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Um ano da insurreição fascista de 8 de janeiro no Brasil

Na segunda-feira, completou-se um ano da tentativa de golpe fascista em Brasília liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro apoiado nos militares.

Manifestantes bolsonaristas invadem edifícios do governo brasileiro. [Photo: Marcelo Camargo/Agência Brasil]

Na tarde de 8 de janeiro de 2023, uma semana após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores (PT), uma turba de apoiadores fascistas do ex-presidente invadiu as sedes dos Três Poderes reivindicando as acusações de fraude eleitoral feitas por Bolsonaro e exigindo a tomada do poder pelas Forças Armadas.

O primeiro aniversário do assalto à capital brasileira, que marca a ruína do regime civil inaugurado em 1985-87 após duas décadas de ditadura militar, foi marcado pelo governo do PT com um evento batizado de “Democracia Inabalada”. A comemoração, realizada sob forte esquema de segurança, foi concebida com o propósito de transmitir à população brasileira a ideia de que a conspiração ditatorial escancarada há um ano foi efetivamente superada.

No discurso principal do evento, o presidente Lula saudou aqueles “que se colocaram acima das divergências para dizer um eloquente ‘não’ ao fascismo”. Ele referiu-se particularmente ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Congresso Nacional, que promoveram conjuntamente o ato, aos “militares legalistas” e os “trabalhadores das forças de segurança”, isto é, a polícia. “Salvamos a democracia”, Lula declarou.

O presidente exigiu a punição exemplar de “todos aqueles que financiaram, planejaram e executaram a tentativa de golpe”, afirmando que “não há perdão para quem atenta contra a democracia, seu país e seu próprio povo”.

Entretanto, Lula foi compelido a reconhecer que a democracia no Brasil, um dos países com a maior desigualdade social do mundo, é “imperfeita”.

“Democracia para poucos não é bem uma democracia”, declarou. Apesar disso, ele concluiu: “Se fomos capazes de deixar as divergências de lado para defendermos o regime democrático, somos também capazes de nos unirmos para construir um país mais justo e menos desigual”.

Essas declarações soam como uma repetição do seu discurso de posse, em que Lula afirmou que sua “frente democrática”, composta pelos partidos do establishment burguês apodrecido, “impediu o retorno do autoritarismo ao país” e “superou o terrível desafio à democracia”. Levou somente uma semana para que a realidade rasgasse violentamente o véu dessa narrativa cor-de-rosa.

Passado um ano do ataque fascista em Brasília, o PT e seus apoiadores da pseudoesquerda, umbilicalmente atados ao capitalismo em decomposição, nada aprenderam e nada podem aprender. Eles continuam engajados em esconder as ameaças ditatoriais contra a classe trabalhadora.

As condições em que o ato de segunda-feira foi realizado explodem pelos ares a farsa da “Democracia Inabalada”.

A imprensa reportou amplamente que a participação dos comandantes das Forças Armadas, que o PT via como central para transmitir a mensagem de “compromisso democrático” dos militares, precisou da insistência do ministro da Defesa, José Múcio.

Enquanto Lula saudava os bravos governadores e deputados que enfrentaram o fascismo, uma série de governadores, incluindo aqueles dos dois maiores estados do Brasil, assim como o presidente da Câmara dos Deputados, ostensivamente boicotaram o convite do presidente à sua participação.

O significado político desse boicote foi realçado por uma declaração do ministro do STF e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, na semana passada. Moraes revelou que ordenou a prisão imediata do governador do Distrito Federal, do secretário de segurança e do comandante da polícia em Brasília no 8 de janeiro do ano passado com o objetivo de impedir que a clara adesão do poder local ao movimento golpista desencadeasse um “efeito dominó” através do país.

A penetração e abrangência das conspirações ditatoriais sobre o Estado brasileiro foram expostas, apesar dos esforços contrários do PT e todo o establishment político, em sucessivas revelações ao longo do último ano. Diante delas, as exigências feitas por Lula de “punição exemplar” a todos os envolvidos na tentativa de golpe são convenientemente vagas.

Lula jamais endossou as conclusões da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre o 8 de Janeiro, cuja instauração ele e seu governo combateram e, depois, cuja atuação lutaram para conter. A CPMI terminou em outubro apontando Bolsonaro como autor “intelectual e moral” da tentativa de golpe e indiciando mais de 30 militares, incluindo os ex-comandantes da Marinha e do Exército, por crimes como tentativa de “abolição violenta do Estado democrático de Direito” e “golpe de Estado”.

Diferentes fontes confirmaram tanto à CPMI como à imprensa que os comandantes militares discutiram e pesaram seriamente seu apoio a uma tentativa de golpe. O então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, insistiu até último momento em apoia-la. Já o comandante do Exército, general Freire Gomes, impediu a prisão dos militantes fascistas no 8 de janeiro, ameaçando um confronto violento em desafio às ordens do governo eleito.

Esses fatos são criminosamente negados por figuras no próprio governo Lula. Seu ministro da Defesa declarou na semana passada que ainda “precisamos achar os culpados [pelo 8 de Janeiro] para tirar essa nuvem de desconfiança sobre as Forças Armadas” e afirmou que foram os militares que salvaram o Brasil de um golpe.

O evento de segunda-feira serviu para reafirmar o apoio do governo do PT a uma escalada da censura contra a internet. O presidente alegou que “nossa democracia estará sob constante ameaça enquanto não formos firmes na regulação das redes sociais”. Esse ponto foi vigorosamente reiterado por Moraes, que, enquanto mantém os achados de sua investigação sobre o golpe em sigilo, capitaneia uma ofensiva autoritária contra a liberdade de expressão no Brasil.

Os militares e o ex-presidente fascistoide utilizaram não apenas as redes sociais, mas sobretudo os meios oficiais do Estado para desacreditar o processo eleitoral e incitar a mobilização de um golpe no 8 de janeiro. Mas, enquanto promove a censura da internet, o governo do PT está fortalecendo sistematicamente o poder dos militares, transferindo recursos crescentes às Forças Armadas e permitindo sua consolidação como atores políticos independentes.

Em dezembro, Lula sancionou uma nova lei regulamentando a atuação das polícias militares, articulada no parlamento através de uma aliança entre o PT e deputados bolsonaristas estabelecida pelas costas da população. Em um artigo publicado na Folha de São Paulo, os pesquisadores Adilson Paes de Souza, da Universidade de São Paulo, e Gabriel Feltran, da Sciences Po francesa, denunciaram a nova legislação como sendo explicitamente baseada num decreto de 1969 que instituiu a polícia política da ditadura militar, sendo ainda mais agressiva em alguns pontos.

Os pesquisadores lançaram uma pergunta crucial: “Como uma lei aprovada em tempos de democracia pode ser ainda mais autoritária que uma norma editada no auge repressivo da ditadura?”.

Responder a essa questão exige uma consideração do contexto histórico e internacional que impulsiona a classe dominante brasileira de conjunto a reestabelecer formas ditatoriais de governo.

O esfacelamento das democracias burguesas e o fortalecimento de figuras e partidos de extrema-direita é um fenômeno universal, que cresce explosivamente na América Latina. O silêncio de Lula sobre esses desenvolvimentos críticos revela o vazio político da sua defesa formal da democracia.

Entre esses acontecimentos está o golpe parlamentar que derrubou o presidente pseudoesquerdista do Peru, Pedro Castillo, promovido pela extrema direita e os militares com o apoio do imperialismo americano exatamente um mês antes do ataque fascista em Brasília. Em busca das boas graças de Washington, Lula apoiou criminosamente a destituição de Castillo e o regime ilegítimo de Dina Boluarte, que desencadeou uma onda de repressão assassina contra a oposição popular nas ruas.

E, menos de um ano após a tentativa de golpe de Bolsonaro, um fascista foi eleito presidente da Argentina, o maior país vizinho do Brasil. Assim como Bolsonaro, Javier Milei inspira-se abertamente na ditadura militar brutal que dominou seu país de 1976 a 1983. Ao passo que Lula foi constrangido a não participar da cerimônia de posse em Buenos Aires, Bolsonaro foi recebido por Milei como o efetivo líder político do Brasil.

Acima de tudo, o ataque fascista de 8 de janeiro no Brasil foi um desdobramento das mesmas tendências manifestadas na tentativa de golpe de 6 de janeiro de 2021 de Donald Trump em Washington. Além de ter servido abertamente como guia político a Bolsonaro e seus aliados no Brasil, a tentativa de golpe fascista no coração do imperialismo mundial representou um evento crucial no processo de dissolução dos regimes democráticos burgueses globalmente.

Apesar do silêncio a esse respeito em Brasília, Lula tentou responder à ligação dos ataques autoritários nos EUA e no Brasil em um artigo que publicou como convidado no Washington Post na segunda-feira. Após repetir seus ataques reacionários às redes sociais por “fortalecer os discursos extremistas”, ele concluiu:

Um novo 6 ou 8 de janeiro só pode ser evitado com a transformação da realidade de desigualdade e trabalho precário. Essa preocupação motivou a parceria para a promoção do trabalho decente que lancei com o presidente Biden em setembro.

O enaltecimento de Biden como um agente de promoção da igualdade social e da democracia mundial é uma completa fraude, que acaba expondo o papel político criminoso sendo cumprido pelo próprio Lula.

Longe de representar a “democracia” contra o candidato a ditador, Donald Trump, o presidente democrata implementa uma política de expansão contínua da guerra imperialista, que exige o fomento de forças fascistas ao redor do mundo, dos neonazistas ucranianos aos sionistas fascistoides à frente do governo de Benjamin Netanyahu.

Como parte desse mesmo movimento, o governo Biden está impulsionando camarilhas militares reacionárias pela América Latina, tendo estabelecido no Brasil canais de comunicação e relações independentes com os militares pelas costas da diplomacia oficial de Lula.

Assim como o ressurgimento mundial de ameaças fascistas e ditatoriais, a ascensão de uma nova guerra imperialista mundial tem suas origens no estouro de uma nova crise histórica do capitalismo global.

Como o World Socialist Web Site (WSWS) afirmou em sua declaração de Ano Novo:

Todo o falatório sobre defesa da democracia e combate ao fascismo que ignora a questão fundamental do poder de classe e econômico – e, consequentemente, a necessidade de mobilização da classe trabalhadora em escala global para a derrubada do capitalismo – não passa de demagogia cínica e politicamente impotente.

As mesmas contradições históricas que levam à generalização da guerra, do fascismo e de níveis grotescos de desigualdade social estão provocando a “normalização do socialismo na visão política da classe trabalhadora”. No Brasil e internacionalmente, as condições objetivas estão amadurecendo para a construção da direção revolucionária consciente, os partidos afiliados ao Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI), necessários para liderar a derrubada definitiva do capitalismo e a tomada do poder pela classe trabalhadora mundial.

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