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TSE declara ex-presidente fascistoide Bolsonaro inelegível

No último dia 30 de junho, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) concluiu a votação do primeiro de 16 indiciamentos do ex-presidente fascistoide Jair Bolsonaro, condenando-o a oito anos de inelegibilidade.

Jair Bolsonaro [Photo: Tânia Rêgo/Agência Brasil]

A ação julgada centrou-se na reunião convocada por Bolsonaro em 18 de julho de 2022 com embaixadores estrangeiros em Brasília, na qual ele atacou as urnas eletrônicas brasileiras e promoveu o Exército como garantidor da integridade do processo eleitoral através de uma “contagem paralela” de votos, independente do TSE. Bolsonaro afirmou categoricamente que seria impossível auditar as urnas eletrônicas brasileiras, o que desqualificaria o TSE como árbitro da legitimidade das eleições, exigindo a intervenção das Forças Armadas.

Bolsonaro foi condenado por abuso de poder político e econômico para fins eleitorais, com o TSE entendendo que a reunião visava usar a estrutura da Presidência da República para mobilizar a base eleitoral do presidente.

Tal condenação visa a resolver, da forma mais oportunista, pragmática e antidemocrática possível, a crise intratável do capitalismo e da democracia burguesa no Brasil, indissoluvelmente ligadas à marcha mundial do capitalismo rumo a uma Terceira Guerra Mundial nuclear, e é tão ineficaz quanto perigosa.

Em primeiro lugar, dizer que Bolsonaro usou a reunião com embaixadores para “fins eleitorais” é uma completa subestimação do ocorrido. A reunião foi parte de uma longa preparação para um golpe de estado que culminou na violência fascista de 8 de janeiro de 2023, na qual seus apoiadores tentaram forçar, por um ataque generalizado às sedes dos três poderes constitucionais, a intervenção das Forças Armadas.

Além disso, como já havia mostrado a intensa articulação política de representantes do próprio Partido dos Trabalhadores (PT), do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com embaixadores estrangeiros, reforçado pelos recentes relatos do Financial Times sobre as intensas discussões diplomáticas com os EUA, a arena diplomática era um terreno crucial da disputa eleitoral brasileira. Tal disputa deu-se pelas costas da população, uma vez que os principais candidatos, Bolsonaro e Lula, apresentavam-se ao capital internacional como os mais capazes de impor a austeridade exigida pela preparação global para a guerra.

Tendo ganho, pelo menos temporariamente, a confiança dos senhores imperialistas, o PT dedica-se agora a reabilitar o sistema político brasileiro tentando convencer a população de que o período das ameaças fascistas vocalizadas por Bolsonaro não passou de um raio em céu azul, e tudo pode voltar à normalidade se o ex-presidente for retirado do que o PT chama de “jogo eleitoral”. O objetivo desta manobra política é evitar que os trabalhadores compreendam a dimensão da ameaça fascista e suas causas na crise do capitalismo brasileiro e mundial.

A condenação eleitoral de Bolsonaro cumpre um papel fundamental neste processo, uma vez que alega, como enfatizou o relator no TSE, ministro Benedito Gonçalves, que a articulação golpista foi de caráter meramente eleitoral e, o mais importante, de caráter “personalíssimo”. Isso absolve o Partido Liberal de Bolsonaro e outras figuras-chave, especialmente os militares, da conspiração.

É significativo que o Tribunal tenha absolvido unanimemente o general Walter Braga Neto, companheiro de chapa de Bolsonaro e seu ex-Ministro da Defesa e da Casa Civil, com base na mesma alegação de que Bolsonaro agiu sozinho na articulação da reunião. No mesmo sentido, Gonçalves citou o também ex-Ministro-Chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, e depoentes do Ministério das Relações Exteriores para enfatizar que Bolsonaro agiu sozinho. Todos alegaram oposição à reunião, o que para o TSE reforça seu caráter ilegal ao mesmo tempo em que concentra a culpa exclusivamente em Bolsonaro.

Ao tentar minimizar a gravidade da conspiração golpista reduzindo-a a uma articulação eleitoreira, a sentença contra Bolsonaro abre precedentes extremamente antidemocráticos. Recusando-se a explicar como a reunião resultou em vantagem especificamente eleitoral para Bolsonaro, o ministro-relator Gonçalves alegou que os impactos eleitorais seriam irrelevantes, bastando que Bolsonaro tivesse os buscado. Isso foi acompanhado pela maioria dos ministros do TSE. Um documento crucial, a chamada “minuta do golpe” encontrado com o ex-Ministro da Justiça de Bolsonaro, Anderson Torres, que previa medidas de exceção para anular o poder do TSE e estabelecer um governo provisório militar, foi anexado ao processo e citado sem conexão com o “impacto eleitoral”, uma vez que claramente fazia parte de uma conspiração muito mais ampla que o tribunal ignorou.

Deste modo, o balanço final do julgamento é que um punhado de juízes não-eleitos cassou os direitos políticos de um candidato à presidência como base em atos cujo impacto alegadamente não pode ser avaliado – um precedente que pode e será usado de forma ainda mais arbitrária contra os direitos políticos daqueles que desafiarem o sistema político pela esquerda.

Enquanto isso, o PT e a imprensa burguesa comemoraram a sentença como o “renascimento” de uma direita depois de Bolsonaro no país, oferecendo legitimidade a todos os seus co-conspiradores. De forma tão utópica como politicamente criminosa, a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, comemorou a sentença como “pedagógica e educativa”, acrescentando que “a extrema direita tem que saber que, para participar da política, tem que ser no processo democrático”.

A imprensa acompanhou o tom triunfante do partido do governo, com o Globo editorializando que a “Decisão do TSE abre caminho à direita civilizada” e o Estado de S. Paulo igualmente vaticinando em editorial “a reinvenção da direita brasileira.”

É inegável que a condenação de Bolsonaro por parte dos juízes do TSE carrega um componente de autodefesa, dada a incitação do ex-presidente de atacar as cortes, frequentemente feita ao lado de elementos fascistas que prometeram sequestrar e executar os juízes, entre outros opositores do ex-presidente. Da mesma forma pode ser compreendida a reação das frações da burguesia representadas pelos jornais que comemoram a “reinvenção da direita” brasileira e pelo próprio PT.

No entanto, todas essas frações, sem exceção, temem a classe trabalhadora brasileira infinitamente mais do que a ameaça fascista. A burguesia brasileira está consciente de que preside um barril de pólvora social e um dos países mais desiguais do planeta, e que não dispõe mais de nenhuma via de desenvolvimento, mesmo que temporário, como o “boom das commodities” que permitiu aliviar momentaneamente as tensões sociais nos primeiros governos do PT.

Com a crise econômica que impulsionou a burguesia a expulsar do poder a última presidente pelo PT, Dilma Rousseff, no impeachment fraudulento de 2016, a classe dominante do país engajou-se em uma brutal espiral de austeridade que não pode ser imposta por meios democráticos. O surgimento das forças fascistas sob a liderança de Bolsonaro responde à necessidade objetiva da preparação para um confronto inevitável e decisivo com a classe trabalhadora.

Longe de oferecer qualquer alternativa a esta situação, o novo governo Lula tem como único programa a imposição de austeridade sob o “novo arcabouço fiscal”, ao mesmo tempo em que engaja-se em uma política externa para tentar equilibrar-se entre tentativas de extrair concessões de curto prazo dos países imperialistas europeus e dos EUA e manter uma relação próxima com a China e a Rússia.

Neste contexto, a burguesia teme que a revelação dos crimes de Bolsonaro precipite um confronto da classe trabalhadora com todo o establishment político brasileiro, inclusive o PT, para o qual não está preparada. Além dos indiciamentos eleitorais, Bolsonaro é investigado por inúmeros outros crimes, particularmente aqueles cometidos durante a pandemia de COVID-19. Julgá-los e eventualmente condenar Bolsonaro poderia abrir o caminho para o mesmo acontecer com todos aqueles que levaram adiante a política de “imunidade de rebanho” para colocar os lucros acima das vidas humanas durante a pandemia.

A tentativa de resolver a crise política por meio do tribunal eleitoral pode ainda fortalecer o próprio Bolsonaro e o movimento fascista que está desenvolvendo, uma vez que o caráter antidemocrático e frágil de sua condenação será explorado tanto para que pose de vítima de uma perseguição judicial como para ele contestá-la.

Essa tentativa também encarna a incapacidade e o medo do PT de fazer qualquer apelo à classe trabalhadora por apoio. Pelo contrário, o PT e toda a classe dominante buscam fortalecer o Estado burguês, especialmente suas instituições mais protegidas do precário controle popular oferecido pelas eleições, como o TSE e o Supremo Tribunal Federal (STF).

Nada poderia ser mais representativo desta hostilidade à população do que o endeusamento do asqueroso presidente do STF e do TSE, o ministro Alexandre de Moraes. Nomeado para o STF por Michel Temer, sucessor de Dilma na presidência, ele é responsável por um inquérito “secreto” sem qualquer controle sobre a disseminação de “notícias falsas” pelos apoiadores de Bolsonaro.

Foi com base nesses poderes, e sem qualquer discussão pública no Congresso, que Moraes ordenou a prisão de assessores próximos de Bolsonaro e do ex-ministro Anderson Torres, com quem foi encontrado o plano para anular os poderes do TSE citado pelo relator da inelegibilidade de Bolsonaro.

Recentemente, o Ministro da Justiça de Lula, o ex-membro do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Flávio Dino, declarou de forma completamente desmoralizada e ignorando os trabalhadores em nome dos quais seu governo finge falar que “se não fosse o Supremo, estaríamos no exílio”. E acrescentou sobre Moraes e seus “superpoderes” que “suas decisões têm sido respaldadas pelo plenário.”

Os fascistas têm plena consciência de que as medidas de Moraes e dos tribunais não impedirão sua marcha. É o segredo mais mal guardado da república que o Partido Liberal de Bolsonaro considera sua condenação um trunfo político, que pode reforçar o apelo populista do partido ao retratar o presidente como “vítima das elites”.

O fato de que Bolsonaro, como Donald Trump nos EUA e outras figuras de extrema direita odiados pelo mundo, possa posar de opositor das elites é uma prova cabal da falência política das organizações nominalmente democráticas, “progressistas” e que falam em nome dos trabalhadores, como o PT. O caminho para a classe trabalhadora no combate à austeridade e à guinada autoritária provocada por ela é a ruptura com tais organizações e a mobilização para superar a causa da guerra, austeridade e do fascismo: o sistema capitalista.

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