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Perspectivas

O ataque dos EUA e do Reino Unido ao Iêmen e o surgimento global da guerra imperialista

O porta-aviões USS Dwight D. Eisenhower e o navio de apoio de combate rápido USNS Supply cruzam o Estreito de Ormuz, 14 de dezembro de 2023 [Photo: Navy Petty Officer 2nd Class Keith Nowak]

Publicado originalmente em 13 de janeiro de 2024

O World Socialist Web Site condena inequivocamente o ataque dos Estados Unidos e Reino Unido contra o Iêmen na quinta-feira. Sem qualquer mandato popular, nem autorização legislativa ou parlamentar, nem mesmo uma tentativa de explicação séria, os governos de Biden nos Estados Unidos e de Sunak no Reino Unido executaram um ato de guerra ilegal contra uma nação empobrecida.

O ataque contra o Iêmen constitui uma grande escalada da guerra em curso no Oriente Médio. Desde o início do genocídio de Israel em Gaza, os EUA e os seus aliados imperialistas da OTAN têm supervisionado uma militarização maciça da região, dirigida contra o Irã. Essas manobras fazem parte de uma guerra global crescente, incluindo a guerra dos EUA e da OTAN contra a Rússia e o conflito econômico e militar em desenvolvimento contra a China.

O presidente dos EUA, Joe Biden, nem sequer considerou apropriado ir à televisão nacional para explicar o início de uma nova guerra, em condições de oposição popular esmagadora à expansão da guerra no Oriente Médio. Enquanto o Pentágono planejava atacar o Iêmen, o secretário da Defesa Lloyd Austin foi internado na UTI do Hospital Walter Reed, algo que foi informado ao presidente do Estado-Maior Conjunto, mas não ao presidente. Esse estranho episódio destacou a realidade de que a campanha militar dos EUA está no piloto automático, cada vez mais intocada por qualquer pretensão de supervisão civil.

Como sempre, as razões apresentadas para justificar a guerra são um amontoado de mentiras. Biden declarou que os ataques com mísseis foram “defensivos” e “uma resposta direta aos ataques Houthi sem precedentes”. A mídia americana, com a mesma cobertura incansável que acompanhou todas as operações militares americanas, proclama que um país com um produto interno bruto 700 vezes inferior aos Estados Unidos está praticando ações “intoleráveis”, contra as quais os militares dos EUA são “forçados” a se defender. Da noite para o dia, os Houthis do Iêmen tornaram-se num novo bicho-papão, que deve ser combatido através de uma ação militar urgente, sem qualquer discussão ou explicação.

Em coordenação com o genocídio israelense em Gaza, os Estados Unidos enviaram uma enorme frota marítima para o Médio Oriente, composta por dois grupos de combate de porta-aviões, vários destróiers de mísseis teleguiados, um número desconhecido de submarinos e dezenas de aviões de guerra. Essas forças forneceram logística, reconhecimento e seleção de alvos a Israel, em uma tentativa deliberada de provocar retaliação do Irã e das suas forças aliadas, como os Houthis.

No entanto, o Iêmen é supostamente o “agressor”, realizando “ataques sem precedentes” contra as forças militares dos EUA posicionadas no Mar Vermelho, a milhares de quilômetros da fronteira dos EUA. O imperialismo dos EUA, que possui forças armadas maiores do que as 10 próximas juntas, afirma estar travando uma guerra “defensiva” do outro lado do mundo contra um país pequeno, oprimido e empobrecido.

Na sexta-feira, o Pentágono declarou: “Não estamos interessados em uma guerra com o Iêmen” e que “não estamos interessados em um conflito de qualquer tipo”. Não está explicado porque é que os autoproclamados pacifistas em Washington invadiram, bombardearam ou desestabilizaram mais de metade dos países do mundo, massacrando milhões de pessoas apenas no século XXI.

A narrativa dos EUA e do Reino Unido, juntamente com os meios de comunicação relacionados, ignora completamente toda a história da guerra EUA-saudita contra a população iemenita e as décadas de guerras brutais em todo o Oriente Médio.

Durante quase uma década, os Houthis do Iêmen têm sido alvo de uma carnificina impiedosa, levada a cabo pela Arábia Saudita, mas armada e financiada pelos Estados Unidos. Segundo a ONU, 377 mil pessoas foram mortas numa campanha genocida que envolveu bloqueios que levaram à fome em massa e a epidemias. Primeiro sob Obama e depois sob Trump, os Estados Unidos financiaram esse ataque com mais de 54 mil milhões de dólares em equipamento militar, auxiliados e encorajados pelos seus aliados imperialistas, incluindo o Reino Unido.

A devastação do Iêmen ocorre em meio a mais de 30 anos de guerras intermináveis e cada vez mais amplas, lideradas pelo imperialismo americano, após a dissolução da União Soviética em 1990-91. Isso incluiu a Guerra do Golfo em 1990; o desmonte da Iugoslávia, que culminou na guerra contra a Sérvia em 1999; a invasão do Afeganistão em 2001; a segunda guerra contra o Iraque em 2003; a guerra contra a Líbia em 2011; e a guerra civil apoiada pela CIA na Síria, que começou nesse mesmo ano.

Todas as administrações desde Bill Clinton autorizaram operações militares, ataques aéreos e ações de desestabilização na Somália, que está separada do Iêmen pelo Golfo de Aden. O objetivo do governo dos EUA tem sido controlar a importante via marítima que conduz ao Canal de Suez.

Os ataques militares contra o Iêmen marcam uma nova etapa na crescente ofensiva militar imperialista em todo o Oriente Médio e além. Os EUA e os seus aliados imperialistas estão na prática travando uma guerra contra o Irã, dedicando-se a eliminar os aliados militares do Irã em toda a região. Os ataques contra o Iêmen visam cercar o Irã e provocá-lo a retaliar contra as forças dos EUA, o que poderia ser usado para justificar uma guerra em grande escala contra Teerã.

O antecedente imediato da escalada da guerra no Oriente Médio, da qual o genocídio de Gaza faz parte, foi o colapso da “ofensiva de primavera” da Ucrânia. Mas as potências imperialistas estão dobrando a aposta. O Economist declara que “Apoiar a Ucrânia é fundamental para a segurança do Ocidente”, enquanto a Foreign Affairs afirma que “a vitória é o único caminho verdadeiro da Ucrânia para a paz”.

Subjacente a tudo isto existe o esforço dos Estados Unidos para contrariar o desafio da China à sua hegemonia global, que ameaça desencadear uma guerra violenta no Pacífico. Na mídia e nos círculos políticos americanos fala-se cada vez mais de um novo “eixo do mal” composto por Irã, China e Rússia.

Nenhum desses conflitos pode ser entendido isoladamente. O bombardeio do Iêmen faz parte de uma contrarrevolução global, na qual as potências imperialistas procuram restabelecer o controle direto sobre as suas antigas colônias.

Os países que levam adiante essa agenda são as antigas potências imperialistas: os Estados Unidos, o Reino Unido, a França e a Alemanha. A classe dominante britânica, incapaz de levar a cabo suas políticas de forma independente, procura tirar vantagem da sua chamada relação especial, isto é, do seu papel como principal aliado do imperialismo americano, para promover os seus próprios interesses no cenário mundial.

Todas as guerras lançadas pelos EUA e pelos seus aliados imperialistas terminaram em um sangrento desastre após outro, ceifando milhões de vidas. Porém, cada desastre apenas reforça a determinação do imperialismo americano em utilizar a guerra como um meio para garantir a sua hegemonia global.

O imperialismo americano, parafraseando as palavras de Leon Trotsky, está “escorregando em direção ao desastre com os olhos fechados”.

Nos últimos três meses, milhões de pessoas em todo o mundo se manifestaram contra o genocídio israelense apoiado pelos EUA em Gaza. Os ataques dos EUA contra o Iêmen ocorreram no mesmo dia em que a Corte Internacional de Justiça recebia provas devastadoras de que Israel, e portanto os Estados Unidos, eram responsáveis por um genocídio em Gaza.

A resposta do imperialismo americano a esses protestos populares massivos e à denúncia dos seus crimes de guerra tem sido acelerar os seus planos de guerra. Isso porque o início da guerra, o genocídio e a repressão política não são uma aberração. O imperialismo, como explicou Lenin, não é simplesmente uma política, mas antes uma fase histórica específica do desenvolvimento capitalista. A oposição ao imperialismo é, portanto, uma questão revolucionária.

Não se trata de apelar aos governos capitalistas responsáveis por esses crimes para que mudem de rumo, mas de mobilizar a classe trabalhadora, fundindo a luta contra a guerra com as lutas em desenvolvimento dos trabalhadores em todo o mundo contra a desigualdade e a exploração. A lógica dessas lutas exige a conquista do poder político pelos trabalhadores de todo o mundo, a expropriação dos oligarcas capitalistas e dos criminosos de guerra, e a reorganização socialista da vida econômica em escala global.

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