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PT impõe política de austeridade no Brasil

Publicado originalmente em 24 de maio de 2023

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores (PT) mobilizou todos seus esforços para conseguir a aprovação esta semana de sua nova política de austeridade, batizada de “arcabouço fiscal”.

Promovido pelo ministro da Economia, Fernando Haddad, em múltiplas entrevistas nos maiores jornais e canais de televisão, o pacote fiscal do PT foi saudado nos círculos financeiros e pela elite empresarial.

Estudantes em manifestação no mês passado em São Paulo contra ataques à Educação [Photo: Rovena Rosa/Agência Brasil ]

Na terça-feira, o texto base do projeto foi aprovado pelo Congresso e recebeu dezenas emendas que agravarão seus ataques à classe trabalhadora. A proposta inicial limita o aumento dos gastos públicos a até 2,5% anuais e os limita a 70% do acréscimo da arrecadação no ano anterior, reduzindo esse limite a 50% no caso de a meta fiscal do ano anterior não ter sido alcançada.

As severas restrições fiscais impostas pelo novo governo petista, entretanto, não se aplicam ao pagamento da dívida externa. Em outras palavras, ela garante que a renda dos investidores nacionais e externos será priorizada enquanto os cortes nos gastos sociais implementados nos governos anteriores são mantidos.

O “arcabouço” proposto pelo governo Lula é apenas uma reconfiguração do “teto de gastos” aprovado pelo governo interino de Michel Temer (MDB), visando atender melhor às necessidades atuais da classe dominante. Esse pacote fiscal foi uma das principais medidas do assalto à classe trabalhadora que a burguesia brasileira promoveu a partir do seu giro político com o impeachment da presidente petista Dilma Rousseff.

O cumprimento desse teto fiscal, que entrou em vigor em 2017 e foi suspenso no período inicial da pandemia de COVID-19, exigiu um corte de 30% dos investimentos públicos totais no ano passado, conforme declarou o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron. Dados do Tesouro apontam que, até 2021, a porcentagem de investimentos públicos relativa ao PIB nacional havia caído aos níveis de 2004. Descrevendo o impacto desses cortes em setores sociais vitais, a economista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Esther Dweck, apontou: “Em 2020, pré-pandemia, temos dados que mostram que a saúde perdeu mais de R$ 22 bilhões [US$6 bilhões] ... e a educação... sai de um patamar de 26% das receitas líquidas de impostos e chega a ... 19%”.

O idealizador da política do teto de gastos foi o ministro da Fazenda do governo Temer, Henrique Meirelles, que anteriormente ocupara a presidência do Banco Central, por indicação de Lula, em seus dois primeiros governos. O apoio e participação de Meirelles na campanha eleitoral de Lula no ano passado representou um aceno decisivo à elite financeira, indicando que um retorno do PT ao poder não desviaria o país do seu trajeto de austeridade.

Além da política fiscal, o novo governo do PT está dando continuidade ao programa de privatizações que foi acelerado na gestão de extrema-direita de Jair Bolsonaro. O chamado “marco do saneamento”, anunciado apenas dias antes da política fiscal de Haddad, foi comemorado como um enorme divisor de águas na privatização dos recursos hídricos do país. Um dos componentes mais notórios da medida é a completa abertura dada às chamadas Parcerias Público-Privadas, um modelo de privatização que, no governo Bolsonaro, permanecia restrito a no máximo um quarto das licitações do setor no país.

Apesar da campanha eleitoral de Lula ter sido repleta de declarações de que aumentaria programas e investimentos sociais, seu verdadeiro programa de ataques à classe trabalhadora foi anunciado ao tomar posse. Em seu discurso inaugural, Lula declarou: “O modelo que propomos, aprovado nas urnas, exige compromisso com a responsabilidade, a credibilidade e previsibilidade, e disso não iremos abrir mão”.

O anúncio do arcabouço fiscal, em 30 de março, reassegurou esse compromisso e teve como resposta imediata uma alta das bolsas de valores. O governo também recebeu elogios do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Indicado ao cargo por Bolsonaro, Campos Neto vem sendo alvo de críticas insistentes de Lula, que responsabiliza pela taxa de juros elevada no país, uma das maiores entre as economias capitalistas mundiais.

Exigindo uma diminuição significativa na taxa de juros, Lula busca mobilizar setores industriais insatisfeitos com a política do Banco Central que, desde 2021 fez aumentos sucessivos que elevaram a taxa Selic de 2% a 13,75%. Nos últimos meses, plantas automotivas em todo o país paralisaram suas atividades, o que foi atribuído em parte às altas taxas de juros. Isso precipitou, em 12 de maio, o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Márcio de Lima Leite a declarar que “continuaremos a dar notícias de paralisações de fábricas ou coisas piores se os juros continuarem elevados”.

O aumento dos juros no Brasil acompanhou (com certo adiantamento) um movimento dos Bancos Centrais nos principais centros do capitalismo. Eles vêm sustentando uma política de elevação das taxas de juros sob a justificativa de controlar uma crescente onda inflacionária global. Por trás da fachada do combate à inflação, o real objetivo da elite financeira mundial é afogar uma crescente onda de resistência da classe trabalhadora internacional, utilizando a elevação dos juros para forçar uma diminuição da produção e, se necessário, uma recessão global, que aumente a competição por emprego e permita um rebaixamento generalizado dos salários.

No comunicado do recente encontro do G7 no Japão, as potências imperialistas reafirmaram a exigência de que os governos ao redor do mundo mantenham taxas de juros elevadas combinadas a políticas fiscais austeras – atacando concomitantemente os salários e programas sociais. Depositando todo o peso da crise global do capitalismo sobre a classe trabalhadora, esses cortes mantém inabalados os lucros da elite financeira parasitária e o redirecionamento cada vez maior de recursos à guerra imperialista.

Em seu relatório, publicado em abril, o Fundo Monetário Internacional reconheceu o impacto exacerbado da política de juros sobre as chamadas “economias emergentes”. Entretanto, citando diretamente o caso do Brasil, o FMI atribuiu a elevação da “taxa real” de juros ao “aumento do consumo público” (supostamente os gastos sociais durante a pandemia de COVID-19) e apontou uma política de austeridade fiscal como o caminho para retomar juros mais baixos.

Na semana passada, o Brasil foi visitado pela segunda maior autoridade do FMI, Gita Gopinath, que se reuniu pessoalmente com Haddad e participou de um evento com autoridades do Banco Central, em que elogiou a manutenção dos juros altos. O principal objetivo da agência financeira do imperialismo com a visita foi marcar seu apoio à política de austeridade do PT e exigir seu aprofundamento. Em nota oficial, o FMI declarou que “Apoiamos fortemente o compromisso das autoridades em melhorar a posição fiscal brasileira” e recomendou “um esforço fiscal mais ambicioso que continue além de 2026”.

A disposição do governo petista de acatar as exigências por cortes “mais ambiciosos” foi evidenciada pela participação de Haddad numa sessão na Câmara dos Deputados com o tema geral de “despolarização [política]”. O ministro teve recepção calorosa a Haddad não dos parlamentares do PT, mas também dos principais apoiadores do governo Bolsonaro. O deputado do Partido Liberal (PL) de Bolsonaro, Capitão Alberto Neto parabenizou Haddad “pela sua habilidade, porque hoje eu vivi para ver o PT ser a favor de um teto de gastos, porque esse arcabouço traz travas para os gastos públicos”.

As ambições anunciadas por Lula e o PT de promover um crescimento do capitalismo brasileiro, independentemente do cenário global de crescente crise econômica e conflitos comerciais e militares impulsionados pelas potências imperialistas, são essencialmente inviáveis.

Além de curvar-se às exigências paralisantes da elite financeira imperialista sobre a economia brasileira, o PT expôs as limitações de seu projeto nacional durante a participação de Lula na última reunião do G7.

As propostas de “paz” de Lula às potências imperialistas beligerantes não tiveram qualquer influência sobre o resultado do encontro em Hiroshima. A declaração oficial do encontro do G7 anunciou a ampliação da guerra na Ucrânia, com o envio de caças F-16 americanos às forças ucranianas e a ampliação das sanções econômicas contra a Rússia, e colocou a China claramente como alvo do imperialismo americano, acusando o país asiático de “reivindicações marítimas expansivas no Mar do Sul da China”. Mais uma vez, a concepção de que a burguesia latina conseguirá se equilibrar entre as potências imperialistas e a Rússia e China foi refutada.

A política de austeridade do PT em meio às atuais suspensões de contrato de milhares de trabalhadores automotivos também expõe o verdadeiro significado do nacionalismo dos sindicatos e organizações da pseudoesquerda. Após promoverem durante a eleição uma suposta capacidade do Brasil sob o PT de reacelerar a economia e trazer empregos, essas organizações buscam efetivar esse programa através da supressão das lutas e consolidação dos cortes aos salários e condições de vida da classe trabalhadora.

Nos últimos meses, esses sindicatos trabalharam para impedir uma greve nacional de enfermeiros, a unificação de greves de professores que irromperam em diversos estados e desmobilizar uma série de outras greves entre petroleiros, trabalhadores do transporte e outras categorias.

Os trabalhadores no Brasil são capazes de enfrentar os crescentes ataques do capitalismo apenas através de um rompimento definitivo com a burguesia brasileira e seus defensores no PT, nos sindicatos e na pseudoesquerda. Os trabalhadores precisam construir organizações independentes e unificar suas lutas internacionalmente através da Aliança Operária Internacional de Comitês de Base (AOI-CB).

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