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Mais de um milhão de trabalhadores se manifestam durante greve geral contra Milei na Argentina

Publicado originalmente em 26 de janeiro de 2024

A Confederação de Trabalhadores Argentinos (CGT), o principal sindicato na Argentina, convocou a primeira greve geral desde 2019 na quarta-feira, em uma tentativa de conter a revolta social em massa pelas medidas de “terapia de choque” implementadas pelo presidente fascista Javier Milei.

Trabalhadores em Santa Fe, Argentina em passeata contra ameaças de Milei à educação pública [Photo by TitiNicola/Wikimedia Commons / CC BY-SA 4.0]

Em apenas algumas semanas, o governo de Milei desvalorizou intensamente a moeda, impôs um decreto executivo com mais de 300 medidas e apresentou um projeto de lei abrangente com mais de 600 artigos, incluindo poderes ditatoriais sob um “estado de emergência” que permitiria a proibição de reuniões de três ou mais pessoas, com punições de até seis anos de prisão.

Conforme delineado durante um discurso fascista aplaudido no Fórum Econômico Mundial na semana passada, Milei deseja estabelecer um precedente para o mundo inteiro, voltando o relógio para antes de 1916, quando os proprietários de plantações e de gado governavam como aristocratas em Buenos Aires e as forças imperialistas que controlavam bancos, ferrovias e comércio eram “livres” para administrar a sociedade como quisessem.

A partir do meio-dia, cerca de 5 milhões de trabalhadores entraram em greve, fechando o transporte público, postos de gasolina, clínicas, escritórios, bancos, algumas fábricas e outros locais de trabalho em todo o país. (As escolas estão no período de férias).

Os manifestantes preencheram a Praça do Congresso e a Avenida de Mayo, em Buenos Aires, enquanto dezenas de milhares se reuniram em Rosário, Córdoba, Corrientes, Mendoza, Tucumán, Mar del Plata, Paraná, Ushuaia e Salta – cidades onde Milei obteve milhões de votos.

A CGT estima que 600 mil pessoas se manifestaram em Buenos Aires – superando em muito a expectativa de 100 mil pessoas – e 1,5 milhão no total em toda a Argentina.

Após afirmar absurdamente que os números não ultrapassavam 40 mil pessoas em Buenos Aires, a ministra de Segurança, Patricia Bullrich, tuitou com nervosismo: “Nenhuma greve pode nos deter. Nenhuma ameaça pode nos intimidar”.

Apesar dos grandes contingentes de policiais e gendarmes procurando provocar a multidão, eles foram vencidos pelo número de pessoas e não conseguiram implementar o novo “protocolo antiprotesto” que proíbe o bloqueio de estradas.

Trabalhadores e jovens zombaram de Bullrich e denunciaram a “ditadura” de Milei. Um professor disse ao C5N: “Acima de tudo, estou aqui porque não tenho dinheiro para nada. Meu salário foi desvalorizado em quase 50%”.

Um servidor público da saúde da cidade de Moreno disse: “Sou contra o congelamento de salários; a redução do governo. Eu trabalho fornecendo suprimentos médicos, como bolsas de ostomia, remédios e assim por diante, e estamos ficando sem compras de coisas das quais as pessoas dependem”.

Milhares de funcionários públicos foram demitidos. Os preços do gás, do transporte público e dos remédios dobraram; a carne está inacessível; e o preço de um botijão de gás de cozinha saltou de US$ 5,34 para US$ 16,64. Alguns economistas já esperam inflação de 400% este ano. A fome, as doenças e a miséria estão se agravando muito, e quase metade da população já vivia na pobreza quando Milei assumiu o poder. Dezenas de empresas estatais estão agendadas para serem privatizadas.

Conforme sinalizado inclusive pela demanda generalizada por uma greve geral indefinida “até que Milei caia”, uma crise pré-revolucionária está se desenvolvendo.

Porém, a massiva vontade de luta e o corajoso desafio à repressão policial contrastaram palpavelmente com a passividade e a traição da liderança sindical, que é controlada pelo peronismo, o movimento nacionalista burguês fundado por Juan Domingo Perón, que governou em 1946-1955 e 1973-74. 

A CGT e as outras burocracias sindicais peronistas e de pseudoesquerda estão seguindo o mesmo roteiro que utilizaram por décadas. Eles dirigiram seus apelos ao congresso, aos governadores e aos tribunais e limitaram a greve a apenas 12 horas para afetar a burguesia o mínimo possível. Todas as tentativas foram feitas para encobrir o caráter capitalista do Estado e do partido peronista e sua hostilidade objetiva à classe trabalhadora.

Falando do palco, Pablo Moyano, que liderou o Sindicato dos Caminhoneiros por décadas com seu pai, declarou: “Um peronista não pode votar nisso”. Entre outros slogans, ele gritou: “Vocês não podem trair o peronismo”; “A pátria não pode ser vendida”.

O fato é que a liderança peronista votou a favor e impôs inúmeros ataques sobre os trabalhadores. Milei disse muitas vezes que “o melhor presidente da Argentina foi Carlos Menem”, o peronista que lançou uma onda de privatizações e cortes sociais durante a década de 1990. De fato, a CGT utilizou o mesmo tipo de curtas greves espetaculosas e demagogia nacionalista durante o levante em massa contra o governo de Raul Alfonsín para canalizar a oposição para a eleição de Menem. Hoje, Milei deve sua eleição a uma esmagadora revolta popular contra o histórico pró-austeridade e pró-imperialista do peronismo.

O mais fundamental é que o surgimento do levante em massa contra Milei está ocorrendo como parte de um movimento global da classe trabalhadora contra o fascismo, a guerra, a austeridade e a desigualdade social.

Nos últimos meses, milhões de pessoas protestaram globalmente contra o genocídio dos palestinos em Gaza pelo regime israelense de Benjamin Netanyahu, apoiado pelos EUA. No último fim de semana, mais de um milhão de pessoas se manifestaram em toda a Alemanha contra o partido fascista Alternativa para a Alemanha (AfD) e seus ataques planejados contra os refugiados, enquanto os agricultores da Alemanha e da França estão realizando grandes protestos contra a austeridade da UE.

Esse contexto coloca imediatamente a questão de tornar os trabalhadores argentinos conscientes do caráter global objetivo de suas lutas e da necessidade de se organizarem independentemente de todos os políticos e burocracias nacionalistas, ao mesmo tempo em que realizam um ataque frontal à causa raiz da ditadura, da guerra, do fascismo e da austeridade: o sistema capitalista global.

Enquanto isso, as pretensões nacionais reformistas e anti-imperialistas do peronismo entraram em total colapso, criando condições extremamente favoráveis para a realização dessa luta. 

No entanto, precisamente por causa desse contexto, os grupos de pseudoesquerda da classe média organizados dentro ou em torno da chamada Frente de Esquerda e dos Trabalhadores (FIT-U) estão redobrando seus esforços para bloquear um movimento independente do peronismo.

Ao mesmo tempo em que usam como disfarce pequenas manifestações em solidariedade à greve geral organizadas por seus parceiros em várias cidades do mundo – meras operações para autopromoção em frente aos prédios consulares argentinos, sem qualquer orientação para a classe trabalhadora – a FIT-U de pseudoesquerda argentina avançou em uma perspectiva totalmente nacionalista em resposta ao emergente movimento contra Milei.

Foram os partidos da FIT-U, que lideravam vários sindicatos e organizações locais, que construíram de forma mais agressiva a ampla participação na greve de 24 de janeiro, mas isso não foi para mobilizar os trabalhadores que, de outra forma, seriam passivos, mas para garantir que o já emergente levante permanecesse sob o controle da CGT. As suas publicações aplaudiam a CGT por ter convocado a greve de 12 horas e lançavam slogans exigindo que a mesma burocracia sindical expandisse a greve e apresentasse um “plano de luta”.

Conforme explicado pela publicação do morenista Partido dos Trabalhadores Socialistas (PTS), La Izquierda Diario, em 13 de janeiro, ocorreram nessas semanas “cacerolazos ininterruptos e espalhados, assembleias em várias cidades, vilas e municípios... centenas de estudantes em grupos do WhatsApp e assembleias online...”

Ao invés de incentivar esse movimento espontâneo de massa a se libertar do aparato peronista, o PTS – e outros grupos com formulações semelhantes – pediram para intervir em todas as “assembléias populares e de bairro que estão sendo formadas” e levá-las a apoiar a greve da CGT. Eles chamaram por “comitês de ação”, mas apenas como um meio de “criar volumes de forças para se tornarem mais fortes a cada luta parcial e para impor a frente única às lideranças sindicais e sociais. A partir daí, continuaremos ‘fazendo greve juntos’...”. (nossa ênfase)

Os predecessores pablistas e morenistas da FIT-U se tornaram apêndices do movimento peronista desde o início da década de 1950 e ajudaram a desarmar politicamente a classe trabalhadora antes do golpe de 1976, apoiado pelos EUA, que instalou uma brutal ditadura fascista-militar, cujo legado Milei defende até hoje.

As tentativas da pseudoesquerda de subordinar os trabalhadores ao peronismo abriram novamente o caminho para a extrema direita, e seus esforços contínuos para reviver o cadáver do peronismo só irão facilitar a implementação do programa fascista de Milei.

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