Português

Venezuela reivindica território rico em petróleo na Guiana e Pentágono realiza operação aérea

Publicado originalmente em 8 de dezembro de 2023

Em um discurso na terça-feira, 5 de dezembro, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, apresentou o novo mapa oficial do país, incluindo o Essequibo, uma área do tamanho da Grécia que representa dois terços do território reivindicado pela vizinha Guiana. Ele anunciou planos “imediatos” para explorar os grandes depósitos de petróleo, gás e minerais da região.

Rio Essequibo em destaque [Photo: WikiCommons]

O discurso foi realizado após um referendo no domingo no qual, de acordo com as autoridades venezuelanas, mais de 95% votaram a favor da transformação do território em um novo estado venezuelano, rejeitando uma decisão judicial contestada de 1899 em Paris que traçou a fronteira existente e se opondo à jurisdição da Corte Internacional de Justiça.

“Agora nós realmente vamos recuperar os direitos históricos da Venezuela na Guiana Essequiba”, proclamou Maduro.

Antes do referendo, a CIJ, administrada pela ONU, tinha determinado que a Venezuela não tomasse qualquer medida até que a decisão sobre a disputa de fronteira fosse definida, o que, segundo informações, poderia levar anos.

Durante séculos, a disputa de fronteira foi motivada pela ambição das autoridades coloniais britânicas na Guiana Britânica de controlar os depósitos de ouro encontrados no que era o vice-reinado espanhol de Nova Granada e, posteriormente, Grande Colômbia.

No final do século XIX, como a nova potência imperialista na região, o governo americano de Grover Cleveland apoiou a reivindicação venezuelana contra o Reino Unido antes da decisão da arbitragem internacional de 1899, que decidiu a favor do Reino Unido em meio a evidências de cumplicidade pró-britânica dos juízes.

Depois de uma série de golpes e conspirações do MI5 e da CIA contra o nacionalista burguês Cheddi Jagan e seu Partido Popular Progressista - na época orientado para as direções stalinista e castrista -, foi concedida a “independência” da Guiana em 1966.

Hoje, os depósitos de petróleo encontrados apenas em 2015 na costa do Essequibo e um contexto global marcado por preparativos para uma nova redivisão do mundo por meio da guerra reacenderam a disputa de fronteira sobre as selvas remotas e pouco povoadas a oeste do Rio Essequibo, que a Venezuela considera sua fronteira natural.

O governo Biden respondeu inicialmente ao referendo fingindo ser um espectador pacífico, com o Departamento de Estado dos EUA pedindo “uma resolução pacífica da disputa”, ao mesmo tempo em que hipocritamente pediu à Venezuela que respeitasse a decisão de 1899.

Desde o seu nascimento, no entanto, a Guiana tem sido tratada pelo imperialismo dos EUA como um enclave governado por fantoches de corporações transnacionais, como evidenciado pelo odiado acordo em 2019 para permitir que um consórcio liderado pelo conglomerado americano ExxonMobil fique com 50% dos lucros de seu bloco de petróleo em alto-mar de Stabroek.

O imperialismo americano tem sido o principal responsável por alimentar as tensões nos últimos anos, fortalecendo o minúsculo exército guianense, em grande parte voluntário, e principalmente por meio do envio frequente de tropas americanas para a Guiana e para as águas do Caribe reivindicadas pela Venezuela, supostamente para “exercícios”.

Os governos Obama, Trump e agora Biden, por sua vez, impuseram um regime de sanções devastador com o objetivo de provocar uma derrubada militar do governo de Maduro. Combinadas com uma queda nos preços do petróleo, corrupção e má administração, as sanções mergulharam a Venezuela em uma crise que encolheu a economia em mais de 80% e provocou um êxodo de mais de 7 milhões de venezuelanos.

Na ação mais provocativa até o momento, o Comando Sul dos EUA realizou uma operação aérea sobre a Guiana na quinta-feira, enquanto publicava uma declaração afirmando manter “seu compromisso como parceiro de segurança confiável da Guiana”.

Isso aconteceu pouco depois de o presidente da Guiana, Irfaan Ali, ter denunciado Maduro por tentar anexar o território e ter pedido aos EUA que ajudassem a “dissuadir” a Venezuela.

Mesmo com Washington apoiando e armando a limpeza étnica da Palestina por Israel, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, insistiu em uma ligação com Ali na quinta-feira que ele poderia contar com o “apoio inabalável dos Estados Unidos em relação à soberania da Guiana”.

Em meio à sua guerra por procuração contra a Rússia na Ucrânia e ao apoio a Israel como parte dos planos para uma guerra mais ampla no Oriente Médio, o governo Biden está ansioso para garantir o bloco de Stabroek, que está produzindo 600.000 barris por dia (bpd) de petróleo e deve dobrar essa quantidade até 2027. Em comparação, a Venezuela está produzindo menos de 800.000 bpd.

De forma mais ampla, o imperialismo dos EUA busca manter os principais recursos da região, especialmente os maiores depósitos de petróleo do mundo no Vale do Orinoco, na Venezuela, fora das mãos de seus principais rivais geopolíticos, a China e a Rússia.

Como resumiu em outubro a chefe do Comando Sul dos EUA, Laura Richardson, algumas semanas após uma visita à Guiana:

Preocupo-me com a extração desses recursos dessas reservas de petróleo bruto pesado [e] petróleo bruto leve e doce que foram descobertos nas costas da Guiana, a maior economia em crescimento, com previsão de crescimento de 25% do PIB para a Guiana nos próximos 25 anos. Temos 60% do lítio do mundo no triângulo do lítio, Argentina, Bolívia, Chile, além de cobre e ouro. Temos a Amazônia. Portanto, os recursos são muito ricos. E quando analisamos a concorrência estratégica globalmente, mas também neste hemisfério, queremos ter certeza de que os adversários e competidores estratégicos não estão tentando ir lá por motivos nefastos para extrair. Este hemisfério tem o potencial de alimentar e abastecer o mundo.

Por sua vez, o governo Maduro está respondendo tanto à crescente oposição social vinda de baixo, em meio a uma crise econômica e humanitária cada vez mais profunda, quanto às pressões intensificadas do imperialismo dos EUA.

Os governos Maduro e Biden chegaram a um acordo em outubro para uma licença que permitisse à Venezuela vender petróleo, gás e ouro em troca da libertação dos chamados “presos políticos” e da permissão para que os candidatos da oposição apoiados pelos EUA concorressem nas eleições gerais de 2024. Embora Washington tenha dito que Maduro tinha até o final de novembro para cumprir essas condições, o Departamento de Estado dos EUA declarou nesta semana que as condições não foram cumpridas, mas as licenças permanecem válidas, sugerindo que negociações estão em andamento.

Por trás da retórica nacionalista de defender a “Pátria” e dos apelos à “unidade nacional”, o regime de Maduro fala em nome de uma seção da classe dominante venezuelana que espera chegar a um novo acordo com o imperialismo dos EUA sobre como dividir os lucros da exploração dos trabalhadores venezuelanos. Ele procura usar seus laços com a China e a Rússia como alavanca para isso, conforme demonstrado pelos planos de Maduro de visitar Moscou no final deste mês e pelo fato de a Venezuela ter continuado a exportar a maior parte de seu petróleo para a China apesar das sanções dos EUA.

Nesse processo, no entanto, Maduro está seguindo o mesmo caminho reacionário do governo Putin ao invadir a Ucrânia em 2022 ou do governo iraquiano de Saddam Hussein ao invadir o Kuwait em 1990, que o imperialismo americano explorou para realizar operações militares há muito planejadas contra seus alvos.

Apesar das ameaças do Pentágono, as Forças Armadas Bolivarianas da Venezuela começaram os preparativos explícitos para uma tomada militar do território, incluindo a construção de estradas e pontes no extremo norte da fronteira, enquanto Maduro disse que as empresas que operam em Essequibo têm três meses para sair. Na quinta-feira, o ministro da Defesa venezuelano, Vladimir Padrino, anunciou a designação de generais que estarão encarregados pela “Zona Operacional para a Defesa Integral da Guiana Essequiba”.

Notavelmente, o governo brasileiro de Lula da Silva realizou seu próprio fortalecimento militar ao longo de suas fronteiras com a Venezuela e a Guiana. Representando as ambições de poder regional da oligarquia brasileira, Lula está efetivamente alertando Caracas de que precisa de sua permissão para agir.

Como demonstrado pela história da Guiana e por disputas semelhantes em toda a América do Sul desde os tempos coloniais, é por meio de fronteiras e Estados nacionais que o imperialismo explora os trabalhadores e camponeses e controla os recursos, com a ajuda das elites dominantes locais.

Expondo as pretensões pan-sul-americanas de Hugo Chávez e seu bolivarianismo, que uma vez foram combinadas com reformas sociais limitadas, o beco sem saída de todos os movimentos nacionalistas burgueses está sendo claramente revelado pelo desenvolvimento da crise do capitalismo global, com a América Latina sendo cada vez mais arrastada para uma Terceira Guerra Mundial.

A única resposta progressista é a mobilização independente dos trabalhadores na Venezuela, na Guiana e em toda a região, contra o capitalismo e seus Estados nacionais obsoletos e pelo estabelecimento dos Estados Unidos Socialistas das Américas.

Loading