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Perspectivas

Declaração de Ano Novo

2022: O terceiro ano da pandemia e a emergente luta de classes global

Publicado originalmente em 4 de janeiro de 2022

1. No início deste Ano Novo, a pandemia de COVID-19 está entrando em sua fase mais perigosa e mortal. A variante Ômicron, identificada pela primeira vez no final de novembro de 2021, é agora a cepa dominante globalmente. Ela está se propagando com velocidade extraordinária por toda a Europa e os Estados Unidos, impulsionando recordes diários de novos casos. Na última semana de 2021, a média de casos diários nos Estados Unidos estava se aproximando de 500 mil.

2. A pandemia global é uma catástrofe de dimensões históricas. É também um crime, porque o impacto desastroso da pandemia é o resultado de decisões tomadas por governos capitalistas - primeiro e acima de tudo, nos Estados Unidos e na Europa Ocidental - para priorizar deliberadamente os lucros em detrimento das vidas, para rejeitar a implementação de medidas de saúde pública necessárias para eliminar o SARS-CoV-2 e, ao invés disso, para adotar políticas que permitam que o vírus se propague de forma selvagem por toda a população global.

3. Ao longo de 2020 e em grande parte de 2021, os governos e a mídia mantiveram a pretensão de que a luta contra a pandemia poderia ser realizada com sucesso de maneira favorável aos negócios, através de uma combinação de vacinas e uma variedade eclética de medidas de mitigação. Essa abordagem, alegaram, permitiria que as escolas reabrissem com segurança e que os trabalhadores permanecessem em seus empregos. Estas alegações foram, desde o início, baseadas em uma supressão deliberada da ciência, que havia estabelecido que o SARS-CoV-2 era transmitido principalmente através de aerossóis, pequenas partículas que permanecem no ar por horas. Os espaços internos sem filtragem e ventilação adequadas, incluindo a grande maioria das escolas e locais de trabalho, foram assim os vetores primários da transmissão viral. Uma mentira ainda mais fundamental foi que a pandemia poderia ser suprimida com base em iniciativas nacionais, legitimando assim a ausência de uma estratégia global e programas eficazes para tornar as vacinas disponíveis gratuitamente para todos os países. Mas todas as mentiras e falsas estratégias foram totalmente detonadas pelo surgimento da variante Ômicron.

4. A resposta à Ômicron tem sido o colapso completo da pretensão de que os governos estão empenhados em acabar com a pandemia. Liderada pelos Estados Unidos e pela Europa Ocidental, a estratégia que a maioria dos governos em todo o mundo está adotando abertamente é a de “imunidade de rebanho”. A concepção por trás desta política criminosa é que em algum momento, ainda desconhecido, tantas pessoas terão sido infectadas que o vírus esgotará o conjunto disponível de vítimas acessíveis. Como o editorial do Financial Times afirmou em 3 de janeiro, “é razoável concluir que a interação entre o vírus e o sistema imunológico humano significa que quanto mais pessoas adquirirem alguma proteção contra os sintomas graves da Covid através da vacinação ou infecção, melhor será a perspectiva”.

5. Deve-se notar especialmente que o FT não considera sequer a possibilidade de eliminar a doença. “Qualquer pequena chance que tivemos no início de 2020 para eliminar a Covid-19 já se foi há muito tempo”, afirma. “Os esforços para controlar a pandemia têm sido justificados até agora no contexto de uma emergência sanitária global, mas não podem continuar indefinidamente. O dano colateral - à saúde mental e ao bem-estar, à coesão social e à economia global - seria muito grande.”

6. A importância dessa afirmação é clara: o SARS-CoV-2 persistirá por anos, até mesmo décadas, como uma doença endêmica. Qual será a consequência disso no sofrimento e nas vidas humanas? As oligarquias corporativas-financeiras e os governos que controlam não poderiam se importar menos. Uma mentalidade antissocial abominável está profundamente enraizada na classe capitalista. Ela se concentra não no número de mortes, mas na valorização do mercado de ações.

7. Charles Dickens descreveu os anos anteriores à Revolução Francesa como o “melhor dos tempos” e o “pior dos tempos”. Como essas palavras se aplicam bem à realidade atual. Para a classe capitalista, os anos da pandemia foram nada menos do que uma bênção. O valor de mercado da Apple subiu 125%, chegando a 3 trilhões de dólares. O da Microsoft subiu 110%, chegando a 2,5 trilhões de dólares. O valor de mercado da Alphabet subiu 108%, chegando a 1,9 trilhão de dólares. O valor das ações da Tesla, controlada pelo sociopata Elon Musk, subiu 1.311%, chegando a 1,1 trilhão de dólares. A riqueza conjunta dos 5% mais ricos e dos setores mais abastados da classe média subiu acentuadamente.

8. Mas a esmagadora massa da sociedade tem vivido no “pior dos tempos”. Nos dois anos desde o início da pandemia, as estatísticas oficiais registram que 5,5 milhões de pessoas morreram. Isso inclui mais de 840.000 só nos Estados Unidos. O número real de mortes, no entanto, medido pelo “excesso de mortes” sobre o que teria sido esperado sem a pandemia, é estimado em mais de 18 milhões. Assim, o total de mortes devido à pandemia em apenas dois anos desde janeiro de 2020 é comparável aos aproximadamente 20 milhões de mortes de militares e civis durante os quatro anos da Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

9. O número de mortes, por mais terrível que seja, é uma medida inadequada do impacto devastador da pandemia. Uma grande porcentagem de pessoas infectadas pelo SARS-CoV-2 estão com sintomas prolongados conhecidos como COVID longa, que afeta múltiplos sistemas de órgãos e produz uma ampla gama de efeitos debilitantes, fisicamente dolorosos e emocionalmente assustadores. De acordo com um relatório publicado pelo periódico EClinicalMedicine em julho de 2021, a maioria dos entrevistados de seu estudo precisou de mais de 35 semanas (quase nove meses) para se recuperar da COVID longa.

10. Esse resultado não era inevitável. A experiência na China, com uma população de 1,4 bilhão de pessoas, demonstra que a política de “COVID Zero” é viável e extremamente eficaz. Ao implementar essa política, a China conseguiu limitar as mortes a menos de 5.000, com apenas duas mortes desde maio de 2020.

11. Tendo rejeitado a opção de eliminar o vírus, a mídia nos Estados Unidos e na Europa retrata a política da China como uma resposta brutal e até mesmo bizarra à doença. O governo da China é certamente “autoritário”. Mas o termo é aplicado maliciosamente para desacreditar uma resposta correta, que tem amplo apoio público, à pandemia. Na verdade, a China tem conseguido conter o vírus até agora, utilizando medidas básicas de saúde pública desenvolvidas ao longo dos séculos - incluindo lockdowns direcionados, testagem em massa, rastreamento de contatos e o isolamento de indivíduos infectados.

12. O uso da quarentena para deter infecções, por exemplo, é um método de prevenção de doenças que data da era da Peste Negra na Veneza do século XIV. Naturalmente, os meios modernos empregados para colocar os doentes em quarentena são muito mais sofisticados e humanos do que era possível nas condições primitivas que prevaleciam há 800 anos. Mas mesmo na Europa Medieval, a morte era vista como o pior resultado de uma doença, a ser prevenida, se possível. Por que no século XXI os países com as tecnologias mais avançadas à sua disposição decidem, como política, ver a perda de vidas como preferível à perda de dinheiro? A resposta de força bruta adotada pelos governos capitalistas existentes, a “imunidade de rebanho”, que rejeita deliberadamente medidas que poderiam deter a transmissão do SARS-CoV-2 e acabar com a pandemia, representa uma regressão social e moral terrível.

13. Trotsky observou uma vez que a necessidade na história “é realizada através da seleção natural de acidentes”. Que um determinado vírus de morcego infectou humanos em um mercado de Wuhan foi um acidente. Mas a possibilidade de tal incidente - enraizado em uma complexa interação de condições sociais, econômicas e ambientais - havia sido prevista. Neste sentido histórico, a transferência zoonótica do vírus foi “um acidente à espera de acontecer”. Da mesma forma, a ausência de preparação séria para tal incidente por parte dos principais países capitalistas e a série de decisões desastrosas que se seguiram foram determinadas pelas estruturas historicamente obsoletas do capitalismo global e pelos interesses sociais e econômicos reacionários de sua classe dominante.

A saúde pública e o progresso social na história

14. O estado da saúde pública está entre os índices mais importantes de progresso social e da situação geral da sociedade. Como escreveu o falecido e brilhante estudioso George Rosen em The History of Public Health, publicado em 1958, “A proteção e promoção da saúde e do bem-estar de seus cidadãos é considerada uma das funções mais importantes do estado moderno”. [1] Os avanços na higiene pública, a compreensão do organismo humano, o tratamento de doenças, o reconhecimento da importância de um ambiente antisséptico para combater infecções, o desenvolvimento de vacinas e antibióticos, a diminuição da mortalidade infantil e o aumento da expectativa de vida - essas conquistas foram consideradas marcos na história da civilização humana.

Abby Smith, enfermeira do Centro Médico do Leste do Alabama, atende um paciente da COVID-19 na unidade de terapia intensiva, na quinta-feira, 10 de dezembro de 2020, em Opelika, Alabama. O centro médico enfrenta um novo fluxo de pacientes da COVID-19 à medida que a pandemia se intensifica. (AP Photo/Julie Bennett)

15. Um elemento crítico do pensamento iluminista no século XVIII foi a convicção de que existia uma profunda relação entre a saúde física da população de um país e a qualidade de sua organização social e política. Essa crença foi defendida pelos adeptos do Iluminismo na América do Norte e invocada em apoio à luta revolucionária dos colonizadores contra o Reino Unido. Benjamin Rush, o amigo próximo de Thomas Jefferson e um dos expoentes mais influentes do Iluminismo americano, observou em um artigo lido em 1774 diante da Sociedade Filosófica Americana - como notado por George Rosen - “que a doença, as instituições políticas e a organização econômica estavam tão inter-relacionadas que qualquer grande mudança social produziu mudanças correspondentes na saúde”. [2]

16. Essa visão do pensamento iluminista foi confirmada por avanços posteriores na esfera da saúde pública, que não poderiam ter sido alcançados sem as lutas da classe trabalhadora nos movimentos revolucionários democráticos e socialistas que surgiram no século XIX e, ainda mais poderosamente, no século XX. A conexão entre o crescimento da classe trabalhadora industrial como uma força social, política e, potencialmente, revolucionária cada vez mais poderosa e a emergência da saúde pública como uma questão central na sociedade moderna é um fato histórico indiscutível. Os avanços conquistados pela classe trabalhadora se refletiram na melhoria da saúde pública. O mais significativo desses avanços foi a Revolução de Outubro de 1917.

O significado histórico mundial da Revolução de Outubro

17. A Revolução de 1917 na Rússia, liderada pelo Partido Bolchevique e surgida da carnificina da primeira guerra mundial imperialista, marcou um ponto de inflexão na história mundial. O estabelecimento do primeiro Estado operário, num país de 150 milhões de habitantes, demonstrou na prática o caráter historicamente transitório do capitalismo e do domínio da burguesia. O impacto social e as implicações históricas da Revolução de Outubro foram de caráter global. O estabelecimento do poder operário e a liquidação da propriedade capitalista dos meios de produção começou na Rússia. Mas, como previsto por Trotsky:

A revolução socialista começa na arena nacional, desdobra-se na arena internacional e se completa na arena mundial. Assim, a revolução socialista torna-se uma revolução permanente em um sentido mais novo e mais amplo da palavra; ela atinge sua conclusão somente na vitória final da nova sociedade em todo o nosso planeta. [3]

18. A Revolução de Outubro não apenas realizou uma transformação socioeconômica e cultural imensamente progressista dentro das fronteiras da União Soviética. Seu maior impacto foi o impulso que deu às lutas da classe trabalhadora e das massas oprimidas em todo o mundo. A fundação da Internacional Comunista e seus primeiros quatro congressos, realizados entre 1919 e 1922, colocou o problema da preparação e da direção da revolução socialista na agenda política da classe trabalhadora internacional.

19. As classes dominantes reconheceram desde o início o imenso perigo representado pela Revolução de Outubro. Quando a magnitude da derrota sofrida na Rússia tornou-se clara, a classe capitalista na Europa recorreu à violência selvagem para reprimir a ameaça da revolução socialista. Foi após a Revolução de Outubro que o fascismo surgiu pela primeira vez como um movimento significativo.

20. Por toda a sua riqueza e poder, a classe dominante americana era incomparável em seu temor da revolução socialista. Esse medo não era a expressão de uma paranoia irracional. A escala gigantesca do capitalismo americano, como se desenvolveu rapidamente após a Guerra Civil, produziu uma imensa classe trabalhadora, multirracial e multiétnica, cujo poder, se impregnado com a consciência de classe e dirigido politicamente, poderia representar um desafio incontrolável para a ordem social existente. Já em 1871, a classe dominante americana respondeu ao surgimento da Comuna de Paris com um frenesi anticomunista. À medida que a luta de classes se desenvolvia nos Estados Unidos a partir da década de 1870, a violência implacável utilizada pelo governo e pelas corporações para reprimir os trabalhadores foi reforçada ideologicamente pelo anticomunismo.

Como escreveu o historiador Nick Fischer:

Apesar da eficiência a sangue frio com que é normalmente aplicado, o anticomunismo muitas vezes expressou um medo primordial de que as forças do “comunismo” pudessem ter sucesso onde todas as doutrinas e movimentos populares anteriores haviam falhado; os “comunistas” poderiam apenas fundir os elementos díspares da vasta subclasse dos Estados Unidos em uma força unificada que se levantaria em uma revolução, como havia ocorrido em Paris e mais tarde na Rússia em 1905. Onde fracassaram o progressismo, o populismo, os movimentos “Free Silver” e “Free Soil”, as propriedades rurais, a Redenção, a Reconstrução e a Emancipação, o “comunismo” poderia triunfar. Sob a sua bandeira, os enormes proletários urbanos e rurais poderiam afundar suas diferenças; assim também os trabalhadores e meeiros brancos e negros, operários nativos e imigrantes, católicos e protestantes, cristãos e judeus poderiam afundar suas diferenças. Aqui se encontrava o pesadelo. [4]

A resposta do imperialismo americano à Revolução Russa

21. A Revolução de Outubro foi vista pela classe dominante americana não apenas como uma ameaça à estabilidade doméstica. É uma das maiores ironias históricas que dois eventos importantes da história - um contrarrevolucionário e o outro revolucionário - ocorreram no mesmo mês do mesmo ano, dentro de semanas um do outro. Em 3 de abril de 1917, o presidente Woodrow Wilson, um democrata, solicitou ao Congresso americano que declarasse guerra à Alemanha, evento que marcou a emergência dos Estados Unidos como a principal potência imperialista mundial. Duas semanas depois, em 16 de abril de 1917, Lenin chegou do exílio em Petrogrado e fez um chamado ao Partido Bolchevique para que se preparasse para a derrubar o Governo Provisório capitalista russo e estabelecesse o poder operário baseado nos sovietes (conselhos operários).

22. O significado desse notável cruzamento de processos históricos é que a expansão do imperialismo americano se desenvolveu ao lado da sempre presente ameaça de revolução social. Ao longo do século XX, o problema estratégico central que se colocou diante da classe dominante americana foi como responder ao combinado perigo doméstico e global.

23. A resposta inicial foi o uso da violência. O governo de Woodrow Wilson enviou tropas para a União Soviética no que provou ser uma campanha militar desastrosa para derrubar o governo bolchevique. Nos Estados Unidos, o governo “progressista” de Wilson reagiu à onda de militância com uma onda de repressão. Os anos 1919 e 1920 testemunharam a infame histeria anticomunista (“Red Scare”), as notórias prisões e deportações de anarquistas e comunistas (“Palmer Raids”), a prisão de Sacco e Vanzetti e a brutal repressão da greve nacional do aço. Durante a década de 1920, a reação política - sob o slogan de um “Retorno à Normalidade” - prevaleceu. A Ku Klux Klan cresceu rapidamente. Henry Ford, o antissemita inimigo amargo dos trabalhadores, acompanhou com entusiasmo o progresso de Hitler na Alemanha e forneceu apoio financeiro aos nazistas. Sacco e Vanzetti, apesar dos protestos mundiais, foram finalmente assassinados na cadeira elétrica pelo Estado de Massachusetts, em agosto de 1927.

24. O crash de Wall Street em 1929 e o início da Depressão forçaram uma mudança na política interna da classe dominante americana. As condições sociais extremas radicalizaram a classe trabalhadora. Apesar do fato de que o regime stalinista na URSS repudiava cada vez mais explicitamente a perspectiva da revolução socialista mundial, o governo de Franklin Delano Roosevelt, que chegou ao poder em 1933, temia o impacto do exemplo da Revolução de Outubro na consciência da classe trabalhadora. A promessa de Roosevelt de um “New Deal” para o povo americano, seguido de reformas como a introdução da “assistência social”, foi motivada pelo medo de que a crescente onda de luta de classes nos Estados Unidos - encabeçada pela formação do Congresso das Organizações Industriais e uma onda de greves sem precedentes na qual a esquerda socialista desempenhou um papel importante - pudesse assumir, como indicado nas greves que envolveram a ocupação de fábricas, um caráter abertamente revolucionário.

25. A eclosão da Segunda Guerra Mundial teve o efeito a longo prazo de radicalizar a classe trabalhadora e as massas oprimidas em escala internacional. Embora as políticas seguidas por Stalin durante a década de 1930, incluindo os expurgos assassinos e a assinatura do Pacto de Não-Agressão com Hitler em 1939, tivessem levado a União Soviética à beira do desastre, as conquistas econômicas e sociais da URSS tornaram possível uma recuperação das derrotas iniciais que se seguiram à invasão alemã de junho de 1941. Após a entrada dos Estados Unidos na guerra mundial em dezembro de 1941, a vitória sobre a Alemanha e o Japão não foi possível sem uma aliança com a União Soviética.

As reformas sociais após a Segunda Guerra Mundial

26. A União Soviética desempenhou um papel decisivo na derrota da Alemanha nazista. Embora o regime stalinista tivesse buscado uma acomodação com os Estados Unidos, não conseguiu controlar inteiramente a onda de lutas de massas que varreu o mundo após a guerra. Por sua vez, os Estados Unidos e seus aliados imperialistas procuraram afastar a ameaça revolucionária com uma hábil combinação de ações militares brutais, repressão política e compromisso reformista. A interação entre esses fatores, tanto internacionais quanto domésticos, foi a característica que definiu a Guerra Fria.

27. Durante os 25 anos após a Segunda Guerra Mundial, predominou uma política interna de compromisso social. A base material para o compromisso foi a expansão geral da economia mundial que tornou possível a concessão de reformas sociais. No plano internacional, os Estados Unidos lideraram a resistência imperialista global contra os movimentos anticoloniais do pós-guerra. Os EUA orquestraram a derrubada de regimes - como no Irã e na Guatemala - que foram vistos como minando os interesses globais do imperialismo americano. Na Coréia e no Vietnã, os EUA recorreram a um nível assombroso de violência militar. Mas sua capacidade de utilizar todo o peso de seu poder militar - especialmente o uso de armas nucleares (ao qual os Estados Unidos recorreram em 1945 contra o Japão) - foi em grande parte determinada pelas restrições impostas pela existência da União Soviética. Os Estados Unidos não podiam excluir a possibilidade de uma ação militar ilimitada contra um aliado soviético poder desencadear uma resposta militar do Kremlin com consequências globais potencialmente devastadoras. Esse foi certamente o fator decisivo que levou o Presidente Truman a não iniciar uma a guerra nuclear contra a China em 1950, o Presidente Kennedy a não invadir Cuba em 1962 e os Presidentes Johnson e Nixon a não lançarem bombas nucleares sobre o Vietnã do Norte.

28. As principais iniciativas de reforma nos Estados Unidos e na Europa Ocidental foram profundamente afetadas pelas consequências políticas e sociais decorrentes da Revolução de Outubro. O estabelecimento da sozialmarktwirtschaft (economia social de mercado) na Alemanha e do Serviço Nacional de Saúde no Reino Unido, assim como muitas outras formas de estados de bem-estar social que surgiram após a Segunda Guerra Mundial, foram todos produtos dos abalos da Revolução de Outubro. Dentro dos Estados Unidos, a extensão do New Deal na forma da Grande Sociedade dos anos 1960 foi a manifestação deste mesmo processo. De todas as iniciativas empreendidas pela Grande Sociedade, a introdução do Medicare e, posteriormente, do Medicaid, foram as mais significativas. Ambas se tornariam, nos anos seguintes de reação política, alvos de ataques implacáveis tanto do partido Republicano quanto do Democrata.

29. A ruptura dos arranjos políticos internacionais e nacionais da ordem do pós-guerra foi produto da crise e fraqueza do capitalismo, não de sua força. O declínio de longo prazo da posição econômica global dos Estados Unidos, refletido na constante deterioração de sua balança comercial e de pagamentos, atingiu um ponto de crise no final dos anos 1960. O aumento da inflação e a pressão sobre o orçamento nacional foram vistos como alertas de que os Estados Unidos não poderiam financiar simultaneamente guerras no exterior e reformas sociais em casa. A militância crescente da classe trabalhadora, um processo internacional, ameaçou escapar do controle dos partidos reformistas e dos sindicatos. A decisão de 1971 dos Estados Unidos de acabar com o sistema de Bretton Woods, estabelecido em 1944 e baseado na convertibilidade dólar-ouro, marcou o fim das políticas reformistas nacionais e o início de um novo período de reação social capitalista.

30. A União Soviética e seus “Estados tampão” do Leste Europeu não estavam isentos da crise crescente do reformismo de base nacional. O desenvolvimento e a crescente complexidade da economia soviética tornaram seu sistema de planejamento nacional cada vez mais inviável. Ele exigia acesso aos recursos da economia mundial, mas isso só poderia ser alcançado de duas maneiras: ou através da derrubada do capitalismo e da reorganização da economia mundial numa base socialista; ou através da integração da economia soviética nas estruturas do capitalismo mundial. A última via exigiria o desmantelamento da indústria nacionalizada, o abandono do monopólio estatal sobre o comércio exterior, a criação de um mercado de trabalho e a remoção das restrições à propriedade privada e à acumulação de riqueza pessoal.

31. A primeira via foi absolutamente incompatível com os interesses da burocracia soviética. A defesa de seus privilégios materiais dependia intrinsecamente da política de “coexistência pacífica” com o imperialismo, que era um outro nome para o antigo programa stalinista de “socialismo em um só país”. Assim, a via escolhida pelo regime stalinista foi o repúdio final de toda a herança econômica e social progressista da Revolução de Outubro. O resultado dessa monstruosa traição foi trágico não apenas para a população soviética. Ela abriu o caminho para um ataque global a todos os avanços progressistas feitos pela classe trabalhadora no decorrer do século XX. A resposta brutal da classe dominante à pandemia só pode ser compreendida nesse contexto histórico.

A dissolução da União Soviética e o impacto social de 30 anos de reação capitalista

32. Já se passaram 30 anos desde a dissolução da União Soviética, em dezembro de 1991. A decisão do regime stalinista liderado por Mikhail Gorbachev de restaurar a propriedade privada dos meios de produção foi saudada pela classe dominante como o triunfo histórico decisivo e irreversível do capitalismo. Alguns até declararam o “fim da história”. O fim da URSS, afirmaram, provou que a democracia burguesa, baseada no capitalismo e no sistema de Estados-nação, representava o auge do progresso humano. O desafio colocado pelo socialismo ao capitalismo havia sido derrotado para sempre.

33. Essa interpretação ilusória da história foi baseada em dois equívocos fundamentais: o primeiro era que o stalinismo soviético tinha alguma coisa a ver com o socialismo e o marxismo; o segundo era que o fim do regime stalinista significava a transcendência e a resolução da crise histórica do capitalismo.

34. Em maio de 1990, quando os Estados stalinistas da Europa Oriental estavam iniciando o processo de liquidação das relações de propriedade nacionalizadas, e enquanto Gorbachev conduzia políticas que culminariam na dissolução da União Soviética, o Comitê Internacional da Quarta Internacional discutia as implicações desses desenvolvimentos para a perspectiva da revolução socialista. Um relatório para a 10a Plenária do CIQI explicou:

Há duas interpretações possíveis que podem ser dadas aos acontecimentos na Europa Oriental. Pode-se dizer que isso representa um triunfo histórico do capitalismo sobre o socialismo; que a classe trabalhadora sofreu uma enorme derrota histórica; que a perspectiva do socialismo chegou essencialmente à ruína, e que nós estamos no limiar de todo um novo período de desenvolvimento capitalista. Ou - e este é, naturalmente, o ponto de vista do Comitê Internacional, que nos distingue de todas as outras tendências - que a ruptura da ordem imperialista do pós-guerra abre um período de profundo desequilíbrio que será resolvido internacionalmente no curso de lutas políticas e sociais de massas; que o que predomina hoje é um nível de instabilidade inigualável em qualquer época desde os anos 1930. [5]

35. Três décadas depois, não há dúvida sobre qual das possíveis interpretações da dissolução da União Soviética se mostrou correta. Longe do sistema capitalista superar as suas contradições e iniciar uma nova época de progresso, as últimas três décadas têm sido caracterizadas pelo crescimento extremo da desigualdade social, uma série de guerras de agressão imperialistas intermináveis e em expansão e a escalada do colapso das formas democráticas de governo. Todas essas tendências foram aceleradas ao longo dos dois anos da pandemia.

O gigantesco crescimento da desigualdade social

36. A oligarquia financeira tem usado a pandemia para roubar como nunca antes havia roubado. Sancionada pela Lei CARES, aprovada de forma esmagadoramente bipartidária em março de 2020, o Federal Reserve dos EUA inundou Wall Street com trilhões de dólares em dinheiro. De acordo com a revista Forbes, os bilionários americanos detinham uma riqueza conjunta de 3,4 trilhões de dólares no início de 2020, já uma quantia assombrosa. Dois anos depois, essa riqueza cresceu para 5,3 trilhões de dólares - um aumento de mais de 1,8 trilhão de dólares durante a pandemia.

37. A mesma política tem sido implementada em todos os principais países capitalistas. De acordo com um artigo publicado no Financial Times em 28 de dezembro, “Companies raise over $12tn in ‘blockbuster’ year for global capital markets”, as corporações globais

levantaram o recorde de 12,1 bilhões de dólares em 2021 vendendo ações, emitindo dívidas e concedendo novos empréstimos, com uma enxurrada de estímulos do banco central e a rápida recuperação da pandemia impulsionando muitos mercados globais.

A poucos dias do final do ano, a arrecadação de fundos já subiu quase 17% desde o início de 2020, que foi um ano histórico, e quase 25% em relação a 2019, antes da crise do coronavírus, de acordo com cálculos do Financial Times baseados em dados da Refinitiv. O ritmo feroz da captação de recursos destaca como as condições financeiras são fáceis em muitas partes do mundo, principalmente nos EUA, onde foram captados mais de 5 bilhões de dólares.

38. O corolário para o resgate dos mercados financeiros é o imperativo de que os trabalhadores permaneçam no local de trabalho produzindo lucros, e que seus filhos sejam enviados de volta à escola para contrair e propagar o vírus. É essa lógica de classe que tem conduzido a política da classe dominante em relação à pandemia, seja na forma da promoção aberta da infecção em massa ou da estratégia de apenas vacinar a população promovida pelo governo Biden.

A erupção global do imperialismo americano

39. Além dos interesses predatórios da classe dominante, uma resposta racional e científica à pandemia foi bloqueada pela divisão do mundo em Estados-nação concorrentes. A pandemia é, por sua própria natureza, um problema global que só pode ser tratado com base na colaboração internacional. Isso tem sido impossibilitado pelos conflitos nacionais e geopolíticos entre as principais potências capitalistas.

40. A dissolução da União Soviética há três décadas foi seguida por uma série interminável de guerras, lideradas pelo imperialismo americano, no Oriente Médio e na Ásia Central. Na última década, os Estados Unidos transferiram os objetivos de seu planejamento de guerra cada vez mais diretamente para o que veem como seus principais rivais geopolíticos, acima de tudo, a Rússia e a China.

41. As ameaças militaristas se intensificaram durante os dois anos da pandemia. O ano de 2002 está começando com o governo Biden liderando uma escalada militar imprudente apoiada pela OTAN na Ucrânia, estimulando o governo ucraniano de direita a destacar 125.000 soldados para sua fronteira com a Rússia e alertando o presidente russo Vladimir Putin que os EUA não “aceitarão as linhas vermelhas de ninguém”. Longe de conter o regime ucraniano, o governo Biden parece ter a intenção de encorajar um confronto militar. Em dezembro, o senador democrata Chris Murphy ameaçou dizendo que “a Ucrânia pode se tornar o próximo Afeganistão para a Rússia se optarem em ir mais longe”.

42. Mas as provocações contra a Rússia, por mais perigosas que sejam, são em grande parte impulsionadas pela determinação dos Estados Unidos em bloquear o que veem como ameaça à sua posição hegemônica global por parte da China. A possibilidade, mesmo a inevitabilidade, de guerra com a China é um tema dominante no establishment da política externa dos EUA e na mídia. Os Estados Unidos estão aumentando suas denúncias contra a China por supostas violações aos direitos humanos e “genocídio” contra os Uigures. A militarização sistemática do Mar do Sul da China e o cerco em torno da China continuam.

43. A pandemia intensificou o perigo de guerra. Um fator importante e crescente na situação mundial é a tendência de os Estados Unidos e seus aliados imperialistas na Europa e na Ásia-Pacífico encararem a guerra como um meio de desviar a atenção das consequências desastrosas de suas políticas internas e de fixar a população em um inimigo externo. Essa tem sido certamente a motivação por trás da “Mentira sobre o Laboratório de Wuhan”, que afirma, desafiando evidências bem documentadas, que a pandemia foi causada por um vazamento ou pela criação criminosa de um patógeno mortal.

O colapso da democracia

44. Finalmente, a pandemia acelerou enormemente o colapso das formas democráticas de governo, uma vez que a oligarquia financeira implementou uma política que levou à morte milhões de pessoas. Durante o primeiro ano da pandemia, organizações fascistas mobilizadas pelo governo Trump foram utilizadas como ponta de lança para a campanha contra os lockdowns e todas as medidas de saúde pública necessárias para conter o vírus. No período que antecedeu as eleições de 2020, enquanto corpos de vítimas da COVID-19 eram empilhados, Trump se engajou numa conspiração sistemática para subverter o resultado da eleição e derrubar a Constituição.

45. As conspirações de Trump culminaram na tentativa de golpe fascista de 6 de janeiro de 2021, um ponto de inflexão na história política dos Estados Unidos. Depois de alegar falsamente que a vitória de Biden nas eleições foi o produto de uma fraude, Trump e o estrategista fascista Stephen Bannon organizaram uma rede de membros republicanos do Congresso e mobilizaram paramilitares fascistas com o objetivo de interromper a certificação da eleição pelo Colégio Eleitoral. Na perspectiva de 7 de janeiro, o WSWS escreveu:

A exaltação antiga da invencibilidade e da atemporalidade da democracia americana foi totalmente exposta e desacreditada, mostrando ser um mito político. A frase popular “Não Pode Acontecer Aqui”, tirada do título do famoso relato ficcional de Sinclair Lewis sobre a ascensão do fascismo americano, foi decisivamente superada pelos acontecimentos. Não só um golpe fascista pode acontecer aqui, como aconteceu na tarde de 6 de janeiro de 2021.

46. Mesmo enquanto o Partido Republicano está se transformando cada vez mais em um partido abertamente fascista, os democratas, de Joe Biden a Alexandria Ocasio-Cortez, continuam a se referir a eles como “nossos colegas”, com Biden declarando em 8 de janeiro: “Precisamos de um Partido Republicano que seja forte e de princípios”. Enquanto Trump foi deixado sozinho para traçar seus próximos passos de seu palácio da Flórida, seus aliados do congresso ainda ocupam seus postos. Os preparativos para privar milhões de eleitores do direito do voto em futuras eleições estão avançados em muitos estados.

47. Trump, além disso, faz parte de um processo internacional, que inclui a promoção de partidos e figuras fascistoides - AfD na Alemanha, Vox na Espanha, Modi na Índia e Bolsonaro no Brasil - e a elevação universal da extrema direita em países de todo o mundo.

A pandemia e a luta de classes global

48. A experiência dos últimos dois anos demonstra que o fim da pandemia será alcançado não apenas através de medidas médicas. A saída do que é fundamentalmente uma crise social exige uma luta política para a reorganização do mundo sobre uma base econômica e social diferente. Todos os apelos ao Estado capitalista para uma mudança de política fracassarão. A implementação de uma resposta científica e progressista à pandemia só é possível na medida em que essas políticas encontrem o fundamento social necessário em um movimento de massas da classe trabalhadora em escala global.

49. Mas quais são as perspectivas para o desenvolvimento de tal movimento de massas? Na verdade, ele já está em andamento. Em 2019, no ano anterior ao início da pandemia, a luta de classes e o protesto social explodiram em todo o mundo. Nesse ano, foram realizadas enormes manifestações e greves no México, Porto Rico, Equador, Colômbia, Chile, França, Espanha, Argélia, Reino Unido, Líbano, Iraque, Irã, Sudão, Quênia, África do Sul e Índia. Nos Estados Unidos, os trabalhadores da General Motors lançaram a primeira greve nacional da indústria automotiva em mais de 40 anos.

50. A pandemia global interrompeu o curso “normal” da luta de classes. Durante suas etapas iniciais, aconteceram paralisações e greves selvagens na Itália, nos EUA e em outros países que forçaram o fechamento temporário de fábricas. Com a ajuda crítica dos sindicatos, porém, os trabalhadores foram enviados de volta ao trabalho, e as escolas foram reabertas, impulsionando o grande aumento de casos e mortes.

51. A supressão temporária da oposição da classe trabalhadora deu lugar, entretanto, a um poderoso ressurgimento da luta de classes. No ano passado, houve uma série de grandes batalhas de classe, que expressavam toda a raiva e a oposição tanto à própria pandemia quanto às consequências econômicas e sociais da resposta da classe dominante a ela, incluindo, quando o ano chegou ao fim, uma inflação crescente de bens de consumo básicos.

52. Foram realizadas grandes greves nos EUA por mineiros no Alabama, enfermeiros em Nova York, Massachusetts e Minnesota, trabalhadores da Volvo Trucks na Virgínia, trabalhadores da John Deere e da Kellogg’s no Meio-Oeste e estudantes de pós-graduação da Universidade de Columbia e de outros campi, além de paralisações e protestos de professores e trabalhadores de farmácias.

53. Em todo o mundo, no ano passado, aconteceram greves e protestos envolvendo 170.000 metalúrgicos na África do Sul, dezenas de milhares de trabalhadores do transporte e da indústria automotiva na Índia e 50.000 trabalhadores da saúde e dezenas de milhares de funcionários públicos no Sri Lanka. Milhares de trabalhadores do setor de energia na Turquia realizaram uma greve selvagem, assim como milhares de trabalhadores da saúde pública e mineiros no Chile. Na França, enormes protestos foram realizados por trabalhadores da saúde contra as condições terríveis nos hospitais. Em outubro, a mãe britânica Lisa Diaz iniciou os protestos #SchoolStrike contra as condições inseguras nas escolas que ganharam amplo apoio internacional.

54. Neste início de 2022, com o surto descontrolado da variante Ômicron, há um movimento crescente de professores para exigir o fechamento de escolas e de trabalhadores para parar a produção não essencial em fábricas e locais de trabalho que são vetores de propagação da doença. A decisão do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA de reduzir o período de quarentena de 10 dias para cinco - uma medida que foi ditada pelas grandes corporações - produziu um grau colossal de raiva e oposição social.

A Aliança Operária Internacional de Comitês de Base

55. A luta de classes é objetiva, surgindo do caráter da sociedade capitalista e da resposta da classe dominante à pandemia. Bilhões de trabalhadores internacionalmente não vão aceitar passivamente o fato de que a morte de milhões de pessoas poderia ter sido completamente evitada.

56. Este processo objetivo deve receber uma forma organizacional, e deve ser tornado politicamente consciente. No ano passado, o Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI) lançou duas importantes iniciativas em resposta à pandemia: a Aliança Operária Internacional de Comitês de Base (AOI-CB) e a Investigação Mundial dos Trabalhadores sobre a Pandemia de COVID-19.

57. A AOI-CB foi lançada em abril de 2021, quando o número global de mortes por causa da pandemia era de mais de três milhões. A necessidade da AOI-CB surge do fato de que os trabalhadores não têm organizações que representem seus interesses. Seja explicitamente de direita ou nominalmente de “esquerda”, todos os partidos e organizações políticas em todos os principais países capitalistas implementaram uma política de infecção e morte em massa e rejeitaram as medidas exigidas pelos cientistas e funcionários da saúde pública para deter a pandemia.

58. Quanto aos sindicatos, eles têm, nos EUA e em todos os países, trabalhado durante décadas para suprimir a luta de classes e impor as exigências das corporações. Durante a pandemia, eles desempenharam um papel crítico na aplicação da política homicida da classe dominante, forçando os trabalhadores a trabalhar em condições inseguras.

59. Ao lançar a AOI-CB, o CIQI explicou:

A AOI-CB irá trabalhar para desenvolver a estrutura de novas formas de organizações de base independentes, democráticas e militantes de trabalhadores em fábricas, escolas e locais de trabalho em escala internacional. A classe trabalhadora está pronta para lutar. Mas está acorrentada por organizações burocráticas reacionárias que reprimem toda a expressão de resistência.

Ela será um meio pelo qual os trabalhadores do mundo inteiro poderão compartilhar informações e organizar uma luta em conjunto para exigir medidas de proteção, o fechamento de instalações inseguras e o da produção não essencial, e outras medidas de emergência que são necessárias para deter a propagação do vírus.

60. A AOI-CB se baseia numa luta contra todos os esforços para dividir a classe trabalhadora através das inúmeras formas de chauvinismo nacional, étnico e racial e políticas de identidade. A pandemia é uma crise global, afetando todos os trabalhadores. Ela expõe da maneira mais reacionária todos os esforços, promovidos pela pseudoesquerda, para elevar raça e gênero como categorias sociais fundamentais e para minar a luta pela unificação de todos os trabalhadores com base em seus interesses comuns de classe.

A Investigação Mundial dos Trabalhadores sobre a Pandemia de COVID-19 e a luta pela erradicação do SARS-CoV-2

61. Em 21 de novembro, o World Socialist Web Site iniciou a Investigação Mundial dos Trabalhadores sobre a Pandemia de COVID-19. A investigação é necessária para expor o encobrimento, as falsificações e as informações falsas que foram empregadas e continuam a ser empregadas para justificar as políticas responsáveis por mortes evitáveis de milhões de pessoas em decorrência da pandemia.

62. O chamado para a realização da investigação surgiu de uma colaboração entre o World Socialist Web Site e os principais cientistas e epidemiologistas para lutar pela eliminação global do SARS-CoV-2. Isso incluiu dois webinários internacionais, em 22 de agosto e 24 de outubro, fornecendo informações científicas detalhadas provando a necessidade e viabilidade de uma estratégia de eliminação global. Ao introduzir o webinário de 24 de outubro, o WSWS definiu os princípios sobre os quais a luta para acabar com a pandemia deve se basear:

1. O alvo do SARS-CoV-2 - o vírus que causa a COVID-19 - não são indivíduos, mas sociedades inteiras. A transmissão do vírus se dá para atingir a infecção em massa. O SARS-CoV-2 evolui biologicamente para atingir bilhões, e, ao fazê-lo, matar milhões.

2. Assim, a única estratégia eficaz é baseada em uma campanha globalmente coordenada visando a eliminação do vírus em cada continente, em cada região e em cada país. Não existe uma solução nacional eficaz para esta pandemia. Pessoas de todas as raças, etnias e nacionalidades - devem enfrentar e superar este desafio através de um vasto esforço global coletivo e verdadeiramente altruísta.

3. As políticas seguidas por praticamente todos os governos desde o início da pandemia devem ser repudiadas. A subordinação daquilo que deveria ser a prioridade inquestionável da política social - a proteção da vida humana em detrimento dos interesses de lucro corporativo e da acumulação de riqueza privada - não pode continuar.

4. A iniciativa de dar uma virada decisiva a uma estratégia voltada para a eliminação global deve vir de um movimento socialmente consciente de milhões de pessoas.

5. Este movimento global deve se basear em pesquisas científicas. A perseguição aos cientistas - muitos dos quais trabalham sob ameaças ao seu sustento e até mesmo à sua vida - deve acabar. A eliminação global do vírus requer a aliança de trabalho mais próxima entre a classe trabalhadora - a grande massa da sociedade - e a comunidade científica.

63. Em sua declaração de lançamento da investigação, o WSWS explicou que a estratégia de somente vacinar a população, o ponto focal da política da classe dominante nos principais países capitalistas ao longo do ano passado, havia falhado. Além de a maioria do mundo ainda não estar completamente vacinada, “Os cientistas têm alertado repetidamente que a infecção contínua em massa em meio à lenta aplicação de vacinas cria pressões evolutivas que ameaçam produzir uma variante resistente à vacina”, escreveu o WSWS. Apenas quatro dias depois, esse alerta foi confirmado com o anúncio da detecção da variante Ômicron.

64. Em cinco semanas desde seu início, a investigação começou a reunir depoimentos de cientistas e de trabalhadores sobre as causas e as consequências da catástrofe em curso. A investigação é vitalmente necessária para armar a classe trabalhadora com uma compreensão do que aconteceu e do que deve ser feito agora para finalmente acabar com a pandemia de uma vez por todas.

As tarefas do Comitê Internacional da Quarta Internacional

65. No início do terceiro ano da pandemia, está claro que a classe dominante está seguindo uma política para tornar a COVID-19 uma doença endêmica, ou seja, permitir que o vírus permaneça se propagando permanentemente na sociedade. Não há limite para o número de mortos que a classe dominante tolerará quando se trata de preservar sua riqueza e manter o sistema de lucro. Mas as massas de trabalhadores não vão aceitar passivamente o fato de que milhões de pessoas morreram de uma pandemia evitável e que milhões continuam a morrer a cada ano.

66. Mesmo antes da pandemia, as condições objetivas para a revolução socialista já tinham se desenvolvido a um grau extraordinário. No início de 2020, em uma declaração revisando o aprofundamento da crise econômica, política, geopolítica e social que se desenvolveu durante a década anterior, o World Socialist Web Siteescreveu que “a chegada do Ano Novo marca o início de uma década de intensificação da luta de classes e da revolução socialista mundial”.

No futuro, quando os historiadores escreverem sobre os levantes do século XXI, eles enumerarão todos os sinais “óbvios” que existiam, no início da década de 2020, da tempestade revolucionária que logo varreria o mundo. Os estudiosos - com uma grande variedade de fatos, documentos, gráficos, publicações em sites e redes sociais e outras formas de valiosas informações digitalizadas à sua disposição - descreverão os anos 2010 como um período de insolúvel crise econômica, social e política do sistema capitalista mundial.

67.Ou seja, as contradições centrais do sistema capitalista mundial - entre a economia global e o sistema de Estados-nação, e entre a produção socializada e a propriedade privada dos meios de produção - criaram as condições para lutas de massas e revolucionárias.

68. O desenvolvimento de uma situação revolucionária, entretanto, envolve dois elementos: as contradições objetivas da velha sociedade, e a consciência e organização política das massas - o fator subjetivo. Mas a interação dos fatores objetivos e subjetivos é complexa. “A sociedade não muda as instituições conforme a necessidade surge, da maneira como um mecânico muda seus instrumentos”, explicou Trotsky em sua monumental História da Revolução Russa.

São necessárias condições totalmente excepcionais, independentes da vontade das pessoas e dos partidos, para romper com o descontentamento dos grilhões do conservadorismo e levar as massas à insurreição.

As rápidas mudanças de opinião e de humor das massas em uma época de revolução derivam, assim, não da flexibilidade e mobilidade da mente humana, mas, justamente do contrário, de seu profundo conservadorismo. O atraso crônico de ideias e relações por trás das novas condições objetivas, até o momento em que essas se chocam com as pessoas em forma de catástrofe, é o que cria em um período de revolução aquele sobressalto de ideias e paixões que parece à mente policial um mero resultado das atividades dos “demagogos”. [6]

69. A pandemia - que expôs a obsolescência e o caráter irremediavelmente reacionário do sistema capitalista mundial, suas instituições políticas e a estrutura de classe - é a catástrofe que não só está provocando greves e outras formas de protesto social, mas também mudando profundamente a consciência da classe trabalhadora e da juventude. A classe dominante lamenta hipocritamente o fechamento de escolas, que há décadas têm sido subfinanciadas, com falta de funcionários e superlotadas. Não é a ausência de educação formal que teme. Os governos capitalistas sabem que enquanto estiveram fora das escolas, os jovens não pararam de pensar. A pandemia tem proporcionado uma educação própria, pondo a nu a natureza da sociedade capitalista.

70. Mas à medida que a consciência passa por uma profunda mudança, permanece a questão da direção revolucionária. A consciência socialista - ou seja, a compreensão científica da sociedade capitalista e do programa político necessário para a transformação da sociedade - não surge espontânea ou automaticamente. A transição da crise objetiva para um movimento político consciente pelo socialismo é o grande desafio do nosso tempo.

71. Quando a humanidade é confrontada com grandes questões sociais, nada é mais fútil, para não dizer inútil, do que a especulação passiva sobre o que pode ou não ser alcançado. Nunca houve um período de crise em que o caminho para o progresso tenha sido traçado em linha reta. Em tais momentos históricos, como observou certa vez Lincoln, “a ocasião está cheia de dificuldades”. A mera reclamação de uma luta ativa contra a impotência e a traição direta dos sindicatos e dos antigos ex-reformistas e ex- liberais partidos capitalistas é uma distração das tarefas sérias em mãos. Essas organizações, seus representantes e cúmplices estão apodrecidos por completo.

72. Não há saída para o desastre atual, muito menos para as iminentes catástrofes do fascismo, da guerra e dos danos ecológicos irreversíveis ao planeta, exceto através de uma luta determinada e inabalável.

73. O marxismo, baseado no materialismo histórico, compreende muito bem os processos governados por leis que dão origem a verdadeiros movimentos revolucionários de massas. Mas esta compreensão dos processos objetivos e da necessidade de ação das massas nunca foi uma desculpa para a passividade individual. Os indivíduos tomam decisões, incluindo a decisão de se opor à desigualdade, à injustiça e à opressão. Nunca houve, e nunca poderá haver, um grande movimento revolucionário de massas sem que os indivíduos tomem a decisão consciente de lutar.

74. Portanto, ao se iniciar este ano, fazemos um chamado aos trabalhadores e à juventude para que tirem as lições políticas necessárias e inevitáveis dos dois últimos anos de crise - e, na verdade, da história. O capitalismo se condenou a si mesmo. O futuro da humanidade depende da vitória do socialismo. Junte-se a esta luta. Construa a Aliança Operária Internacional de Comitês de Base! Participe da Investigação Mundial dos Trabalhadores sobre a Pandemia de COVID-19! Ajude a expandir a circulação do World Socialist Web Site! Acima de tudo, tome a decisão de se juntar ao Partido Socialista pela Igualdade e de construir o Comitê Internacional da Quarta Internacional como o Partido Mundial da Revolução Socialista!

Para se envolver nessa luta, entre em contato conosco.

Referências

[1] George Rosen. A History of Public Health. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1958. p. xxxix.

[2] “Social Stress and Mental Disease from the Eighteenth Century to the Present: Some Origins of Social Psychiatry”. In: The Milbank Memorial Fund Quarterly, Janeiro de 1959, Vol. 37, No. 1, p. 9.

[3] Leon Trotsky. The Permanent Revolution. Seattle: Red Letter Press, 2010. p. 313.

[4] Nick Fischer. Spider Web: The Birth of American Anticommunism. Urbana: University of Illinois Press, 2016. p. 8.

[5] David North. Workers League Internal Bulletin: 10th Plenum of the ICFI. Maio de 1990. p. 13.

[6] Leon Trotsky. The History of the Russian Revolution. London: Pluto Press, 1977. p. 18.

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