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Perspectivas

100 dias do genocídio imperialista-sionista em Gaza

Publicado originalmente em 16 de janeiro de 2024

Em 14 de janeiro, completaram-se 100 dias do genocídio israelense apoiado pelo imperialismo em Gaza. Em pouco mais de três meses, quase 24.000 palestinos foram mortos, segundo o Ministério da Saúde da Palestina, ou aproximadamente uma em cada 100 pessoas que vivem em Gaza. Entre os mortos, está a quantidade assustadora de 9.600 crianças. Mais de 60.000 – três em cada 100 pessoas – ficaram feridas. Isso equivale, em termos percentuais, a 3,3 milhões de pessoas mortas e 10 milhões de feridas nos Estados Unidos.

Palestinos em meio às ruínas da Cidade de Gaza em 3 de janeiro [AP Photo/Mohammed Hajjar]

A campanha de bombardeio deixou mais da metade de todos os edifícios danificados ou destruídos. Apenas 15 dos 36 hospitais de Gaza estão funcionando parcialmente. Os que permanecem abertos enfrentam uma grave escassez de equipamentos médicos, medicamentos e mão de obra.

Até o final do mês passado, estimava-se que 1,9 milhão de pessoas em Gaza, ou mais de 85%, haviam sido deslocadas internamente, forçadas a ocupar uma região minúscula, com menos de um terço da área total da Faixa de Gaza, que tem apenas 365 quilômetros quadrados. As doenças se proliferam em condições de superlotação intensa e falta de acesso a alimentos, água, eletricidade e saneamento básico.

Nos últimos três meses, houve uma atrocidade atrás da outra – desde o bombardeio de campos de refugiados e hospitais, passando pelo assassinato de jornalistas e profissionais de mídia (bem mais de 100 até agora) até a execução em massa de prisioneiros.

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, disse sobre os 100 dias de massacre que “Ninguém nos deterá – nem Haia [uma referência ao caso de genocídio apresentado à Corte Internacional de Justiça], nem o eixo do mal, nem ninguém mais”. Israel continuará “até o fim – até a vitória completa”, advertiu ele, o que só pode significar até que todos os palestinos em Gaza e na Cisjordânia sejam mortos ou forçados a se exilar.

O genocídio em Gaza tem provocado uma oposição em massa em todo o mundo, expressa em protestos de milhões de pessoas nos últimos três meses, o maior movimento antiguerra desde os protestos contra a invasão do Iraque pelos EUA em 2003. Ele tem exposto não apenas a criminalidade e o caráter fascista do governo de Israel, mas também o apoio ativo e a cumplicidade das potências imperialistas, sobretudo dos Estados Unidos. Para toda uma geração de jovens, o apoio inequívoco do governo Biden às ações de Israel está demolindo a mentira de que o Partido Democrata é um “mal menor”.

Um protesto coordenado globalmente em 13 de janeiro envolveu manifestações em 120 cidades de 45 países. Isso incluiu, de forma mais significativa, um protesto de pelo menos 500.000 pessoas em Londres – o maior nessa cidade desde que mais de 800.000 pessoas se reuniram em 11 de novembro – e uma manifestação de mais de 100.000 pessoas em Washington, D.C.

No entanto, há um contraste marcante entre o espírito que anima os participantes das manifestações e a perspectiva dos principais envolvidos na organização delas. A política desses últimos é a da classe média impotente, que deixa por dizer todas as coisas mais importantes que devem ser ditas, enquanto direciona a oposição para os setores da elite dominante responsáveis pelos próprios crimes que estão sendo cometidos.

A manifestação em Londres foi co-organizada pela Stop the War Coalition (Coalizão Pare a Guerra), que é liderada politicamente pelo ex-líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn. Em seus comentários, Corbyn, a personificação da covardia política, não mencionou nem o Partido Trabalhista nem seu líder, Sir Keir Starmer, que tem apoiado totalmente o genocídio. Isso apesar do fato de Starmer ter expulsado Corbyn da bancada parlamentar do Partido Trabalhista com base em acusações fraudulentas de antissemitismo. A manifestação contou com a participação de vários parlamentares trabalhistas que têm se oposto ao apoio do Partido Trabalhista a Israel. Todos defendem a posição de que, de alguma forma, o Partido Trabalhista pode ser pressionado a se opor às ações de Israel.

A manifestação nos Estados Unidos foi organizada por uma coalizão de grupos muçulmanos juntamente com a ANSWER, que é associada ao Partido pelo Socialismo e Libertação (PSL).

Os organizadores rejeitaram um pedido do World Socialist Web Site e do Partido Socialista pela Igualdade (SEP-EUA) para falar na manifestação. Embora vários palestinos tenham descrito de forma comovente a catástrofe em Gaza, a linha política foi fornecida por um punhado de democratas que criticaram as ações de Israel, juntamente com os candidatos à presidência Jill Stein (Partido Verde) e Cornel West.

Entre os democratas estava o congressista Andre Carson (Indiana), que declarou ter visto na manifestação “o que significa alavancar nosso bloco eleitoral”. Carson está entre os democratas (junto com Alexandria Ocasio-Cortez e outros) que assinaram uma carta dirigida à Casa Branca no ano passado que, embora expressasse algumas críticas às ações de Israel, concluiu agradecendo ao governo Biden pelo que “está fazendo para responder a essa crise, fornecendo apoio ao nosso aliado Israel e trazendo cidadãos americanos para casa em segurança”.

Em seus comentários, Carson evitou qualquer referência ao governo Biden ou ao seu apoio ao genocídio, ao mesmo tempo que concluiu com um apelo para “reeleger aqueles que nos representam” – presumivelmente ele e outros democratas.

Os comentários de Stein, ostensivamente concorrendo independentemente dos democratas como membro do Partido Verde, foram totalmente orientados para pressionar o establishment político, sem se referir ao Partido Democrata ou ao presidente Biden nominalmente. “Temos o poder de dizer ao AIPAC [Comitê de Assuntos Públicos EUA-Israel] da Casa Branca e ao AIPAC do Congresso que vocês devem prestar contas a nós, a nós, o povo... Temos o poder de instruir nossas autoridades eleitas sobre o que elas precisam fazer.”

A experiência dos últimos três meses, no entanto, demonstrou que as “autoridades eleitas” nos partidos Democrata e Republicano respondem à oposição em massa não sendo “instruídas”, mas denunciando os protestos contra o genocídio como antissemitas e buscando criminalizá-los. Além disso, o governo Biden respondeu à crescente oposição realizando uma grande expansão da guerra no Oriente Médio através do bombardeio do Iêmen, ameaçando uma guerra com o Irã.

Cornel West discursou no final da manifestação. West é especialista em um tipo de discurso que age mais sobre os nervos do que sobre o cérebro, forte e furioso, que, para qualquer um que pense um pouco, não significa nada. Como é típico em todos os seus comentários, West gritou sobre “guerreiros do amor”, a necessidade de “amor na liberdade e liberdade no amor”, “o ressurgimento da verdade em todo o mundo” e outras generalidades moralistas.

West se referiu a Biden e a outras autoridades do governo como criminosos de guerra, embora novamente não tenha feito nenhuma referência ao próprio Partido Democrata, com o qual tem uma longa associação. West concluiu seus comentários declarando: “Estamos pedindo mais do que um cessar-fogo, estamos pedindo o fim do cerco, o fim da ocupação e que os palestinos tenham uma vida digna”. Como isso pode ser realizado? Por quais meios e com base em qual perspectiva? West não ofereceu nada, exceto a esperança de que Biden e o Secretário de Estado Blinken mudem de atitude.

Foi omitida da manifestação qualquer referência às questões essenciais para o desenvolvimento de um movimento contra o genocídio. Nada foi dito sobre a história de Israel e do sionismo ou sobre seu papel como bastião do imperialismo no Oriente Médio. Ninguém se referiu aos interesses que motivam o apoio imperialista ao genocídio, às três décadas de guerra sem fim, aos preparativos para a guerra contra o Irã, à relação disso com a guerra em curso dos EUA e da OTAN contra a Rússia ou ao conflito em desenvolvimento com a China. Não houve nenhuma referência à classe trabalhadora ou ao crescimento da luta de classes em todo o mundo. As palavras “imperialismo” e “capitalismo”, muito menos “socialismo”, não foram pronunciadas.

Os organizadores não queriam nenhuma referência a nada disso porque isso contraria sua orientação para o Partido Democrata. É por isso, obviamente, que eles se recusaram a permitir que um representante do World Socialist Web Site discursasse na manifestação.

Para as massas de trabalhadores e jovens, incluindo aqueles que tem participado das manifestações, a questão urgente é o desenvolvimento de um movimento da classe trabalhadora, em escala mundial, nos EUA e internacionalmente, inclusive por meio de greves em massa e outras ações para interromper o fluxo de armas para Israel.

A luta contra o genocídio é necessariamente uma luta contra o imperialismo dos EUA-OTAN, para o qual Israel serve como agente no Oriente Médio. A luta contra o imperialismo é necessariamente uma luta contra o capitalismo, através da conquista do poder pela classe trabalhadora e da reorganização socialista da economia mundial. Isso requer oposição a todos os Estados capitalistas e aos partidos políticos da elite dominante. É somente por esse caminho que essa guerra e todas as guerras que estão se intensificando e sendo preparadas podem ser detidas.

Essa é a conclusão essencial que deve ser tirada dos 100 dias do genocídio imperialista-sionista em Gaza.

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