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Perspectivas

O movimento de greves em massa, a guerra e a crise revolucionária na Europa

Publicado originalmente em 10 de fevereiro de 2023

Um movimento de greves em massa irrompeu na Europa, atraindo milhões de trabalhadores de todas as partes do continente. O que está se desenvolvendo não é uma série de lutas sindicais nacionais que possam ser resolvidas por negociações isoladas com um ou outro governo capitalista. Ao invés disso, é uma luta política internacional, pois os trabalhadores levantam demandas similares em todos os países e são recebidos com repressão policial e ameaças legais de governos que estão desacreditados e são amplamente desprezados.

Enquanto afirmam que não podem fazer concessões às crescentes demandas das massas, os governos europeus de todos os tons – conservadores, socialdemocratas e verdes – estão promovendo irresponsavelmente a escalada da guerra da OTAN com a Rússia na Ucrânia. Eles estão gastando centenas de bilhões de euros e libras em suas forças armadas e armando o regime ucraniano até os dentes com tanques, caças, mísseis e outras armas. Eles estão colocando em movimento o início de uma Terceira Guerra Mundial, com um custo que será carregado pelas classes trabalhadoras de todos os países.

Manifestantes durante um protesto contra a reforma da previdência em Estrasburgo, leste da França, em 7 de fevereiro de 2023. [AP Photo/Jean Francois Badias] [AP Photo/Jean Francois Badias]

O caráter criminoso desses governos é fortemente revelado por sua resposta ao desastre do terremoto na fronteira entre a Turquia e a Síria. Em meio a essa catástrofe social que deixou milhões de desabrigados e dezenas de milhares de mortos, as potências européias, em conjunto com Washington, mantiveram as devastadoras sanções contra a Síria, um país já destruído pela guerra da OTAN de 12 anos para a mudança de regime.

O que está surgindo em toda a Europa é uma situação objetivamente revolucionária. As alternativas estão tão gravemente colocadas como no início da Primeira Guerra Mundial há mais de um século. A classe capitalista mergulha a Europa e o mundo em uma guerra global entre países com armas nucleares, ou a classe trabalhadora toma o poder das mãos das belicistas elites dominantes.

Durante a Primeira Guerra Mundial, quase três anos se passaram até que a classe trabalhadora fizesse a sua primeira grande contraofensiva política contra a guerra: a Revolução de Fevereiro de 1917 na Rússia derrubou o czar e, na Revolução de Outubro de 1917, a classe trabalhadora chegou ao poder, liderada pelo Partido Bolchevique sob Vladimir Lenin e Leon Trotsky. Hoje, porém, mesmo enquanto a burguesia ainda procura arrastar a humanidade para a Terceira Guerra Mundial, a classe trabalhadora está lançando uma onda de poderosas lutas.

Os sentimentos que levam milhões à luta possuem um caráter incipientemente anticapitalista, antimilitarista e socialista. Após décadas de resgates pelo governo entregando trilhões de euros e libras aos superricos, os trabalhadores rejeitam com raiva políticas de austeridade que retiram aposentadorias e serviços sociais fundamentais, ou contratos que cortam os salários reais em meio a uma onda inflacionária global. Eles não aceitam o empobrecimento com o objetivo de desviar a enorme riqueza social para uma guerra total com a Rússia.

Na França, três milhões de trabalhadores entraram em greve contra o plano de Macron de cortar dezenas de bilhões de euros das aposentadorias, elevando a idade mínima para se aposentar. Essa oposição cresceu após Macron anunciar um aumento de 40% nos gastos militares e o envio de tanques para a Ucrânia para a guerra com a Rússia, e lançou dezenas de milhares de tropas de choque da polícia para atacar os grevistas. As pesquisas mostram que 70% se opõem aos cortes de Macron na aposentadoria e que 60% apoiam uma explosão social para parar a economia e interromper os cortes – na prática, uma greve geral contra Macron.

No Reino Unido, ferroviários, trabalhadores dos correios, de telecomunicações, enfermeiros, paramédicos, professores e funcionários públicos se juntaram a uma onda de greves que chegou ao seu sétimo mês e abrange milhões. As greves continuam apesar das constantes tentativas de cancelá-las pela burocracia sindical e diante dos planos do governo para criminalizar as greves em principais indústrias e serviços.

Na Turquia, onde ocorreram mais de 100 greves selvagens no ano passado contra o aumento do custo de vida e greves gerais dos trabalhadores da saúde, a revolta social entre as massas trabalhadoras está caminhando para uma explosão revolucionária. O fato de que o terremoto, que já causou mais de 20 mil mortes em dez cidades habitadas por 13 milhões de pessoas, foi previsto muito antes sem que nenhuma medida fosse tomada, e as vítimas foram em grande parte abandonadas à própria sorte, está alimentando a revolta das massas em todo o país.

Na Alemanha, as greves estão crescendo contra o impacto devastador da inflação sobre os salários reais, agravado pelo corte das exportações russas de energia para a Europa. Dois milhões e meio de professores, trabalhadores dos correios, trabalhadores de hospitais e de saneamento, trabalhadores dos transportes e outros funcionários públicos estão envolvidos em “greves de aviso” em meio a negociações contratuais que envolvem grandes cortes salariais. Existe enorme oposição popular ao plano do establishment político para remilitarizar completamente a Alemanha para a guerra com a Rússia.

O padrão se repete em toda a Europa, com o Daily Mail do Reino Unido denunciando o “caos”, porque “o movimento na indústria está dominando as economias da Europa”. Na Itália, trabalhadores de linhas aéreas e aeroportos, trabalhadores ferroviários, educadores e trabalhadores de transportes regionais estão realizando paralisações este mês. Na Espanha, controladores de tráfego aéreo, trabalhadores de linhas aéreas, trabalhadores do setor de saúde, funcionários da Amazon e professores entraram em greve. Em Portugal, as greves estão no seu auge dos últimos dez anos, incluindo as manifestações de trabalhadores ferroviários, médicos e educadores.

De particular importância são as ações dos trabalhadores da saúde, educação e transporte em cada vez mais países, que foram obrigados a carregar o peso da doença e da morte causada pela rejeição de qualquer política científica para conter o espalhamento da COVID-19 pelos governos europeus.

O pânico e o medo na classe dominante causados pelas crescentes demandas das massas são uma grande força motriz por trás de sua escalada de guerra com a Rússia. Tendo perdido completamente a cabeça, ela está fazendo uma aposta desesperada e imprudente de que a escalada da guerra irá permitir a ela ao menos suprimir temporariamente o crescimento da luta de classes.

Ao invés disso, a oposição à guerra está se tornando um fator decisivo nos protestos sociais e políticos e no confronto político aberto entre os capitalistas e os trabalhadores. Neste mês, cerca de 50 mil pessoas se manifestaram na capital dinamarquesa, Copenhague, contra os planos para cancelar um feriado público com o objetivo de ajudar a financiar o aumento nos gastos militares. Repetidamente, grevistas em toda a Europa apontam que não existe dinheiro para salários e serviços sociais como saúde pública e pensões, mas não existe limite para os aumentos no orçamento de guerra.

No primeiro ano da Primeira Guerra Mundial, o líder bolchevique, Vladimir Lenin, então um exilado político aparentemente isolado na Suíça, insistiu que a erupção da guerra mundial também criou as condições objetivas para a revolução socialista mundial. Ele foi irreconciliavelmente contrário aos socialdemocratas europeus que apoiaram a guerra mundial e negaram que a revolução fosse possível. Lenin indicou que uma situação revolucionária é caracterizada pelos

três principais sintomas seguintes: (1) Quando é impossível para as classes dominantes manter sua ordem sem nenhuma mudança...; (2) Quando o sofrimento e a necessidade das classes oprimidas cresceram mais do que o normal; (3) Quando, como conseqüência das causas acima, há um aumento considerável na atividade das massas... em ação histórica independente.

Um século depois, a análise de Lenin esclarece o caráter objetivamente revolucionário da crise ocorrendo na Europa. A burguesia européia não pode mais governar da maneira antiga, como fazia no período após a restauração do capitalismo no Leste Europeu pelas burocracias stalinistas e sua dissolução da União Soviética em 1991.

Desde 1991, ela travou guerras da OTAN no exterior – no Iraque, Iugoslávia, Afeganistão, Líbia, Síria, Mali e além – e levou a cabo implacável austeridade doméstica. Ela repudiou completamente o disfarce reformista que adotou no período após a derrota da Alemanha nazista pelos soviéticos na Segunda Guerra Mundial, e promove abertamente hoje partidos fascistas e formas de governo de Estado policial. Ela é uma aristocracia financeira grotescamente parasitária, cuja riqueza depende da incessante escalada militar no exterior e da especulação frenética na bolsa de valores, impulsionados por cortes sociais e distribuições de dinheiro público em resgates bancários domésticos.

A pandemia de COVID-19 foi um evento desencadeador na história mundial, levando os conflitos de classe que se desenvolveram ao longo de décadas a um pico de intensidade qualitativamente novo. A riqueza de papel da elite dominante foi enormemente inflada por uma nova rodada de resgates bancários, mas foi desacreditada por sua indiferença à morte e ao sofrimento em massa. Ela respondeu com um deslocamento brusco para a direita, impulsionando uma guerra suicida com a Rússia e intensificando a repressão militar-policial de protestos domésticos.

Para a classe trabalhadora, a pandemia significou uma intensificação drástica do sofrimento e da miséria. Dois milhões de pessoas morreram por COVID-19 na Europa, enquanto a súbita injeção de dinheiro proveniente de novos resgates bancários massivos desencadeou uma espiral inflacionária. A onda internacional de lutas que a classe trabalhadora lançou em toda a Europa contra os contratos de concessões e o “diálogo social” entre as burocracias sindicais nacionais e as classes dirigentes constitui a sua entrada em ação histórica independente.

A revolta social explosiva está alimentando o movimento de greve da classe trabalhadora em todo o continente, que é uma expressão avançada de uma erupção global emergente da luta de classes. A questão decisiva é desenvolver na classe trabalhadora a consciência de que as suas lutas contra os empregadores ou os governos nacionais são parte de uma ofensiva objetivamente unida e internacional da classe trabalhadora contra o capitalismo.

Os trabalhadores, que criam a riqueza da atual sociedade de massa globalmente integrada, possuem o direito de decidir como essa riqueza será utilizada e devem esmagar o domínio da aristocracia financeira sobre a economia de modo a atender às necessidades sociais essenciais e deter a guerra em constante expansão. O desenvolvimento de tal entendimento entre as camadas avançadas da classe trabalhadora irá estabelecer a base para unificar essas lutas em uma luta contra a guerra imperialista e pelo socialismo.

Parar a guerra e pôr fim à austeridade exige a construção de organizações de luta poderosas e internacionais nos locais de trabalho e nas escolas, independentes da burocracia sindical. Cada greve que começa confirma o fato de que a burocracia sindical trabalha para subordinar os trabalhadores aos seus acordos com os empregadores e com o Estado capitalista, e à sua defesa da política de guerra da classe capitalista em cada país. É somente com novas organizações de luta que a classe trabalhadora pode se unir internacionalmente contra as demandas por austeridade dos bancos e contra a guerra da OTAN com a Rússia.

O Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI), o movimento trotskista mundial, chama e luta pela construção da Aliança Operária Internacional de Comitês de Base (AOI-CB) como componente essencial da luta contra a austeridade e a guerra. O fato de que o momento é propício para essa iniciativa se torna cada vez mais claro à medida que a luta de classes evolui para a erupção de greves gerais em toda a Europa.

As enormes tarefas políticas enfrentadas pelo movimento da classe trabalhadora colocam na ordem do dia a construção do CIQI como sua liderança política internacional.

Mesmo a maior greve geral não irá impedir a entrada do capitalismo na Terceira Guerra Mundial e seus implacáveis ataques sociais e repressão à classe trabalhadora. A classe trabalhadora deve estar armada com um entendimento claro de que todas as forças do establishment político a enfrentam como inimigos resolutos. A crise não pode ser resolvida tentando eleger mais governos capitalistas de esquerda, mas apenas através luta para transferir o poder para as organizações construídas pela classe trabalhadora em sua luta, de modo a estabelecer o poder dos trabalhadores e o socialismo em toda a Europa e internacionalmente.

No governo ou na oposição, os antigos partidos reformistas, como os socialdemocratas na Alemanha e o Partido Trabalhista britânico, são ferozes partidários da austeridade e da guerra. Os descendentes políticos pseudoesquerdistas de partidários da falsa teoria do “socialismo em um país” de Stalin e os pequeno burgueses renegados do trotskismo também não representam uma alternativa.

O abastado meio das forças de classe média como o Die Linke na Alemanha, o Novo Partido Anticapitalista (NPA) e Jean-Luc Mélenchon na França, o Podemos na Espanha e o Syriza (a “Coalizão da Esquerda Radical”) está exposto pelo seu histórico. No poder na Grécia, o Syriza abandonou suas promessas de pôr fim à austeridade, e ao invéis disso cortou as aposentadorias e gastos sociais e construiu campos de concentração para refugiados. O Podemos, hoje no poder, está armando o Batalhão de Azov neonazista ucraniano, resgatando os bancos e enviando a tropa de choque da polícia para agredir caminhoneiros e metalúrgicos em greve.

Jeremy Corbyn e seus apoiadores pseudoesquerdistas, trazidos para a liderança do Partido Trabalhista britânico, recusaram-se a conduzir qualquer luta contra a ala direita do partido e entregaram a liderança de volta ao oponente declarado das greves e raivoso belicista, Keir Starmer. Forças como Mélenchon e o Die Linke ganharam milhões de votos nas eleições, mas evitaram estritamente qualquer apelo pela mobilização do sentimento em massa contra a guerra.

A alternativa a esse meio de direita pró-guerra é a defesa do marxismo pelo CIQI e a perspectiva da Revolução Permanente que sustentou a Revolução de Outubro. Ela fornece a base política e histórica para uma luta da classe trabalhadora para expropriar a aristocracia financeira, derrubar o capitalismo e construir os Estados Unidos Socialistas da Europa.

O CIQI na Europa e internacionalmente irá responder à escalada da guerra e da crise revolucionária intensificando a luta pela consciência revolucionária marxista na classe trabalhadora. Um abismo permanece entre a escala do movimento e seu potencial revolucionário objetivo e a influência residual das forças de classe hostis, que deve ser superado através de uma luta decidida. Vamos lutar para transformar o crescente movimento revolucionário da classe trabalhadora em um movimento consciente pelo socialismo. Isso significa construir o CIQI e suas seções como os novos partidos de massa da revolução socialista.

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