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Ativistas anti-COVID no Brasil denunciam política de “COVID para sempre” do governo Lula

Parte 1: “A prática mostra que não vai vir nada do governo Lula”

O Brasil está enfrentando uma nova onda da pandemia de COVID-19 impulsionada pela propagação sem controle da variante mais infecciosa e resistente às vacinas JN.1 da Ômicron. Os casos e mortes aumentaram, respectivamente, 56% e 28% nas últimas duas semanas, com a semana de 25 de fevereiro a 2 de março registrando 70 mil casos e 253 mortes, números que são enormemente subestimados.

Ativistas brasileiros anti-COVID do projeto “Qual Máscara?”, idealizado por Beatriz Klimeck, distribuindo máscaras PFF2 e conscientizando a população sobre a transmissão aérea do novo coronavírus [Photo: @qualmascara]

Embora muitos daqueles que votaram em Luiz Inácio Lula da Silva na eleição presidencial de 2022 estivessem esperando uma mudança em relação à política aberta de “imunidade de rebanho” implementada pelo governo do ex-presidente fascistoide Jair Bolsonaro (2019-2022), o novo governo do Partido dos Trabalhadores (PT) está continuando e aprofundando essa política.

No final de fevereiro, o World Socialist Web Site conversou com quatro ativistas anti-COVID no Brasil, que têm se manifestado principalmente no X/Twitter, denunciando e exigindo que o governo Lula implemente medidas de saúde pública baseadas na ciência.

Diante do silêncio da mídia e de governos sobre a pandemia e, particularmente, os efeitos debilitantes associados à COVID longa, no X/Twitter e em outras redes sociais eles puderam aprender mais sobre os aspectos científicos da pandemia e da COVID, trocar informações e se juntar a outras milhares de pessoas em todo o mundo ainda preocupadas com uma pandemia que está longe de acabar.

A segunda parte da entrevista será publicada amanhã.

“As pessoas estão absolutamente no escuro”

A advogada Juliana Stamm realizou um intenso trabalho no início da pandemia para cadastrar centenas de pessoas em situação de rua no programa de auxílio emergencial do governo Bolsonaro. Durante o governo Lula, diante do “blackout de dados” e outras medidas negligenciadas, ela passou a realizar uma série de questionamentos sobre a pandemia ao governo federal via lei de acesso à informação.

Uma das informações solicitadas foi sobre a quantidade de testes realizados: “[No ano passado] eu fiz uma pergunta via lei de acesso à informação, [e disseram] que em 2021 nós tivemos 21 milhões de testes PCR feitos e reportados. Em 2022, nós tivemos 6 milhões e até setembro de 2023 foram menos de 1,8 milhão de testes feitos.”

No final de fevereiro de 2023, logo depois da posse de Lula e em meio a uma onda no Brasil, o governo do PT acabou com a divulgação de dados diários da pandemia, que passaram a ser semanais. O apagão em relação à pandemia também se manifesta, segundo Juliana, pela descontinuidade do monitoramento do SARS-CoV-2 na água de esgoto: “No governo Bolsonaro, por pior que fosse, e ele foi um desastre, existia um insípido programa junto da Agência Nacional de Águas de monitoramento de esgoto, bem pontuais, era coisa de meia dúzia de pontos no Brasil. O último relatório de água de esgoto foi de novembro de 2022.”

Ela continuou: “Eu pensei: o programa já existe, ele vai ser retomado e vai ser aprimorado no governo Lula porque é tudo que a gente precisa. E perguntei, via lei de acesso à informação: o que foi feito desse programa e que será feito com ele? E a resposta que eu recebi foi hilária. Eles disseram que de fato foi uma medida que se mostrou muito eficaz na vigilância epidemiológica do SARS-CoV-2, mas que se aguardava autorização de superiores para ser reimplementada. Isso foi em junho e até agora a gente não tem nada. E a qualidade das informações só foi caindo, tanto que exames de COVID passaram a ser reportados como síndrome respiratória aguda grave. Então, a qualidade da informação foi piorando.”

Concluindo, Juliana disse: “Já que a política que se instalou é de você por você mesmo, então que pelo menos houvesse transparência de dados para que a gente pudesse fazer uma avaliação das circunstâncias. Isso no Brasil é absolutamente inexistente. As pessoas estão absolutamente no escuro.”

“A prática mostra que não vai vir nada do governo Lula”

Beatriz Klimeck, que no final do ano passado concluiu uma tese de doutorado sobre a negligência da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a transmissão por aerossol do novo coronavírus e hoje faz seu pós-doutorado na Universidade da Califórnia em São Diego sobre qualidade do ar, acredita ainda que, em relação ao monitoramento da pandemia, “o que foi feito [pelo governo Bolsonaro] teria sido feito [pelo governo Lula]”. Segundo ela, “se teve monitoramento [durante o governo Bolsonaro], tinha estrutura para isso. Eu não vejo um cenário que poderia ter sido tão diferente. Por quê? Porque a retomada em vários lugares foi muito igual.”

De fato, particularmente a partir da segunda onda mortal da pandemia no início de 2021, os governos de todas as colorações políticas reabriram os negócios e escolas de maneira indiscriminada. Isso inclui os governos estaduais do PT no Nordeste, que no início da pandemia aplicaram medidas limitadas para frear a propagação do novo coronavírus, mas depois abandonaram qualquer esforço nesse sentido.

Sobre a vacinação, Beatriz comentou que “A gente, por exemplo, não vê o Lula tomando ou falando da dose de reforço”, ou ele e outros membros do governo, como a ministra da saúde Nísia Trindade, usando máscara.

“Nas campanhas do governo, só existe uma recomendação para idosos e pessoas do grupo de risco usar máscara. Não tem uma pessoa do governo fazendo isso... Como eles vão falar de qualidade do ar se não tem um aparelho purificador? Como a gente vai esperar que a gente faça uma campanha de qualidade do ar se os eventos continuam acontecendo em lugares lotados, sem máscara e sem ventilação. A prática mostra que não vai vir nada daí.”

“O que o governo Lula está fazendo é o mínimo do mínimo”

A designer gráfica Fernanda Giulietti associou a negligência do governo Lula em relação à pandemia a outras áreas, como educação, dizendo: “Eu não sei se esperava muito do governo Lula, não só nessa área, mas em outras. Se a gente for pegar uma das questões da própria saúde, a gente vê o que está acontecendo com o desenrolar da crise dos povos indígenas ianomâmi. Ela teve uma grande repercussão no início do ano passado, e o problema ainda não está resolvido.”

Ela se referiu a um dado assustador que foi publicado no final de fevereiro, mostrando que em 2023, no primeiro ano do governo Lula, o número de ianomâmis mortos (363) foi maior do que em 2022, no último ano do governo Bolsonaro (343).

Na questão indígena, na saúde, na educação e em outras áreas, “o que o governo Lula está fazendo é o mínimo do mínimo”, segundo Fernanda.

Fernando Santos, que foi infectado pela COVID em abril de 2021 e, mesmo tendo tido um caso leve, hoje sofre vários efeitos da COVID longa, exemplificou o que foi apontado pela Fernanda expondo a alegação do governo Lula de seguir o que é recomendado pela OMS: “Eu acho que é uma posição muito cômoda quando o ministério da saúde diz que está seguindo a recomendação da OMS, que é muito ampla e serve para [países muito diferentes como] o Brasil, a Indonésia e os EUA.”

“É muito comum você fazer um recorte de uma recomendação. A OMS também recomenda que se abandone a plataforma da vacina bivalente e utilize a plataforma da vacina monovalente, ela também recomenda que se use máscara em ambientes de saúde. E o Brasil não segue nenhuma dessas recomendações. Em relação à vacinação com a monovalente, o Brasil já está atrasado em relação a países como os EUA e a União Europeia, mas também o Chile e o México. Isso é incoerente.” Ele também lembrou que a vacina bivalente infantil não foi adquirida pelo governo Lula.

“A OMS também fez o mínimo sobre a transmissão da COVID por aerossol”

A OMS cumpriu um papel particularmente criminoso em dois momentos-chave da pandemia: ao negligenciar a transmissão por aerossol da COVID durante os primeiros meses da pandemia e em maio do ano passado, quando declarou sem base científica o fim da Emergência de Saúde Pública de Interesse Internacional pela COVID-19. Essa última decisão foi saudada pela ministra da saúde do governo Lula, Nísia Trindade, em um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão.

A ministra da Saúde do Brasil, Nísia Trindade, com o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, Lula e Jarbas Barbosa, diretor da Organização Pan-Americana da Saúde [Photo: @nisia_trindade]

O estudo que Beatriz realizou em sua tese de doutorado jogou ainda mais luz sobre o caráter criminoso da decisão da OMS. Segundo ela, “todas as decisões relacionadas não só em relação ao uso da máscara, mas também à quantidade de dias de isolamento, [são feitas] dentro da OMS e do CDC como se eles fossem órgãos que estivessem apartados [da sociedade], fossem neutros, que estão para defender os nossos melhores interesses.”

Comparando a postura da OMS com a do ministério da saúde do governo Lula, Beatriz disse: “Quando ela teve que dar o braço a torcer, que na verdade a transmissão era por aerossol, ela fez o mínimo, talvez da mesma maneira que o ministério da saúde do Brasil, que é colocar em algum lugar escondido no seu site. Mas teve uma campanha que era para dizer que [a transmissão] não era [por aerossol], e não teve uma campanha para dizer que não era.”

Particularmente em relação aos protocolos que deveriam ser implementados pelo fato de a COVID ser transmitida por aerossol, Beatriz declarou: “A OMS nunca recomendou o uso de PFF2... principalmente porque assusta. Numa carta de um empresário que eu incluí na minha tese, ele pergunta para o CDC: ‘Vocês vão falar que pega por aerossol, e todos os protocolos de superfície que estão sendo implementados para fazer as pessoas voltarem [a trabalhar]? Isso não pode acontecer, as empresas estão assustadíssimas.’ Nesse sentido, não dá para não pensar em classe, não dá para não pensar em quem toma as decisões e quais são os interesses.”

Para ela, a segurança no trabalho também passa pela qualidade do ar que os trabalhadores respiram. Isso implica numa mudança estrutural: “se a gente está falando de qualidade do ar de forma mais ampla, aí a gente tem que falar de uma mudança estrutural. Com que orçamento? É com o teto de gastos? Está tudo muito conectado com esse interesse que é um interesse também da OMS, também dessas organizações que são pressionadas. Se o CDC mudou o tempo de isolamento para 5 dias porque o presidente da Delta Airlines estava reclamando, a gente imagina outras decisões que acontecem o tempo todo.”

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