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Perspectivas

O acobertamento da COVID-19: Como a classe dominante deixou de se preocupar e passou a amar o vírus

Publicado originalmente em 24 de fevereiro de 2023

Nos últimos dois meses, o encobrimento da atual pandemia da COVID-19 pelo establishment político capitalista e pela mídia nos Estados Unidos e internacionalmente chegou a um novo patamar. O fato de que milhões de pessoas continuam infectadas pela COVID-19 e milhares morrem a cada semana é hoje recebido com completa indiferença pelas elites dominantes, com a quase completa ausência de quase qualquer notícia sobre o aprofundamento da crise mundial.

O presidente dos EUA, Joe Biden, que afirmou falsamente em setembro que “a pandemia acabou”, encarna essa indiferença oficial ao sofrimento da população. No mês passado, em um comentário improvisado sobre o fato de que mais de um milhão de americanos morreram por COVID-19, Biden disse sem rodeios a uma conferência de prefeitos: “Às vezes eu subestimo ela porque parei de pensar nisso”.

Isso não foi simplesmente um sinal do declínio da saúde mental de Biden, mas uma expressão da visão sociopática dos capitalistas em relação à classe trabalhadora, que responde pela grande maioria das mortes por COVID-19. A declaração também foi uma admissão avessa de sua intenção de matar mais.

Uma semana após o comentário de Biden, a Casa Branca anunciou que irá permitir que as emergências nacional e de saúde pública da COVID-19 expirem em 11 de maio, o que terá amplas implicações.

A Kaiser Family Foundation estima que entre 5 e 14 milhões de americanos irão perder o acesso ao seguro de saúde pelo programa Medicaid quando as emergências expirarem. Os sistemas hospitalares nos EUA enfrentarão crescentes pressões financeiras, com o Centro pela Qualidade em Saúde e Reforma de Pagamentos prevendo que 200 hospitais em regiões rurais dos EUA poderão ser forçados a fechar nos próximos dois ou três anos.

A distribuição de vacinas, testes e tratamentos para COVID-19 será privatizada e cerca de 30 milhões de americanos sem seguro serão forçados a pagar integralmente por esses serviços críticos. A Pfizer planeja vender sua vacina por até US$ 130 (R$684) por dose, um preço excessivo para a grande maioria dos não segurados.

Uma semana após o anúncio da Casa Branca, a Universidade Johns Hopkins declarou que seu Centro de Recursos sobre o Coronavírus será desativado em 10 de março. A universidade justificou essa medida drástica apontando que as jurisdições locais, municipais e estaduais em todos os EUA não notificam mais dados da COVID-19 adequadamente, resultado de decisões políticas deliberadas dos partidos Democrata e Republicano.

O fim do rastreador da Universidade Johns Hopkins é o último prego no caixão do que pouco resta de relatórios de dados precisos sobre a COVID-19 nos EUA. Outros rastreadores amplamente utilizados, incluindo Worldometer e Our World In Data se baseiam no rastreador da Johns Hopkins.

O analista de dados de saúde, Gregory Travis, disse ao WSWS que o rastreador da Johns Hopkins “é o mais próximo do ‘tempo real’ que se pode obter”. Ele acrescentou: “Os dados de atestados de óbito enviados ao CDC apresentam um atraso de pelo menos seis meses e muitas vezes mais, particularmente para casos pediátricos. Neste momento, podemos dizer com alguma confiança que sabemos o que está acontecendo agora. No futuro, só poderemos dizer com confiança o que ocorreu meio ano antes”.

Segundo um rastreador mantido por Travis, 36 estados americanos, ou 72%, bem como Washington, D.C., já “apagaram”, o que significa que eles notificam casos e mortes por COVID-19 apenas uma vez por semana ou menos. Esse é o resultado final da resposta oficial ao surgimento da variante Ômicron em novembro de 2021, cuja rápida disseminação foi aproveitada para minar sistematicamente os testes e relatórios de dados da COVID-19, um processo que somente o WSWS expôs continuamente.

Em breve, as únicas ferramentas confiáveis para rastrear infecções e mortes por COVID-19 serão estimativas aproximadas de amostras de esgotos e do excesso de mortes, respectivamente. Embora imprecisas, ambas as métricas deixam claro que a COVID-19 continua tendo um enorme impacto globalmente.

Dados de esgotos dos EUA e internacionais mostram que a retirada de todas as medidas de mitigação em resposta às subvariantes da Ômicron criou uma nova linha de base muito elevada de infecção em massa próxima aos picos atingidos durante os surtos das variantes Alfa e Delta. Como resultado, milhões de pessoas estão sendo continuamente infectadas e reinfectadas pela COVID-19 em todo o mundo, com ramificações crescentes a longo prazo.

O estudo mais abrangente do mundo sobre o impacto das reinfecções mostra que cada reinfecção aumenta cumulativamente o risco de hospitalização, COVID Longa e danos a quase todos os órgãos, conforme visualizado no gráfico abaixo.

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Esses impactos na saúde das pessoas, combinados com o impacto que a pandemia causou no sistema de saúde, aumentaram dramaticamente o excesso de mortes acima de sua linha de base pré-pandemia. Em todo o mundo, os hospitais estão em estado de colapso. O “boarding” nas salas de emergência, em que os pacientes permanecem sem tratamento por horas, dias ou mesmo semanas nos corredores dessas salas, é cada vez mais comum, principalmente devido à falta de pessoal por conta da pandemia.

Segundo o Economist, existem hoje 20,5 milhões de mortes em excesso ligadas à pandemia. Atualmente, ocorrem mais de 10 mil mortes em excesso todos os dias no mundo, tornando a COVID-19 a terceira maior causa de morte do mundo. Nos países da União Européia, o excesso de mortes em dezembro foi 19% maior do que antes da pandemia, com a Alemanha apresentando o maior aumento, com 37%.

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Os esforços universais para esconder essa terrível realidade mostram que a classe capitalista de cada país tirou lições fundamentais da pandemia de COVID-19.

Antes de tudo, a saúde pública é um impedimento para o acúmulo de lucros. Desde o início, o uso de lockdowns, testagem em massa, rastreamento de contatos e quarentena de trabalhadores para evitar a transmissão foram imediatamente reconhecidos como um obstáculo ao processo de produção e exploração da classe trabalhadora.

Apesar de Trump ter liderado a campanha pelo retorno ao trabalho, ele se inspirou no colunista do New York Times, Thomas Friedman, que cunhou a frase contra os lockdowns: “a cura não pode ser pior do que a doença”. A reabertura total das empresas e escolas, combinada com a retirada da obrigatoriedade do uso de máscaras e todas as outras medidas de mitigação, e, agora, o fim completo de qualquer resposta oficial à pandemia, foi então supervisionada por Biden e pelos democratas.

Em segundo lugar, para as elites dominantes, a pandemia reafirmou seu interesse em diminuir a expectativa de vida com o objetivo de reduzir as despesas com aposentadorias e outros gastos sociais. Os textos eugenistas e reacionários de Ezequiel Emanuel, que denunciou em 2014 os esforços dos americanos para “enganar a morte e prolongar a vida o máximo de tempo possível”, tornaram-se a ideologia norteadora da classe capitalista em todo o mundo.

Todas as mortes em excesso acima dos níveis pré-pandemia, seja diretamente por COVID-19 ou devido a efeitos indiretos, são um ganho líquido para a classe dominante, já que mais de 90% das mortes por COVID-19 estão afetando aqueles com mais de 65 anos e que não geram mais lucros. Subjacente aos esforços para encobrir os impactos contínuos da pandemia existe uma estratégia eugenista de matar pessoas idosas perpetuamente.

A terceira lição fundamental tirada pela classe dominante é que nada deve ser feito para prevenir ou se preparar para pandemias futuras. Com acesso aos melhores cuidados médicos possíveis, assim como bunkers privados para esperar o desenvolvimento do próximo desastre como fizeram no início da pandemia COVID-19, os bilionários receberiam o próximo patógeno mortal como um meio de “diminuir ainda mais a população excedente”.

Com a mudança climática e a urbanização sem planejamento, a ameaça de futuras pandemias não é a mesma, aumentando a cada dia. Apenas no ano passado, o vírus da varíola dos macacos se espalhou rapidamente para mais de 100 países onde o vírus nunca havia sido detectado, infectando mais de 85 mil pessoas e matando 266 até o momento. Ao mesmo tempo, mais de 140 milhões de aves foram mortas ou abatidas pela altamente patogênica “gripe aviária” A(H5N1).

Apenas nesta semana, uma menina de 11 anos no Camboja morreu por gripe aviária, e a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a situação “preocupante”, exigindo “maior vigilância” globalmente. Caso o H5N1 desenvolva mutações que permitam sua rápida disseminação entre humanos, os resultados seriam catastróficos. O vírus transmitido pelo ar possui uma taxa de mortalidade de pelo menos 30%, muito superior à COVID-19. Os sistemas de saúde já colapsados se desintegrariam imediatamente.

Embora os capitalistas tenham tirado suas lições reacionárias da pandemia, a classe trabalhadora internacional deve assimilar conscientemente as suas próprias lições. Acima de tudo, o futuro e o desenvolvimento progressivo da humanidade é impossível sob o capitalismo. Ao mesmo tempo em que proclamam falsamente o fim da pandemia, as potências imperialistas estão se precipitando para a Terceira Guerra Mundial, o que inevitavelmente envolveria o uso de armas nucleares.

Para evitar as iminentes catástrofes do capitalismo, os trabalhadores devem se unir internacionalmente com base em um programa socialista revolucionário. Através da realocação dos recursos da sociedade da guerra e do lucro privado para o planejamento econômico global e a saúde pública, uma futura sociedade socialista poderia deter a ameaça da guerra, acabar rapidamente com a pandemia de COVID-19, interromper e reverter a mudança climática, impedir o desenvolvimento de futuras pandemias e proporcionar um padrão de vida digno para todos. Esses princípios devem impulsionar as próximas lutas revolucionárias da classe trabalhadora internacional.

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