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Onda de greves explode em Portugal contra inflação e pobreza crescente

Publicado originalmente em 27 de março de 2023

Uma poderosa explosão da luta de classes está emergindo em Portugal. Uma categoria de trabalhadores após a outra está se mobilizando com várias delas convocando greves.

Protesto de professores em Lisboa, Portugal, em janeiro de 2023 [Photo: Maureen Danovsky, M. Ed @MaureenDano]

As greves estão acontecendo em meio a uma enorme mobilização contra a austeridade e a inflação realizada por milhões de trabalhadores em toda a Europa. Na França, atual epicentro da luta, está se desenvolvendo um confronto revolucionário entre a classe trabalhadora e o governo do presidente Emmanuel Macron. Na Alemanha, centenas de milhares estão realizando paralisações no setor público e ameaçando entrar em greve, uma ação que os sindicatos procuram desesperadamente impedir. Na Bélgica, funcionários públicos realizaram uma greve nacional em 10 de março. Na Holanda, praticamente todas as semanas desde janeiro os trabalhadores tem lutado por melhores salários, condições de trabalho e de vida, com a última greve acontecendo entre 200.000 profissionais de saúde no país.

Em Portugal, greves de professores estão ocorrendo desde novembro por causa dos baixos salários e precárias condições de trabalho. A raiva deles explodiu na enorme marcha de 11 de fevereiro, que levou 150.000 pessoas às ruas de Lisboa e aconteceu após um protesto que reuniu 100.000 manifestantes em janeiro. Essas manifestações já são consideradas as maiores desde que a Revolução dos Cravos derrubou o regime de extrema-direita de Salazar em 1974.

Em fevereiro e março, os ferroviários da Comboios de Portugal paralisaram centenas de trens, e continuarão em greve durante todo o mês de abril. Desde 15 de fevereiro, uma greve ainda em curso de servidores públicos no judiciário forçou o adiamento de mais de 21.000 julgamentos e inquéritos judiciais.

Em 6 de abril, os trabalhadores da Infraestruturas de Portugal, que gere as ferrovias e estradas, irão entrar em greve por melhores salários após terem realizado greves em 29 de fevereiro e 2 de março. Os trabalhadores da receita também estão realizando greve parciais, paralisando as três primeiras e as três últimas horas da jornada de trabalho.

A indústria aérea também está sendo chocalhada por greves. Os tripulantes da companhia aérea britânica de baixo custo EasyJet farão uma greve de três dias por melhores salários diante do alto custo de vida. O Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC) disse que a greve foi aprovada por 277 votos a favor e apenas 1 contra. Os pilotos da TAP Air Portugal também convocaram uma greve durante as férias da Páscoa, entre 7 e 10 de abril, para restabelecer as condições de trabalho retiradas em 2021 pelo governo do Partido Socialista (PS). O aviso prévio da greve foi aprovado pelos pilotos com 515 votos, o que corresponde a 87% dos votantes.

A magnitude desta nova onda de greve foi confirmada pelos dados divulgados pela Direção Geral de Emprego, que indicam que em janeiro o número de avisos de greve quadruplicou em relação ao mesmo mês do ano anterior (204 a 51).

O governo português do PS está enfrentando cada vez mais uma situação parecida com a da França. Neste contexto, como Macron, o primeiro-ministro do PS, António Costa, está recorrendo à repressão em massa contra as greves. Ele está exigindo que os trabalhadores cumpram serviços mínimos ou ameaçando proibir totalmente algumas greves, como a por tempo indeterminado do Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (STOP) ou a do Sindicato dos Oficiais de Justiça que o conselho consultivo da Procuradoria Geral já considerou ilegal.

Na semana passada, o governo anunciou uma série de medidas no valor de 2,5 bilhões de euros que pouco farão para ajudar os trabalhadores a lidar com a inflação crescente e as altas taxas de juros. As medidas incluem a eliminação do imposto sobre o valor agregado (IVA) de produtos alimentícios essenciais ainda a ser discutida com as grandes cadeias de varejo, 140 milhões de euros em apoio aos agricultores, bem como um subsídio mensal adicional irrisório de 30 euros para as famílias de baixa renda e mais 15 euros por criança. Também aumentará os salários dos funcionários públicos em 1%, cujos salários aumentaram em média 3,6% no ano passado, ainda muito abaixo da inflação de 8,2%.

A origem da onda de greves é a mesma da que está acontecendo em toda a Europa e internacionalmente como uma resposta ao colapso das condições de vida. Em todos os lugares, a classe dominante alega que não pode fazer concessões enquanto financia resgates bancários e vastos orçamentos militares para impulsionar a guerra que a OTAN está travando contra a Rússia na Ucrânia.

As burocracias sindicais, no entanto, não oferecem nenhuma alternativa. Em Portugal, tanto a socialdemocrata União Geral dos Trabalhadores (UGT) como a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP), a maior central sindical ligada ao stalinista Partido Comunista Português (PCP), estão estrangulando a crescente oposição.

Elas estão convocando greves de um dia de forma descoordenada, ou convocando-as por região, categoria ou mesmo realizando paralisações por uma hora, evitando a todo custo paralisar a economia e derrubar o governo do PS. Sistematicamente, essas centrais sindicais cancelam rapidamente as greves, como foi feito com a greve dos funcionários da Televisão Independente (TVI) forçados a aceitar um aumento salarial de 5,3% enquanto a inflação de fevereiro ficou em 8,3%.

Para aliviar a enorme a pressão, a CGTP convocou uma manifestação em 18 de março que reuniu dezenas de milhares de trabalhadores em Lisboa exigindo medidas para limitar os preços de produtos básicos e conter a inflação. Essa é uma estratégia das burocracias sindicais para esgotar os trabalhadores realizando greves e protestos de um dia. O stalinista PCP e o partido pequeno-burguês Bloco de Esquerda (BE), que apoiou essa convocação, também colaboram com elas.

Seus líderes agiram com hipocrisia durante a manifestação. O secretário geral do PCP, Paulo Raimundo, disse que o emprego deve ser acompanhado de direitos e salários “que é com o que as contas são pagas”. A líder do BE, Catarina Martins, reclamou impotentemente que o governo não está cumprindo seus compromissos, pois “respeitar aqueles que trabalham significa atualizar os salários e congelar os preços”.

O fato de que essas forças aplicaram as mesmas políticas de austeridade durante anos que agora estão criticando está sendo totalmente ignorado. Entre 2015 e janeiro de 2022, elas apoiaram o Partido Socialista até o PS obter a maioria absoluta no parlamento. Durante esses anos, juntamente com o PS, aplicaram uma agenda de políticas de direita e de austeridade em linha com a que era realizada anteriormente pelo direitista Partido Social Democrata (PSD). Em 2019, enquanto o PS contava com o apoio do PCP e do BE, o governo do PS mobilizou o exército para quebrar uma greve de caminhoneiros em todo o país.

O governo manteve as leis trabalhistas impostas pela União Europeia (UE) à medida que a grande maioria dos empregos criados eram precários e os salários reais continuavam em declínio. Metade dos trabalhadores recebeu menos de 1.000 euros por mês em 2022, uma porcentagem que sobe para 65% entre os jovens com menos de 30 anos. A saúde e a educação continuam se deteriorando devido aos cortes, enquanto hospitais e escolas estão arruinados por causa da falta de enfermeiros e professores. Mesmo antes da greve, muitos estudantes estavam sem aulas devido à falta de professores.

A recuperação econômica foi em grande parte baseada no turismo, o que alimentou uma bolha imobiliária. Em cidades como Lisboa, é impossível encontrar até mesmo um quarto por menos de 600 euros por mês.

As políticas direitas do PCP e do BE empobreceram os trabalhadores enquanto enriqueceram as grandes corporações que estão obtendo lucros recorde. Quinze grandes empresas listadas na Bolsa de Valores de Lisboa recentemente pagaram 2,5 bilhões de euros em dividendos a seus proprietários, um recorde histórico.

Essas forças também intervieram para denunciar as lutas dos trabalhadores que se opõem ao governo do PS. Em 2019, quando começaram as greves contra o governo do PS, a líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, defendeu a adoção de medidas antigreve, declarando que, “Em certos setores fundamentais, é compreensível que haja níveis mínimos de serviço”. Os líderes do PCP criticaram greves como as dos transportes, justificando a repressão militar do PS à greve dos caminhoneiros.

O PCP e o BE representam a mesma via direitista e reacionária de outros grupos pseudoesquerdistas na Europa, como o Partido A Esquerda na Alemanha, o Novo Partido Anticapitalista (NPA) e a França Insubmissa de Jean-Luc Mélenchon na França, o Podemos na Espanha e o Syriza na Grécia. O caminho a seguir para os trabalhadores é romper com essas forças pequeno-burguesas e as burocracias sindicais, construindo comitês democraticamente eleitos em cada local de trabalho que podem unificar greves e protestos não apenas em Portugal, mas em toda a Europa e internacionalmente.

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