, chamando-o “gângster do petróleo”, mas não criticou o encontro de Biden com o déspota sanguinário da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman.

A resolução é preenchida por mentiras imperialistas e hipocrisia. Além de encobrir o papel bem documentado dos neonazistas e fascistas dentro do Estado e das forças armadas ucranianas, ela acusa as forças russas de crimes de guerra, enquanto ignora as evidências de crimes de guerra por parte dos militares ucranianos.

A resolução afirma que a AFT “afirma o princípio fundamental de que a agressão não deve ser a resposta ao conflito entre as nações”. Onde estava esse princípio pela paz e o respeito pela “soberania” e pela “democracia” nos últimos 30 anos, quando os EUA travaram guerras infindáveis no Oriente Médio e no Norte da África? As resoluções anteriores da AFT endossaram as guerras de agressão do imperialismo americano contra o Afeganistão e o Iraque, incluindo uma resolução de 2003 que, abraçando totalmente as mentiras da administração Bush, exigia que o presidente iraquiano, Saddam Hussein, “abandone ... armas de destruição em massa” ou então enfrentasse um conflito militar “inevitável”.

Ao se alinhar à promoção da guerra por procuração da administração Biden na Ucrânia, a AFT procura colocar um véu sobre os olhos de seus membros quanto aos perigos existenciais que o conflito representa. Não foi mencionado que a escalada do conflito, alimentada pelo governo Biden, ameaça uma espiral em direção à terceira guerra mundial nuclear, que significaria a aniquilação da humanidade. A AFT apoia as sanções contra a Rússia, que levaram a uma crise alimentar internacional para bilhões de pessoas, enquanto afirma absurdamente que “o envolvimento militar direto dos EUA” foi evitado, ignorando níveis sem precedentes de apoio militar, incluindo dezenas de bilhões de dólares em armamentos de alta tecnologia, que serão pagos pelos bolsos dos educadores americanos e da classe trabalhadora em geral.

A integração dos sindicatos ao Estado

As políticas da AFT em relação à pandemia e à guerra contra a Rússia são ditadas pelo fato de que o sindicato, assim como toda a AFL-CIO, tornou-se um apêndice do capitalismo americano e do Partido Democrata especificamente.

Ao concluir seu discurso, Weingarten falou sobre o atual perigo diante da democracia americana após a tentativa de golpe de Estado de 6 de janeiro, afirmando que “talvez tenhamos visto nossas últimas eleições livres e justas”. Ela acrescentou: “Se isso não é um alerta urgente, eu não sei o que é. Nós temos uma única chance de mudar isso”. Entretanto, a sua única resposta é o voto pelo Partido Democrata, um partido que continua a chamar os republicanos de “colegas” e se recusou a prender e processar Trump ou sua ampla rede de colaboradores.

Os discursos de Marty Walsh e Liz Shuler, que enfatizaram os contínuos esforços da administração Biden para institucionalizar o aparato sindical, revelam a real natureza dessas organizações como uma força policial pró-capitalista sobre a classe trabalhadora.

Presidente Joe Biden discursa em convenção da AFL-CIO na Filadélfia em 14 de junho de 2022. [AP Photo/Susan Walsh]

Walsh declarou que “a administração deveria facilitar a adesão dos trabalhadores aos sindicatos”. Além do apoio da administração à PRO-ACT, uma lei que facilita a criação de sindicatos, ele promoveu a “Força-Tarefa sobre Organização e Empoderamento dos Trabalhadores”, que inclui funcionários de alto escalão do Departamento de Estado, do Pentágono e do Tesouro. Tal organização é organicamente hostil aos interesses dos trabalhadores e é vista pela administração Biden como um caminho para sufocar a classe trabalhadora durante um histórico aumento de greves e paralisações, que estão tomando cada vez mais a forma de uma rebelião contra os sindicatos.

Walsh terminou seu discurso talvez não intencionalmente de forma honesta, declarando que “os sindicatos são a única chance para a classe média!” De fato, o aparato sindical, preenchido com burocratas com salários de seis algarismos, que suprimem greves, manipulam votos e não fazem nada com bilhões de dólares em ativos, representa os interesses da abastada classe média alta, não da classe trabalhadora. O salário declarado de Weingarten, por exemplo, é de quase US$ 500 mil.

Shuler, que falou sobre a necessidade urgente de “liderar em cada eleição futura” e de trazer mais trabalhadores ao aparato sindical, descreveu um quadro imaginário de um próspero movimento trabalhista. Ela elogiou o fato de existirem “12 milhões [de membros] em 57 sindicatos” nos Estados Unidos. Com uma certa dose de autoilusão, ela afirmou que, “Mesmo enquanto a confiança pública nas instituições diminui, seja no Congresso ou religiosas, ainda existe uma em que eles confiam, os sindicatos. Eles confiam em nós”.

Na realidade, os trabalhadores têm deixado os sindicatos em massa por décadas. A filiação aos sindicatos caiu desde os anos 1950, quando 30% dos trabalhadores eram sindicalizados, para apenas 10,3% em 2021. Desde a traição da greve dos controladores de tráfego aéreo (PATCO) em 1981, os sindicatos têm supervisionado uma série interminável de concessões, cortes salariais e fechamentos de fábricas, devolvendo às corporações quase todos os ganhos obtidos em um período anterior.

Finalmente, o discurso de Chris Smalls, cuja ALU obteve uma rara vitória organizativa em um depósito da Amazon em Staten Island no estado de Nova York, procurou cultivar ilusões no aparato sindical e no sistema capitalista.

Smalls se referiu vagamente a uma “guerra que está acontecendo e o outro lado está ganhando”. Se ele fosse honesto, diria que existe uma guerra de classes entre os capitalistas e os trabalhadores, e que os capitalistas são apoiados pelos chamados sindicatos de trabalhadores e por todas as outras organizações políticas que procuram vincular a classe trabalhadora ao Partido Democrata.

Smalls pediu à audiência para imaginar o seguinte cenário fantástico: “Imagine se Liz Shuler dissesse à AFL-CIO, ou se Randi dissesse: ‘Quer saber? Os professores não vão trabalhar hoje’. Imagine se todos no país, todos os sindicatos se reunissem... se todos nós interrompêssemos nosso trabalho”.

É claro que milhões de educadores e outros trabalhadores em todo o país se fizeram essa mesma pergunta e estão cada vez mais exigindo uma greve geral. Por que a AFT ou qualquer outro sindicato não convocou uma greve nacional para impedir a reabertura de escolas e locais de trabalho em nenhum momento durante a pandemia? Por que nenhuma das dezenas de greves dos educadores em Chicago, Nova York, Montgomery, Oakland, Detroit, Minneapolis, Baton Rouge, entre muitas outras, combinou-se em um movimento unificado?

A classe trabalhadora requer a unificação em escala nacional e internacional para utilizar a sua força coletiva e pôr fim ao crescente sofrimento social na forma da infecção e morte em massa, à guerra imperialista, à ameaça da ditadura e ao insuportável custo de vida.

Porém, os sindicatos nos Estados Unidos, assim como em todas as partes do mundo, são baseados em políticas reformistas e nacionalistas, e se degeneraram, sob condições de produção globalizada, em organizações corporativistas que defendem a “sua” classe e Estado capitalistas nacionais contra as lutas da classe trabalhadora. A integração cada vez mais próxima dos sindicatos com a administração Biden é uma resposta consciente baseada em seu medo compartilhado do crescente movimento de trabalhadores, que ameaça se libertar das amarras dos sindicatos corporativistas e se desenvolver em um movimento massivo contra o capitalismo.

A Aliança Operária Internacional de Comitês de Base (AOI-CB), iniciada pelo Comitê Internacional da Quarta Internacional, procura cultivar esse movimento de educadores e de toda a classe trabalhadora em escala global e libertá-la das garras dos sindicatos.

Professores em todo os EUA e internacionalmente responderam ao chamado pela formação de comitês de base em seus distritos independentemente dos sindicatos para lutar contra a pandemia e os implacáveis ataques bipartidários contra a educação pública. Para levar adiante esse trabalho e evitar outro ano escolar desastroso, a AOI-CB deve ser grandemente ampliada e comitês de base devem ser construídos em todas as escolas.

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