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Pseudoesquerda presta homenagem ao ex-radical peruano Hugo Blanco

Numerosas publicações da pseudoesquerda e corporativas internacionalmente prestaram homenagens gloriosas ao ex-radical peruano Hugo Blanco desde sua morte em 25 de junho aos 88 anos.

Hugo Blanco fala durante um protesto do NoExpo em frente à rede de alimentos Eataly em Milão, na Itália, em 2 de maio de 2015 [AP Photo/Luca Bruno]

O stalinista Partido Comunista do Peru (Patria Roja) elogiou seu “exemplo de simplicidade”. O Partido Socialista (antigo Partido Unificado Mariateguista), que pertence à coalizão de pseudoesquerda e burguesa Nuevo Peru, organizou seus rituais fúnebres. A Prensa Latina, a publicação do governo castrista cubano, o citou com aprovação dizendo: “Antes lutava pelos camponeses e trabalhadores, hoje pela espécie humana”. A Jacobin, a revista associada aos Socialistas Democráticos da América (DSA), o elogiou como “um dos maiores lutadores socialistas da América Latina durante o século XX”.

De maneira mais veemente, a Liga Internacional dos Trabalhadores publicou um esboço biográfico dias antes de sua morte, que começa citando o fundador da LIT e o colaborador mais próximo de Blanco por décadas: “Nahuel Moreno dizia que Hugo Blanco foi o maior dirigente trotskista das massas depois de Trotsky. E até hoje é assim.”

Os obituários falam pelos cálculos políticos nacionalistas de seus autores, que hoje se dedicam a fornecer uma cobertura de “esquerda” para os ataques da elite dominante às condições de vida e de trabalho e sua virada para a guerra e a ditadura.

Blanco abandonou qualquer pretensão de associação com o trotskismo e o socialismo há décadas, abraçando a rejeição pós-modernista do caráter revolucionário da classe trabalhadora e defendendo movimentos sociais de base ampla sobre o menor denominador comum do ambientalismo burguês, do nacionalismo indígena e da política de identidade. Ele glorificou o levante zapatista de 1994 em Chiapas, no México, e se tornou um apoiador de Evo Morales, Hugo Chávez, Rafael Correa e outros governos nacionalistas burgueses.

Grande parte da simpatia dos grupos da pseudoesquerda hoje por Blanco deriva de terem eles próprios descartado qualquer política de esquerda genuína, defendendo o “socialismo” apenas para enganar a classe trabalhadora.

Um obituário particularmente revelador foi publicado pelo pseudoesquerdista argentino Partido Obrero, que atualmente trabalha para formar uma coalizão com uma seção do partido peronista no poder. Antes de afirmar que Blanco “sempre foi um lutador militante” e indicar que o PO “muitas vezes colaborou com sua luta”, o obituário polemiza que Hugo Blanco deveria ter sido aconselhado a participar da construção da Aliança Revolucionária de Esquerda (ARI) em 1980, “uma aliança eleitoral que reuniu 90% da esquerda peruana”, como descreveu o PO.

A ARI foi composta por vários grupos castristas, maoístas, stalinistas e nacionalistas pequeno-burgueses, e Blanco foi fotografado liderando vários comícios da ARI com imagens de Trotsky ao lado de Stalin e Mao. Mesmo sem fazer parte da ARI, Blanco, que havia recebido a maioria dos votos nacionalmente (12%) em uma eleição para a Assembleia Constituinte em 1978, estava trabalhando com essas forças para desviar o levante da classe trabalhadora que eclodiu após uma greve geral em 1977 e derrubou a ditadura militar de Morales Bermúdez.

Blanco, que logo se tornaria parlamentar e liquidaria o pablista Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT) no burguês Partido Unificado Mariateguista, rejeitou a ARI com base em cálculos oportunistas. No entanto, hoje, com a Argentina entrando em uma crise econômica e política histórica, o Partido Obrero está promovendo o legado da ARI para justificar a formação de uma versão argentina do Syriza grego, um partido totalmente capitalista e pró-imperialista. O PO já havia defendido a “refundação” da Quarta Internacional com partidários stalinistas do governo Putin.

Blanco é conhecido principalmente no Peru e internacionalmente por organizar sindicatos camponeses e liderar a tomada de terras por camponeses indígenas contra os proprietários semifeudais nos vales do norte do departamento de Cusco, no Peru, entre 1959 e 1963. Apenas dois anos antes, como estudante universitário na Argentina, em seus 20 e poucos anos, ele havia entrado na política ao ingressar na tendência liderada pelo oportunista argentino Nahuel Moreno.

Embora pertencesse formalmente ao trotskista Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI), em meados da década de 1950, Moreno transformou seu grupo Palabra Obrera em um apêndice do movimento liderado pelo general nacionalista burguês Juan Domingo Perón, que havia sido derrubado em setembro de 1955.

Como demonstrado em inúmeras cartas e pelo relato de Hugo Blanco em Tierra o Muerte, Moreno e seus associados no Secretariado Latino-Americano do Trotskismo Ortodoxo (SLATO) consistentemente pressionaram seu pequeno grupo de seguidores no Peru, incluindo Blanco, a manter uma orientação para o campesinato como a “vanguarda” da revolução peruana e para preparar uma insurreição em grande parte baseada no movimento guerrilheiro de Fidel Castro em Cuba, que chegou ao poder em 1959.

Em 1961, o SLATO concentrou seu trabalho e recursos em Cusco e enviou três membros argentinos experientes para apoiar os sindicatos camponeses de Blanco, uma vez que eles ganharam seguidores em massa e as tomadas de terras se espalharam rapidamente.

Nenhum trabalho sistemático foi realizado na crescente classe trabalhadora peruana, e o trabalho nas cidades se limitou à construção de uma “Frente Revolucionária” (FIR), orientada para os ativistas pequeno-burgueses que haviam rompido recentemente com o partido burguês APRA e o stalinista Partido Comunista com base nas concepções castristas. Conforme indicado por Blanco, a FIR se dedicava a preparar assaltos a bancos para armar uma insurreição camponesa.

As discussões dentro do SLATO limitaram-se a questões de tática e momento, com discussões sobre se deveria priorizar a construção de sindicatos camponeses, lançar a FIR como um partido camponês ou realizar preparativos técnicos para uma revolta camponesa por meio da construção de guerrilhas ou milícias. A rejeição dos princípios básicos do marxismo e adaptação ao castrismo e à burocracia stalinista na URSS (“Estados amigos”) por Moreno foi resumida em uma carta aos membros do SLATO no Peru em março de 1963:

Todas as revoluções triunfantes do pós-guerra demonstraram que os partidos revolucionários marxistas não são necessários para a vitória das revoluções, mas também mostraram inequivocamente o seguinte: em primeiro lugar, a ação armada só pode ser lançada por partidos e líderes de um grande poder reconhecido pelos movimentos de massa de seus países, sendo totalmente disciplinados e centralizados. Em segundo lugar, as ações armadas só podem ser iniciadas com o apoio de certas classes sociais ou a expressão distorcida dessas classes sociais: Estados amigos.

Um segundo assalto a banco em abril de 1963 – que acabou sendo aprovado por Moreno – levou à prisão da maioria dos militantes da FIR e à perseguição de Blanco, que respondeu ao seu isolamento tentando estabelecer uma guerrilha antes de ser capturado em maio. Uma sentença de morte por um tribunal militar só foi anulada graças a uma campanha internacional e greves e protestos dentro do Peru em sua defesa.

No mês seguinte, em junho de 1963, ocorreu o Congresso de Reunificação entre o Partido Socialista dos Trabalhadores (SWP) dos Estados Unidos e os pablistas. O afastamento dos pablistas do trotskismo se aprofundou desde que o SWP tinha liderado a luta contra o Pablismo em 1953, quando foi formado o CIQI. A defesa de Pablo em liquidar os quadros trotskistas no stalinismo e outras forças contrarrevolucionárias e nacionalistas encontrou uma expressão concreta e ainda mais reacionária nos documentos de reunificação que concluíam que “um instrumento rústico” como a guerrilha de Castro era suficiente para estabelecer um Estado operário e o socialismo. Moreno e vários grupos latino-americanos seguiram o SWP no novo Secretariado Unificado.

A Liga Socialista dos Trabalhadores (SLL) no Reino Unido travou uma luta de princípios contra o pablismo e a traição do SWP e manteve a continuidade do movimento trotskista mundial sob a liderança do CIQI.

Em Tierra o Muerte, publicado em 1972, Blanco defendeu sua atuação política em Cusco, sua promoção do nacionalismo indígena e seu uso da guerrilha como tática. A única “lição” que ele tirou é que um partido político deveria ter sido construído com base no campesinato para evitar “o isolamento do nosso movimento camponês”.

A política dos morenistas peruanos entre 1958 e 1963 pode ser resumida como uma variante do oportunismo nacionalista, que tomou a forma do radicalismo camponês. Isso não era diferente em nenhum aspecto fundamental do populismo russo, que se baseava em táticas terroristas, confisco de terras e “autogoverno camponês”. Foi precisamente em oposição ao populismo que o movimento marxista russo foi construído na década de 1880.

A insistência por Moreno e Blanco de que as condições nos países atrasados exigiria a construção de um partido baseado no campesinato como substituto da classe trabalhadora foi abordada por Trotsky em sua análise da traição da burocracia stalinista à Revolução Chinesa em 1927. Essa luta permanece um recurso básico na formação do quadro trotskista na América Latina.

A burocracia stalinista em Moscou ordenou o Partido Comunista Chinês a entrar e se subordinar ao partido burguês Kuomintang, que acabou massacrando os comunistas. Isso foi precedido e preparado pelo apelo de Stalin para o estabelecimento de “partidos operários-camponeses como o Kuomintang” em toda a Ásia. Trotsky escreveu:

O marxismo sempre ensinou, e o bolchevismo também aceitou e ensinou, que o campesinato e o proletariado são duas classes diferentes, que é falso identificar de alguma forma seus interesses na sociedade capitalista e que um camponês só pode ingressar no partido comunista se, do ponto de vista da propriedade, ele adota os pontos de vista do proletariado... Essas organizações que nos países capitalistas se autodenominam partidos camponeses são, na realidade, uma das variedades de partidos burgueses. Todo o camponês que não adotou a posição proletária, abandonando sua psicologia de proprietário, inevitavelmente seguirá a burguesia nas questões políticas fundamentais.

Embora suas ações possam ter acelerado a dissolução dos latifúndios brutalmente opressores na região norte de Cusco, a política levado a cabo por Moreno, Blanco e o SLATO minou a luta pela revolução socialista.

Toda a perspectiva dessas tendências foi baseada em uma rejeição completa do ABC da Teoria da Revolução Permanente de Trotsky, que toma como ponto de partida não as condições nacionais em um determinado país, mas seu contexto na economia mundial e nas relações políticas mundiais. Trotsky insistiu que a tarefa incompleta da revolução burguesa, e em particular a questão da terra em países com um desenvolvimento capitalista atrasado, só poderia ser resolvida pela luta revolucionária independente da classe trabalhadora, levando atrás de si as massas de camponeses oprimidos. Chegando ao poder, a classe trabalhadora seria compelida a realizar medidas de caráter socialista. Além disso, a revolução social em um determinado país oprimido só poderia sobreviver por meio da extensão da revolução aos países capitalistas avançados e, em última análise, em todo o mundo.

Em vez de lutar pela mobilização política independente e pela unificação internacional da classe trabalhadora, Moreno e Blanco desempenharam um papel fundamental em semear a confusão política entre os trabalhadores e a juventude radicalizada no Peru e na América Latina. Eles facilitaram o crescimento de movimentos guerrilheiros castristas suicidas e a influência de movimentos nacionalistas burgueses, que serviram para subjugar ainda mais os trabalhadores e camponeses peruanos ao imperialismo.

Além disso, sua política entregou a influência política sobre o campesinato à burguesia nacional contra a classe trabalhadora. Isso culminou na reforma agrária de 1969 sob a ditadura militar do General Juan Velasco Alvarado, que dissolveu todas as fazendas com indenização, inclusive obrigando aquelas já tomadas pelos camponeses a pagarem seus proprietários anteriores. Libertado por Velasco, Blanco se opôs a se tornar um garoto-propaganda da reforma e suas concessões aos latifundiários, o que levou à expulsão de Blanco para o exílio. Porém, os morenistas já haviam ajudado a bloquear a única alternativa: a luta independente da classe trabalhadora contra a burguesia. Essa situação foi explorada pelas frações stalinistas e maoístas do Partido Comunista, que rapidamente aumentaram sua influência nas sierras e apoiaram abertamente Velasco.

A desigualdade e a miséria desenfreadas ainda caracterizam as sierras andinas rurais. Elas são hoje supervisionadas por fazendeiros indígenas e a burguesia comercial e corporações de mineração, possuindo as taxas de pobreza mais altas de qualquer região do Peru, com 86% vivendo abaixo ou à beira da pobreza oficial. Enquanto isso, a contínua privação de direitos políticos das massas rurais e urbanas foi confirmada pelas repetidas ditaduras militares e golpes, enquanto frações da elite dominante competem para servir aos interesses do imperialismo e de suas corporações transnacionais mineradoras e agroindustriais.

Hoje, todas as forças da pseudoesquerda e stalinistas que saúdam Blanco, junto com as burocracias sindicais que elas controlam, são hostis à mobilização dos principais setores da classe trabalhadora contra o regime fascistoide de Dina Boluarte, que usou força letal para esmagar os protestos generalizados contra a derrubada e a prisão, em dezembro passado, do presidente eleito Pedro Castillo.

Em vez disso, em um momento em que 80% dos peruanos vivem nas cidades, todas as forças nominalmente de “esquerda” insistem em entregar a iniciativa à “Tomada de Lima” pela população indígena das sierras, que já marchou várias vezes para a capital. Hoje essas forças indígenas são controladas politicamente por frações da burguesia local, que era a principal base do governo de Pedro Castillo e está apenas tentando extrair maiores concessões das autoridades centrais e das multinacionais de mineração.

Tirar as lições das traições cometidas contra a classe trabalhadora pelo morenismo e outras variantes do pablismo no Peru e internacionalmente nunca foi tão urgente. Acima de tudo, isso significa construir seções do Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI) no Peru e em toda a América Latina para liderar a mobilização independente e internacional dos trabalhadores pela revolução socialista, levando atrás dela todas as outras camadas oprimidas da população.

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