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Governo Lula abraça “COVID para sempre” após OMS acabar com a emergência de saúde pública pelo novo coronavírus

Após a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar na sexta-feira passada o fim sem base científica da Emergência de Saúde Publica de Interesse Internacional pela COVID-19, a ministra da saúde do governo brasileiro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores – PT), Nísia Trindade, realizou um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão no domingo saudando essa decisão. Segundo ela, “nosso país recebe essa notícia com esperança.”

Reproduzindo o discurso da elite dominante mundial durante toda a pandemia para acostumar a população a “viver” com o novo coronavírus, Trindade disse sem rodeios: “Ainda vamos conviver com a COVID-19, que continua evoluindo e sofrendo mutações.” Como ela própria deixou claro, o governo Lula está aceitando de maneira criminosa que “infecções pelo vírus SARS-CoV-2 vão continuar,” o que não só inclui a possibilidade de elas levarem a mortes que poderiam ser evitadas, mas aqueles infectados desenvolverem todos os sintomas debilitantes da COVID longa.

A ministra da saúde, Nísia Trindade, no pronunciamento de domingo. [Photo: Screenshot-Planalto/Twitter]

De maneira significativa, em nenhum momento dos 5 minutos de seu pronunciamento Trindade se referiu aos perigos colocados pela COVID longa, uma condição crônica que segundo a própria OMS afeta 10% dos infectados. Inúmeros estudos têm mostrado que a COVID longa afeta praticamente todos os órgãos do corpo humano, e o risco de um infectado desenvolver alguns de seus efeitos aumenta a cada reinfecção.

Cinicamente, a ministra da Saúde fingiu se preocupar com a pandemia, declarando: “devemos manter cuidados” contra a COVID-19, o que para ela significa fortalecer “sistemas de vigilância, diagnóstico, redes de assistência e vacinação.” Porém, “manter os cuidados” contra a COVID-19 é uma coisa que o governo Lula já mostrou que não irá realizar.

Desde sua posse em 1˚ de janeiro, o governo Lula não implementou medidas completamente ignoradas pela política criminosa e negligente de “imunidade de rebanho” do governo do ex-presidente fascistoide Jair Bolsonaro, como um programa de testagem em massa e o sequenciamento das variantes em circulação para avaliar a real dimensão da pandemia no Brasil. Ele também não implementou nenhuma campanha de conscientização para alertar a população sobre a transmissão por aerossol da COVID-19 e a consequente necessidade do uso de máscaras de qualidade.

Na verdade, o que se tem visto é o governo Lula abandonar sistematicamente medidas básicas de saúde pública contra a COVID-19. Numa decisão altamente questionada por inúmeros especialistas, o governo Lula abandonou no início de março a divulgação dos dados diários da COVID-19, que passaram a ser semanais. Ele aconteceu logo depois de o governo Lula ter ignorado o papel do carnaval, a maior festa popular do Brasil, na primeira onda deste ano impulsionada pela subvariante XBB1.5 da Ômicron.

Logo depois, o abandono da obrigatoriedade de máscaras em aeroportos e aviões no início de março pela ANVISA, a agência sanitária federal, deu um sinal verde para que governos estaduais e municipais fizessem o mesmo nos lotados sistemas de transporte público do Brasil. No início de abril, a ANVISA retirou a obrigatoriedade do uso de máscaras nos hospitais brasileiros.

Para o governo Lula, “manter o cuidado” contra a COVID-19 significa seguir a estratégia da elite dominante mundial de apenas vacinar a população. Porém, mesmo essa medida tem sido um fiasco.

No final de fevereiro, com a aplicação da vacina bivalente da Pfizer para a população maior de 60 anos de idade, pessoas maiores de 12 anos com comorbidades, entre outros grupos sociais, o governo Lula deu início ao seu “Movimento Nacional pela Vacinação.” Em 20 de abril, apenas 17,6% da população apta tinha tomado a vacina bivalente. Com esse cenário, ele passou a liberar no final de abril toda a população brasileira maior de 18 anos para tomar a vacina bivalente, para quem ele tinha alegado que ela “não traria benefícios”.

Um dos aspectos mais repugnantes do pronunciamento da ministra da Saúde foram suas considerações minimizando a emergência e a propagação da variante Ômicron no Brasil. Apenas no ano passado, o Brasil registrou três de suas cinco ondas até então da pandemia, impulsionadas respectivamente pelas subvariantes BA.1, BA.4/5 e BQ.1 da Ômicron. Neste ano, com o predomínio da subvariante XBB.1.5, já foram registrados 1.180.640 casos e 8.263 mortes, uma situação que pode piorar com a já detectada circulação da XBB.1.6 e aproximação do inverno. Ao todo, o Brasil possui 37 milhões de casos e 702 mil mortes, além de dezenas de milhões sofrendo com a COVID longa.

Como se esses números não fossem o suficiente para soar o alarme do governo Lula em relação à grave situação sanitária pela COVID-19, eles são enormemente subestimados. Um estudo do início deste ano estimou, com base no excesso de mortes, que até o final de 2022 o Brasil teve 1,14 milhão de mortes por COVID-19, um número 1,6 vezes maior do que as 693 mil registradas até então.

Essa política de normalização da morte pelo governo Lula tem sido denunciada por muitos especialistas de princípio. Numa conversa que o World Socialist Web Site teve com a neurologista e ativista anti-COVID Beatrice, ela chamou a atenção para a “coerência” e a “continuidade” das políticas do governo Lula nos primeiros meses de mandato.

Em relação ao pronunciamento da ministra Nísia Trindade no domingo, ela declarou: “o ministério [da saúde] se pronunciou acerca do suposto ‘fim da pandemia’ que todos sabemos sequer pode ser previsto quando ocorrerá. E se isso fosse pouco, ainda criticou o ‘desrespeito à Ciência’ pelos seus antecessores [no governo Bolsonaro], atitude que de fato segue perpetrando quando cita apenas a vacinação como medida necessária, algo que todos sabemos estar longe do suficiente... [O ministério da saúde] não citou nem informou sobre a transmissão aérea da COVID [e] não citou nem orientou sobre os meios de mitigação há muito identificados e estudados.”

No Twitter, ela também denunciou a decisão da OMS, questionando seu impacto particularmente sobre a vacinação nos países pobres: “Após o fim da emergência de saúde pública pela COVID-19, o que acontecerá com a vacinação contra a COVID!?!? E o que acontecerá com os países com baixa taxa de vacinação!?!?”

O WSWS também conversou com Lucas Ferrante, pesquisador da Universidade Federal do Amazonas cujos trabalhos mostraram o papel de escolas na dinâmica da pandemia em Manaus e no surgimento da variante Gama, responsável por dois terços das mortes no Brasil por COVID-19.

Em relação à situação global da COVID-19, Ferrante disse: “muitos países ainda estão tendo um recrudescimento da pandemia, principalmente na Ásia... Então a pandemia não acabou, isso é muito importante de ser frisado.” Segundo ele, a circulação global do novo coronavírus pode levar ainda ao “surgimento de uma nova variante [que] pode burlar de fato a proteção dessas vacinas. Isso não pode ser desconsiderado, e por isso a necessidade de monitoramento de novas variantes no território brasileiro.”

Sobre a situação nacional, Ferrante disse que o “Brasil ainda tem muitos casos e óbitos por COVID-19, e isso ainda não pode ser aceito como um padrão.” Ele também chamou a atenção para a subnotificação, “principalmente depois de [o governo Lula] adotar essa medida de divulgar os casos [da COVID-19] semanalmente. Isso encobre muito os dados.”

Ferrante mencionou um artigo publicado na segunda-feira no periódico Nature Human Behaviour que traz seu depoimento sobre “O futuro da ciência brasileira”. Nele, Ferrante criticou a decisão inicial do governo Lula de aplicar vacina bivalente apenas para alguns grupos sociais, pois “Estudos revelaram que a vacinação de pelo menos 90% de toda a população é necessária para erradicar as formas graves da COVID-19, além da necessidade de uma dose de reforço a cada quatro meses.”

Ele também chamou a atenção para o fato de apesar de “o governo do presidente Bolsonaro (2019-2022) ter se destacado pelo negacionismo científico”, “os dois mandatos anteriores do presidente Lula (2003-2010) ... também mostraram tendências negacionistas preocupantes (como ignorar relatórios técnicos e cientistas)”. Ele concluiu o artigo dizendo: “a população em geral [não] deve se iludir pensando que uma mudança de governo por si só é o suficiente para trazer as melhorias necessárias na saúde pública e no meio ambiente.”

De fato, o governo Lula está trabalhando para fazer com que a população brasileira acredite que a ameaça da COVID-19 acabou. Uma postagem recente nas redes sociais da Secretaria de Comunicação do governo dizia que “A pandemia passou”, enquanto o site do próprio ministério da saúde na manhã de terça-feira declarava o “FIM DA PANDEMIA”, o que foi alterado horas depois.

Em pouco mais de quatro meses de governo Lula, a pandemia de COVID-19 expôs o caráter totalmente reacionário do novo governo do Partido dos Trabalhadores. Ele chegou ao poder para defender os interesses da elite capitalista brasileira e internacional, e está determinado a colocar os lucros privados acima da vida humana.

A única resposta cientificamente fundamentada à pandemia, aquela que representa os interesses dos trabalhadores, é a eliminação global da COVID-19. O crescente movimento da classe trabalhadora brasileira e internacional deve levantar essa demanda para acabar de uma vez com a pandemia como parte de uma luta mais ampla pelo socialismo internacional.

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