Português

Curvando-se a ameaças de golpe, Lula promete investimentos pesados nas Forças Armadas

Na sexta-feira, o recém-inaugurado presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores (PT), teve sua segunda reunião com o comando das Forças Armadas desde o ataque fascista de 8 de janeiro às sedes do governo em Brasília.

Em uma entrevista à Globonews na quarta-feira, Lula afirmou que o conteúdo central desse encontro seria “discutir o fortalecimento da indústria de defesa neste país”.

Desfile militar na comemoração da independência do Brasil, 7 de setembro de 2022. [Foto: Alan Santos/PR] [Photo: Photo: Alan Santos/PR]

Explicando a pauta da reunião, ele disse: “Eu pedi para que cada força me apresentasse a dificuldade que eles estão vivendo do ponto de vista da estrutura funcional ... para que a gente possa ter um processo de reconstrução da capacidade produtiva. Inclusive utilizar a tecnologia militar para fazer uma indústria de defesa mais forte, mais moderna”.

O presidente petista apresentou como metas “dinamizar as patentes militares que já temos prontas, dinamizar o submarino nuclear e dinamizar outras coisas que o Brasil precisa para ser um país respeitado. As nossas Forças Armadas têm que estar preparadas”.

Visando “efetivamente colocar em prática” esses objetivos, Lula convidou o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), Josué Gomes, para participar de sua reunião com os comandantes militares. Ele se gabou de que a FIESP – a mesma que, há sete anos, promoveu publicamente o impeachment da presidente Dilma Rousseff do PT – possui um “projeto para a indústria de defesa”.

O novo governo do PT está promovendo essa campanha militarista diante do que o próprio Lula caracterizou como uma ameaça de golpe militar sofrida por seu governo há menos de duas semanas.

Numa coletiva de imprensa na semana passada, Lula declarou que, caso tivesse aceitado convocar uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) sugerida por seu ministro da Defesa e pelo comandante do Exército, “estaria acontecendo o golpe”. Isso teria significado, disse Lula, sua abdicação do poder “para que algum general assuma o governo”.

Na entrevista de quarta-feira à Globonews, Lula voltou a falar sobre os bastidores do 8 de janeiro. Ele essencialmente reconheceu ter sofrido um ato de sabotagem pelo alto-escalão militar.

O presidente afirmou ter deixado a capital brasileira dois dias antes da invasão das sedes de governo “com a informação que tinha só 150 pessoas no acampamento [de apoiadores fascistas de Bolsonaro no Quartel General do Exército], que não iam permitir que entrassem mais ônibus... E depois que aconteceu, aí você vai ver na rede social, isso estava sendo convocado há mais de uma semana!”.

“Aqui nós temos inteligência do Exército, nós temos inteligência do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), nós temos inteligência da Marinha, nós temos inteligência da Aeronáutica”, disse Lula. “A verdade é que nenhuma dessas inteligências serviu para avisar ao presidente da república que poderia ter acontecido isso”.

A entrevistadora, Natuza Nery,questionou o presidente por que, então, ele não adotou uma “atitude mais energética em relação aos militares, ao próprio ministério da Defesa, do GSI”, ou mesmo a “troca imediata do comando [militar] que havia acabado de assumir”. Lula respondeu: “Você não pode fazer caça às bruxas”. “A minha mágoa”, ele completou, “é que houve negligência”.

Na entrevista, Lula também apresentou pela primeira vez uma avaliação sobre o papel possivelmente cumprido por seu antecessor, Jair Bolsonaro, no 8 de janeiro. Afirmando que o silêncio mantido pelo ex-presidente fascistoide lhe dava a impressão de que “ele tinha muito a ver com aquilo que estava acontecendo”, Lula concluiu: “Possivelmente o Bolsonaro estivesse esperando voltar para o Brasil na glória de um golpe. E eu então não podia permitir GLO”.

Desde o ataque em Brasília, investigações sobre Bolsonaro e seus aliados se intensificaram. O ministro da Justiça de Bolsonaro, Anderson Torres – que desde o fim do mandato presidencial atuava como secretário de segurança do Distrito Federal, escalado pelo governador Ibaneis Rocha – foi preso no último sábado, acusado de colaborar com os atos bolsonaristas.

Dois dias antes, a Polícia Federal apreendera na residência de Torres a minuta de um decreto que permitia ao governo Bolsonaro instaurar um estado de defesa sobre o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O documento foi rapidamente batizado como “minuta do golpe”. Essa evidência indica que, ao longo dos dois meses entre o resultado das eleições e a posse de Lula, que Bolsonaro passou recluso da vida pública, o ex-presidente fascistoide se preparou para um possível golpe de Estado baseado na derrubada do sistema eleitoral pelos militares.

O fato de as Forças Armadas terem lançado, neste meio tempo, seu relatório sobre as eleições, alegando falsamente ter identificado um “relevante risco à segurança do processo”, demonstra seu envolvimento direto na conspiração ditatorial de Bolsonaro.

A extensão que essas investigações poderão atingir está previamente limitada pela obstinação de Lula em contentar e se aproximar dos militares e das forças políticas de extrema-direita que dominam o Estado brasileiro.

Esses esforços estão sendo saudados pela burguesia brasileira. O direitista Estado de São Paulo, que age como porta-voz de uma seção das Forças Armadas,teceu elogios a Lula por sua conciliação com os militares golpistas. Em seu artigo de capa desta sexta-feira, o jornalreconheceu que nos primeiros dois mandatos de Lula (de 2003 a 2010) “as três Forças tiveram o mais espetacular programa de renovação em décadas”.

Contudo, diz o Estado, hoje “os comandantes têm também outras demandas mais subjetivas”. Elas incluem a garantia de autonomia política das Forças Armadas e a não-intervenção do governo nos currículos das escolas militares, que enaltecem o golpe de 1964 e a ditadura militar brutal que se estendeu por duas décadas.

Sintetizando o significado político da reunião de hoje entre Lula e os militares, o Estado declara: “é um pacto de convivência”.

A resposta do PT às violentas ameaças fascistas que vieram à tona em suas primeiras semanas de governo tem um caráter puramente reacionário. Ao mesmo tempo que busca se equilibrar no poder alavancando a força dos militares – o que apenas alimenta o potencial de um golpe futuro – o governo Lula se utiliza dessas ameaças para declarar qualquer enfrentamento aos interesses capitalistas como impossível.

Esta semana, o ministro da Economia e uma das principais lideranças do PT, Fernando Haddad, participou do Fórum Econômico Mundial de Davos. Nos bastidores do evento, o Financial Timesreportou, o ministro avaliou que o recente ataque em Brasília demonstrou que “a oposição a Lula será constituída por extremistas” e que, consequentemente, “a velocidade da implementação de nosso programa precisará ser considerada com muito cuidado... para não ser alvo de fake news e motins”.

Em outras palavras, Haddad anunciou aos bilionários presentes em Davos que eles nada têm a temer com o governo petista no Brasil. Esclarecendo o sentido prático de suas palavras, o ministro declarou: “Não é fácil aumentar os impostos sobre os ricos porque muitos deputados concentram renda e riqueza... Temos que começar mudando a mentalidade das pessoas primeiro”.

Ao lado da taxação dos mais ricos, a principal promessa social da campanha presidencial do PT era aumentar o salário mínimo no Brasil. Na semana passada, Haddad anunciou que nem o mísero aumento de 18 reais do salário mínimo – atualmente em 1.302 reais – poderá ser cumprido este ano.

Em condições de alta da inflação, explosão da desigualdade social e generalização da fome no Brasil, o suposto governo de “esquerda” do PT se orienta, já em seu primeiro mês de mandato, para alavancar os gastos militares e congelar os gastos sociais. Em nome de apaziguar as forças fascistas e os militares, o governo pró-capitalista do PT prepara uma explosão da fúria da classe trabalhadora.

Sob estas condições, os sindicatos e os partidos da pseudoesquerda renovaram seu apoio a esse governo antioperário. Também na quarta-feira, Lula recebeu representantes das diferentes centrais sindicais brasileiras. Enquanto os sindicalistas “manifestaram solidariedade ao governo”, Lula prometeu estabelecer novos meios de financiamento dos sindicatos.

Um papel particularmente criminoso foi cumprido pela central sindical pseudoesquerdista, CSP-Conlutas, controlada pelo morenista Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU). Apenas dois dias antes do encontro de Lula com o comando militar, os sindicalistas do PSTU exigiram investimentos federais massivos na indústria de defesa, fraudulentamente apresentados como forma de defender os empregos dos trabalhadores.

A guinada militarista do PT e da pseudoesquerda no Brasil está intimamente ligada ao desenvolvimento da guerra imperialista mundial.

Em sua entrevista de quarta-feira, Lula foi questionado sobre as similaridades entre o movimento de extrema-direita promovido por Bolsonaro no Brasil e aquele de seu aliado e mentor político, Donald Trump, nos Estados Unidos. O presidente petista admitiu o caráter global do fenômeno, afirmando que “em todo lugar está nascendo agrupamento de extrema-direita”.

Como reação a esta ameaça política global, Lula defendeu: “Eu já conversei com gente francesa, com gente espanhola, com gente alemã, nós precisamos fazer uma unidade do pessoal progressista e democrático do mundo, fazer uma reunião para a gente estabelecer uma ação de enfrentamento para não permitir o ressurgimento do nazismo ou do fascismo”.

Em particular, ele apontou a suas reuniões marcadas para as próximas semanas com o presidente americano Joe Biden e o chanceler alemão Olaf Scholz como espaços chaves para elaborar uma estratégia política “antifascista”.

Todos os países nomeados por Lula são membros da OTAN, engajados em aprofundar a guerra contra a Rússia, empregando forças abertamente fascistas como o Batalhão Azov ucraniano. Particularmente, Biden e Scholz, chefes do imperialismo americano e alemão, são responsáveis por esta guerra criminosa, que desencadeou o maior confronto militar desde a Segunda Guerra Mundial.

A campanha militarista, o aprofundamento dos ataques capitalistas e o encobrimento das forças fascistas em desenvolvimento no Estado brasileiro, promovidas conjuntamente pelo PT e a pseudoesquerda, exigem uma resposta direta da classe trabalhadora.

A principal tarefa do momento é construir um movimento político de massas que levante os interesses independentes da classe trabalhadora, unificando-a internacionalmente contra o capitalismo e o imperialismo em luta pela reorganização da sociedade sob diretrizes socialistas. Isso exige lutar para construir a direção política deste processo revolucionário: seções do Comitê Internacional da Quarta Internacional no Brasil e no mundo.

Loading