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Perspectivas

O desafio do Primeiro de Maio de 2022

Pela unidade internacional da classe trabalhadora contra o capitalismo, o chauvinismo nacional e a guerra!

Este artigo, publicado originalmente em 19 de abril de 2022, estabelece os fundamentos para um chamado à classe trabalhadora internacional contra a guerra imperialista no Dia Internacional do Trabalhador. Para saber mais sobre o Ato Online Internacional de Primeiro de Maio de 2022 organizado pelo WSWS e o Comitê Internacional da Quarta Internacional, que será realizado no próximo domingo, 1˚ de maio, às 16h (horário de Brasília), clique aqui.

A guerra que eclodiu em 24 de fevereiro de 2022 é um evento de significado histórico mundial. Como em todos os grandes conflitos, a questão de “quem disparou o primeiro tiro” é inteiramente secundária. O caráter imprudente, incompetente e desesperado da invasão russa da Ucrânia expõe o caráter politicamente falido e reacionário do regime de Putin, mas não explica as causas mais profundas da guerra.

O início da guerra na Ucrânia era previsto há muito tempo. A expansão implacável da OTAN após a dissolução da União Soviética sempre foi direcionada para uma guerra com a Rússia. A derrubada em fevereiro de 2014 do governo liderado por Viktor Yanukovych, em um golpe organizado e financiado pelos Estados Unidos, foi uma tentativa indiscutível de trazer a Ucrânia para a órbita da OTAN e convertê-la em uma base de lançamento para uma futura guerra contra a Rússia. Como o Comitê Internacional da Quarta Internacional explicou em seu ato de Primeiro de Maio de 2014:

O objetivo deste golpe foi levar ao poder um regime que colocaria a Ucrânia sob o controle direto dos imperialismos americano e alemão. Os conspiradores em Washington e Berlim entenderam que este golpe levaria a um confronto com a Rússia. De fato, longe de procurar evitar um confronto, tanto a Alemanha quanto os Estados Unidos acreditam que um confronto com a Rússia é necessário para a concretização de seus interesses geopolíticos de longo alcance.

Esta guerra, instigada pelas forças dos EUA e da OTAN, já começou. A esmagadora maioria daqueles que ficaram desabrigados, foram feridos ou mesmo mortos não têm nenhuma responsabilidade pelas políticas e decisões que levaram à guerra. Mas o sofrimento das vítimas inocentes está sendo cinicamente explorado não apenas para impedir a exposição dos interesses políticos e econômicos que levaram à guerra, mas também para fomentar o nível de ódio contra a Rússia que é necessário para a escalada do conflito.

De acordo com os órgãos de propaganda dos imperialismos americano e europeu, a invasão russa da Ucrânia chocou a consciência do mundo, que - assim diz a história - vivia felizmente em paz até que o Kremlin lançou seu ataque totalmente não provocado contra seu vizinho inocente.

Que mentira colossal e hipócrita! Durante os últimos trinta anos, os Estados Unidos têm estado continuamente em guerra, instigando conflitos em todo o mundo. Os Estados Unidos - muitas vezes com o apoio direto de seus subordinados da OTAN - bombardearam e/ou invadiram países da Ásia Central, do Oriente Médio, da África, dos Bálcãs e, é claro, do Caribe.

Mesmo que se aceitasse como verdadeiras todas as alegações feitas pelo governo Biden e por uma mídia americana corrupta que regurgita todos os dias as informações passadas pela CIA, a perda de vidas humanas, tanto civis como militares, é várias vezes menor do que nas guerras travadas pelos Estados Unidos. De acordo com o livro The United States of War, de David Vine, professor de antropologia da Universidade Americana:

Estima-se que 755.000 a 786.000 civis e combatentes, de ambos os lados, morreram apenas no Afeganistão, Iraque, Síria, Paquistão e Iêmen desde que as forças dos Estados Unidos começaram a lutar nesses países. Esse número é cerca de cinquenta vezes maior do que o número de mortos nos EUA.

Mas esse é apenas o número de combatentes e civis que morreram em combate. Muitos mais morreram em consequência de doenças, fome e desnutrição causadas pelas guerras e pela destruição dos sistemas de saúde, emprego, saneamento e outras infraestruturas locais. Enquanto estas mortes ainda estão sendo calculadas e debatidas pelos pesquisadores, o total poderia chegar a um mínimo de 3 milhões - cerca de duzentas vezes o número de mortos nos Estados Unidos. Uma estimativa de 4 milhões de mortes pode ser um número mais exato, embora ainda conservador.

Enquanto isso, bairros, cidades e sociedades inteiras foram destruídos pelas guerras lideradas pelos EUA. O número total de feridos e traumatizados se estende às dezenas de milhões. No Afeganistão, pesquisas indicaram que dois terços da população podem ter problemas de saúde mental, com metade sofrendo de ansiedade e um em cada cinco com transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Em 2007, no Iraque, 28% dos jovens estavam desnutridos, metade vivendo em Bagdá tinha testemunhado um grande evento traumático e quase um terço tinha sido diagnosticado com TEPT. Em 2019, mais de 10 milhões de pessoas provavelmente foram obrigadas a deixar suas casas apenas no Afeganistão, Iraque, Iêmen e Líbia, tornando-se refugiados no exterior ou em seus próprios países.

Além dos danos humanos, os custos financeiros das guerras pós-2001 lideradas pelos EUA são tão grandes que são quase incompreensíveis. No final de 2020, os contribuintes americanos já gastaram ou deveriam esperar gastar um mínimo de 6,4 trilhões de dólares nas guerras depois de 2001, incluindo os benefícios dos futuros veteranos e o pagamento de juros sobre o dinheiro emprestado para pagar as guerras. É provável que os custos reais sejam de centenas de bilhões ou trilhões, dependendo de quando estas guerras aparentemente intermináveis realmente terminam. [pp xvii-xix]

Na verdade, não há fim à vista. O anúncio feito por Biden em abril de 2021 de que ele estava terminando a “guerra eterna” no Afeganistão foi uma cobertura cínica para redistribuir estrategicamente as forças militares americanas para um conflito direto com a Rússia e a China.

Todas as guerras das últimas três décadas foram justificadas com mentiras descaradas - das quais a alegação de que o Iraque possuía “armas de destruição em massa” é apenas a mais notória - e em violação direta do direito internacional.

No Julgamento de Crimes de Guerra de Nuremberg de 1946, os líderes nazistas foram julgados e condenados sob a acusação de “crimes contra a paz”, que consistia em travar uma guerra como um instrumento de política de Estado, e não em resposta a uma ameaça imediata ou iminente de ataque militar. As guerras do imperialismo americano enquadram-se na categoria de crimes contra a paz - isto é, guerras lançadas e travadas em busca de objetivos políticos.

O contexto histórico e político mundial do avanço global do imperialismo americano é profundamente relevante para uma compreensão da guerra atual.

A dissolução dos regimes stalinistas na Europa do Leste e, finalmente, da URSS entre 1989 e 1991 eliminou até mesmo as restrições limitadas que haviam sido impostas ao exercício do poder militar americano após a Segunda Guerra Mundial. Como o Presidente George Herbert Walker Bush proclamou ao lançar a primeira guerra contra o Iraque em 1991 - com o apoio de Mikhail Gorbachev quando a União Soviética entrou na fase final de dissolução e restauração capitalista - os Estados Unidos estavam determinados a criar uma “nova ordem mundial”.

Esse projeto foi impulsionado por poderosos imperativos objetivos econômicos e geoestratégicos. Ao contrário das narrativas pós-1991, que retratam os Estados Unidos como o inevitável e triunfante vencedor da Guerra Fria, as décadas que precederam a dissolução da URSS haviam sido um período de acelerado declínio americano.

A supremacia econômica global exercida pelos Estados Unidos em 1945 havia se deteriorado substancialmente durante os anos 1960, 1970 e 1980. A base do domínio econômico mundial americano - a convertibilidade do dólar em ouro à taxa de 35 dólares a onça que havia sido estabelecida na Conferência de Bretton Woods de 1944 - tornou-se insustentável à medida que as balanças comerciais dos EUA se deterioravam. Ela foi repudiada unilateralmente pelos Estados Unidos em agosto de 1971.

A deterioração da posição econômica global foi exacerbada por explosões militantes da luta de classes doméstica, da qual o movimento de massas da classe trabalhadora negra pelos direitos civis foi uma poderosa expressão. Ao mesmo tempo, o esforço sangrento do imperialismo americano para suprimir o movimento anticolonial das massas em todo o mundo - mais brutalmente no Vietnã - levou à radicalização de amplos setores da juventude estudantil e ao surgimento de um imenso movimento antiguerra.

Os anos entre 1960 e 1990 nos Estados Unidos foram caracterizados pela instabilidade política e polarização social. Motins urbanos, movimentos de protesto em massa, assassinatos políticos e longas e violentas greves foram as principais características da realidade americana entre 1960 e 1990.

A crise do regime stalinista na URSS ocorreu ao mesmo tempo que a do imperialismo americano. Não há dúvida de que a União Soviética, tendo saído vitoriosa - embora a um custo humano espantoso - sobre a Alemanha nazista, fez avanços substanciais após a Segunda Guerra Mundial. Mas o paradoxo fundamental e inevitável da União Soviética foi que o crescimento e a crescente complexidade de sua economia intensificaram a crise de todo o sistema stalinista, que se baseava no programa nacionalista do “socialismo em um só país”.

Apesar das impressionantes taxas de crescimento da União Soviética nas duas décadas que se seguiram à guerra, a concepção de um caminho nacional para o socialismo foi contrariada pela realidade objetiva do mercado mundial e da divisão internacional do trabalho. Os desequilíbrios e o baixo nível de produtividade que atormentavam a economia soviética exemplificaram da forma mais extrema a contradição, afetando todos os países, entre a economia mundial e o sistema de Estado-nação.

O desenvolvimento da economia soviética exigiu o acesso aos recursos da economia global. Mas o acesso só poderia ser alcançado de uma entre as duas seguintes maneiras: 1. através do abandono do princípio da planificação, da reintrodução do capitalismo, da dissolução da URSS e de sua integração ao sistema capitalista mundial; ou 2. através da conquista do poder pela classe trabalhadora, sobretudo nos países capitalistas avançados, e, com base nisso, do rompimento das fronteiras nacionais e do desenvolvimento de uma planificação econômica democrática cientificamente orientada em escala global.

Essa última alternativa era impossível no âmbito do regime stalinista. A política nacionalista da União Soviética estava inextricavelmente enraizada nos interesses materiais da burocracia do Kremlin. Seu abuso sistemático de poder era o meio pelo qual mantinha seu acesso privilegiado aos recursos da União Soviética. O Kremlin via com horror o surgimento, dentro da URSS e internacionalmente, de um movimento revolucionário da classe trabalhadora que ameaçava seu domínio sobre o poder.

A morte de Stalin em 1953 gerou ilusões de que o regime do Kremlin iria instituir amplas reformas que realizariam a renovação do socialismo na URSS e seu triunfo internacional. O repúdio à insistência de Trotsky no caráter contrarrevolucionário do stalinismo e na necessidade de uma revolução política foi a marca teórica e política do revisionismo pablista.

Mas a brutal resposta soviética à revolta na Alemanha Oriental em 1953 e à Revolução Húngara de 1956, o massacre de trabalhadores em Novocherkassk em 1962 e a invasão da Tchecoslováquia em 1968 demonstraram com sangue que a burocracia do Kremlin não toleraria um desafio socialista revolucionário ao seu regime.

Quando ficou claro - especialmente no curso do movimento Solidariedade na Polônia em 1980-81 (que inicialmente tinha um genuíno potencial revolucionário) - que o movimento contra a burocracia não podia ser suprimido, o Kremlin começou a buscar ativamente a solução contrarrevolucionária para a crise sistêmica da economia soviética: ou seja, a dissolução da União Soviética e a restauração do capitalismo.

A escolha de Gorbachev como líder do partido em 1985 e a introdução da perestroika marcaram o início da etapa final da contrarrevolução stalinista contra a Revolução de Outubro.

Um elemento essencial da política de Gorbachev foi o repúdio explícito até mesmo da identificação formal da União Soviética com a luta de classes e a oposição ao imperialismo. Em 1989, no livro Perestroika versus Socialismo, o Comitê Internacional explicou:

As características marcantes da nova política externa soviética são o repúdio incondicional ao socialismo internacional como um objetivo de longo prazo da política soviética, a renúncia a qualquer solidariedade política entre a União Soviética e as lutas anti-imperialistas em todo o mundo e a rejeição explícita da luta de classes como um fator relevante na formulação da política externa. As mudanças na política externa soviética estão inseparavelmente ligadas à integração contínua da economia na estrutura do capitalismo mundial. Os objetivos econômicos do Kremlin exigem que a União Soviética renuncie de forma enfática e incondicional a qualquer associação persistente entre sua política externa e a luta de classes e o anti-imperialismo em qualquer forma. Foi por esta razão que Gorbachev escolheu as Nações Unidas como fórum para sua declaração, em dezembro de 1988, de que a Revolução de Outubro de 1917, como a Revolução Francesa de 1789, pertence a outra era histórica e é irrelevante para o mundo moderno.

Artigos aparecem regularmente na imprensa soviética denunciando a política externa dos líderes anteriores do Kremlin, não por sua traição aos interesses do proletariado internacional, mas por ter sido muito hostil aos Estados Unidos. Na medida em que a política externa soviética refletiu qualquer antagonismo em relação ao imperialismo, ela é ridicularizada como uma forma de irracionalismo político. O início da Guerra Fria é agora atribuída não à agressão imperialista, mas à adesão da URSS a uma ideologia dogmática anticapitalista.

A revisão fundamental contrarrevolucionária stalinista do marxismo - a afirmação de que o socialismo poderia ser construído dentro de uma estrutura nacional - foi substituída pelo regime Gorbachev com o argumento não menos fraudulento e ignorante de que a Rússia, uma vez abandonadas suas pretensões socialistas, seria inundada de riquezas e pacificamente integrada nas estruturas do sistema capitalista mundial. A Rússia não tinha nada a temer do imperialismo, que foi descartado como uma mistura ideológica do marxismo. Entre os que mais se manifestaram nesse sentido estava um jovem membro da burocracia soviética, Andrei Kozyrev. Ele escreveu em 1989:

Se olharmos para a burguesia monopolista dos Estados Unidos como um todo, muito poucos de seus grupos, e nenhum dos principais, estão ligados ao militarismo. Não há mais necessidade de falar, por exemplo, sobre uma luta militar por mercados ou matérias-primas, ou pela divisão e redivisão do mundo.

Relendo estas palavras hoje, em meio à catástrofe da guerra dos EUA e da OTAN contra a Rússia, não se pode deixar de ficar surpreso com o nível de engano e auto-ilusão que reinou dentro da burocracia soviética e da nomenklatura ao destruírem imprudentemente a URSS. Mas o engano e a auto-ilusão surgiram a partir dos interesses materiais da burocracia enquanto ela procurava se transformar de uma casta privilegiada em uma classe dominante. Quanto a Kozyrev, ele passou a ser Ministro das Relações Exteriores sob Yeltsin, funcionando como um agente extraoficial do imperialismo americano.

Os Estados Unidos viram a dissolução da União Soviética como uma oportunidade histórica para explorar sua indubitável supremacia militar para compensar seu prolongado declínio econômico. Os EUA utilizariam o “momento unipolar” - a ausência de qualquer concorrente militar à altura - para estabelecer sua indiscutível hegemonia global.

Mas este projeto provou ser mais difícil do que os estrategistas da Casa Branca e do Pentágono esperavam. As guerras instigadas pelos Estados Unidos fracassaram de forma humilhante. Nenhum dos objetivos estratégicos dos Estados Unidos foi alcançado pelos conflitos sangrentos no Oriente Médio e na Ásia Central. Além disso, enquanto os EUA estavam atolados em suas “guerras eternas”, a China emergiu como um grande concorrente econômico e potencialmente militar dos Estados Unidos.

A luta pela hegemonia foi ainda mais prejudicada por uma série de crises econômicas devastadoras. O crash de Wall Street de 2008 levou todo o sistema capitalista mundial à beira do colapso, evitado apenas por um resgate desesperado que exigiu a injeção de trilhões de dólares no sistema financeiro. Mas sem resolver os problemas subjacentes que levaram ao colapso de 2008, foi necessário um resgate ainda maior em 2020 para deter mais um colapso do mercado que havia sido desencadeado pelo surto da pandemia de COVID-19.

A pandemia, que resultou em um milhão de mortes nos Estados Unidos e aproximadamente 20 milhões no mundo todo, expôs a disfuncionalidade do sistema capitalista, que é incapaz de responder de forma progressista a uma grande crise social. A este respeito, não há diferença fundamental entre os regimes em Washington e Moscou. As úlceras gangrenárias na sociedade americana - as mais desiguais do mundo - trouxeram todo o sistema político ao ponto de ruptura. Em 6 de janeiro de 2021, a estrutura constitucional existente nos Estados Unidos foi quase derrubada em um putsch fascista organizado pelo presidente dos Estados Unidos. Enquanto se postula arrogantemente como o líder do “Mundo Livre”, a sobrevivência até mesmo da pretensão de democracia nos Estados Unidos está, como o próprio Biden admitiu recentemente, sendo colocada em dúvida.

Longe de recuar, diante dos fracassos do passado, de sua campanha pela hegemonia global, os Estados Unidos estão sendo levados a ações cada vez mais extremas e perigosas. De fato, a gravidade de suas enfermidades internas tornou-se um fator importante que impeliu os Estados Unidos para medidas que anteriormente eram descartadas como impensáveis, incluindo o uso de armas nucleares.

Por que os Estados Unidos, usando a Ucrânia como intermediária, instigaram esta guerra contra a Rússia? Lenin analisou a Primeira Guerra Mundial como uma tentativa das potências imperialistas de redividir o mundo. Esta definição é um ponto de partida básico para entender por que os Estados Unidos, liderando uma aliança de potências imperialistas da OTAN, está travando uma guerra contra a Rússia. No contexto atual, a redivisão do mundo significa colocar a vasta extensão da Rússia, o maior país, sob controle imperialista direto.

Na medida em que a União Soviética manteve até mesmo a identificação formal com o socialismo e a oposição ao imperialismo, sua dissolução removeu o que era visto como um desafio à legitimidade ideológica e econômica do sistema capitalista mundial dominado pelos Estados Unidos. O regime pós-1991 abriu a economia russa ao investimento capitalista estrangeiro. Mas o Estado russo ainda se espalhou sobre a expansão estratégica global da Eurásia. Além disso, os oligarcas russos que adquiriram o controle da economia nacional conseguiram limitar o acesso do imperialismo americano e europeu aos recursos da Rússia.

Para que o projeto de hegemonia dos EUA seja alcançado, o acesso ilimitado aos recursos estratégicos da Rússia e o controle de seu território são objetivos críticos em dois aspectos.

Em primeiro lugar, a riqueza real dos recursos da Rússia é estimada em dezenas de trilhões de dólares. Além do valor monetário desses metais e minerais, muitos desses recursos são classificados como materiais estratégicos, essenciais para o avanço das economias industriais do século XXI.

A Rússia é um tesouro virtual de recursos naturais valiosos, com vastas - e em alguns casos entre as maiores - reservas de petróleo, gás natural, madeira, cobre, diamantes, ouro, prata, platina, zinco, bauxita, níquel, estanho, mercúrio, manganês, cromo, tungstênio, titânio e fosfatos. Aproximadamente um sexto dos depósitos mundiais de minério de ferro está localizado na Anomalia Magnética de Kursk, perto da fronteira com a Ucrânia. Outros metais raros que existem em quantidades substanciais na Rússia são o cobalto, molibdênio, paládio, ródio, rutério, irídio e ósmio. A Rússia é também uma importante fonte de urânio e elementos terras raras. Esses últimos se tornaram uma importante fonte de competição geopolítica global.

O fato de haver um conflito intenso sobre o acesso a esses recursos críticos é bem conhecido dos especialistas em geoestratégia global. Mas a discussão sobre as matérias-primas e o controle sobre a riqueza da Rússia não chega à mídia de massa, online e impressa, que preferem fazer o público acreditar que os imperialismos americano e europeu estão travando uma luta nobre e desinteressada em prol da democracia ucraniana, mesmo que isso exija, embora lamentavelmente, armar os fascistas do Batalhão Azov.

Em segundo lugar, o controle físico do território russo é vital para o que Washington vê como o inevitável confronto com a China. Quando chegar a hora da guerra aberta, a defesa dos Uigures contra a perseguição “genocida” da China será invocada como a alegação de “genocídio” dos ucranianos por parte da Rússia está sendo hoje invocada.

Sem dúvida, a ênfase no significado das matérias-primas como um fator importante na incitação da guerra contra a Rússia será ridicularizada como um exemplo de “marxismo vulgar”. Seja como for, em seu estudo do imperialismo Lenin colocou imensa ênfase na luta das potências imperialistas para garantir o controle das fontes de matéria prima. Ele escreveu: “Quanto mais o capitalismo se desenvolve, mais forte é a escassez de matérias-primas, mais intensa é a competição e a procura por fontes de matérias-primas em todo o mundo, mais desesperada é a luta pela aquisição de colônias”.

Lenin conectou o impulso para obter acesso e controle das matérias-primas à tomada do território e enfatizou, como elemento essencial do imperialismo, o significado das anexações.

É claro que existem muitas formas de assegurar o controle territorial, sem a anexação aberta, que podem permitir aos imperialistas sustentar a miragem da independência do país submetido. Mas a miragem não será a realidade. O imperialismo americano e seus aliados da OTAN esperam que o resultado final do conflito - seja qual for a duração do conflito - seja a destruição da Rússia em sua forma atual.

A mudança para uma política extremamente agressiva foi relatada pelo Washington Post em 16 de abril:

Quase dois meses após o brutal ataque de Vladimir Putin à Ucrânia, o governo Biden e seus aliados europeus começaram a planejar um mundo muito diferente, no qual eles não tentam mais coexistir e cooperar com a Rússia, mas procuram ativamente isolá-la e enfraquecê-la como uma questão de estratégia de longo prazo.

Na OTAN e na União Europeia, e no Departamento de Estado, no Pentágono e nos ministérios afins, estão sendo elaborados planos para consagrar novas políticas em praticamente todos os aspectos da atitude do Ocidente em relação a Moscou, desde a defesa e as finanças até o comércio e a diplomacia internacional. (“EUA e aliados planejam o isolamento a longo prazo da Rússia”)

Quais são as implicações estratégicas do abandono dos esforços “para coexistir e cooperar com a Rússia”? Se os Estados Unidos e seus aliados da OTAN acreditam que não é possível “coexistir” com a Rússia, a conclusão que se segue é que eles estão determinados a destruí-la. O “mundo diferente” que as potências imperialistas preveem - e para o qual estão preparadas para arriscar uma guerra nuclear e a vida de centenas de milhões de pessoas no processo - é um mundo no qual a Rússia não existe em sua forma atual.

A guerra na Ucrânia revela agora plenamente as consequências catastróficas da traição stalinista da Revolução de Outubro. Essa traição começou com o repúdio ao programa de internacionalismo socialista sobre o qual Lenin e Trotsky basearam a conquista do poder pela classe trabalhadora em outubro de 1917 e o subsequente estabelecimento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas em 1922. O programa antimarxista de “socialismo em um só país”, revelado por Stalin em 1924, fomentou o ressurgimento do grande chauvinismo russo que minou a unidade das repúblicas socialistas e fortaleceu elementos reacionários, antissoviéticos e abertamente fascistas, especialmente na Ucrânia - uma nação brutalmente oprimida sob o czarismo, da qual surgiram muitos dos maiores líderes do movimento operário revolucionário, inclusive Leon Trotsky.

A dissolução da União Soviética em dezembro de 1991 foi o ápice da contrarrevolução stalinista. A classe operária russa, ucraniana e internacional, agora confrontada com suas consequências, deve tirar desta imensa experiência histórica as lições políticas necessárias.

Em uma carta a um socialista russo publicada no World Socialist Web Site em 2 de abril, o Comitê Internacional explicou a base de princípio de sua oposição à invasão russa da Ucrânia, apesar da incitação do conflito por parte dos Estados Unidos. O movimento trotskista, a carta afirmou, “não baseia sua estratégia no tipo de concepções pragmáticas nacionalmente fundamentadas que determinam as políticas do regime capitalista na Rússia”. A carta continuou:

A defesa das massas russas contra o imperialismo não pode ser feita com base na geopolítica burguesa do Estado-nação. Ao contrário, a luta contra o imperialismo exige o renascimento da estratégia proletária da revolução socialista mundial. A classe trabalhadora russa deve repudiar todo o empreendimento criminoso da restauração capitalista, que levou ao desastre, e restabelecer sua conexão política, social e intelectual com sua grande herança revolucionária leninista-trotskista.

O programa do internacionalismo socialista aplica-se à classe trabalhadora em todos os países imperialistas e capitalistas.

A guerra na Ucrânia não é um episódio que logo será resolvido e seguido por um retorno à “normalidade”. É o início de uma violenta erupção de uma crise global que só pode ser resolvida de uma entre duas maneiras. A solução capitalista leva à guerra nuclear, embora a palavra “solução” dificilmente possa ser aplicada racionalmente ao que equivaleria a um suicídio planetário. Assim, a única resposta viável, do ponto de vista de garantir o futuro da humanidade, é a revolução socialista mundial.

Inevitavelmente, surge a questão: Será essa última alternativa possível?

A resposta é dada por uma compreensão das contradições do capitalismo mundial moderno. A grande percepção de Lenin, que ele desenvolveu entre 1914 e 1916, foi que as contradições socioeconômicas que deram origem à guerra mundial também forneceram o impulso para a revolução socialista mundial. Esta percepção foi substanciada no início da Revolução Russa em 1917.

Na atual crise, a concepção de Lenin - posteriormente desenvolvida por Trotsky e pela Quarta Internacional - está sendo confirmada na rápida escalada da luta de classes em todo o mundo. As medidas imprudentes tomadas pelos Estados Unidos e seus aliados da OTAN para isolar a Rússia exacerbaram imensamente as já muito avançadas crises econômicas e sociais que afligem todos os regimes capitalistas. Manifestações de massas e greves estão se espalhando pelo mundo. A classe trabalhadora e as massas oprimidas não aceitarão o empobrecimento e a fome para satisfazer os interesses criminosos e insanos das elites dominantes imperialistas que buscam dominar o mundo.

Como Trotsky explicou, a estratégia da Quarta Internacional não se baseia no mapa da guerra, mas no mapa da luta de classes global.

A celebração do Primeiro de Maio de 2022 será dedicada à unificação da classe trabalhadora internacional em uma luta global contra a guerra imperialista e sua origem, o sistema capitalista.

A estratégia e o programa sobre os quais o Comitê Internacional da Quarta Internacional desenvolverá este movimento histórico será objeto do ato online que será realizado no domingo, 1º de maio.

Clique aqui para saber mais sobre o Ato Online Internacional de Primeiro de Maio de 2022.

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