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Mercado financeiro internacional saúda primeiro ano do governo Lula

Publicado originalmente em 12 de janeiro de 2024

Um pouco mais de um ano após a posse do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, o caráter nacionalista e pró-corporativo do novo governo do Partido dos Trabalhadores (PT) está cada vez mais exposto. Da negligência criminosa em relação à pandemia de COVID-19, passando pela subordinação da educação a fundações empresariais até a promoção das forças armadas depois da tentativa de golpe de 8 de Janeiro que está aumentando a tensão militar na América do Sul, o governo Lula tem se mostrado um fiel instrumento da reacionária burguesia nacional e do capital financeiro internacional.

Lula e Fernando Haddad na Universidade Estadual de Campinas em maio de 2022 [Photo: Ricardo Stuckert]

O ano de 2023 terminou com o mercado financeiro e seus representantes saudando as medidas econômicas implementadas pelo ministro da fazenda do governo Lula, Fernando Haddad. Ex-ministro da educação dos governos anteriores de Lula (2005-2012) e ex-prefeito de São Paulo (2013-2016), Haddad é um membro do PT de longa data que possui um amplo histórico direitista.

Depois de em agosto passado a Economist ter escrito que Haddad estava sendo um “ministro da fazenda eficiente” e fazendo investidores “cada vez mais otimista em relação à economia do Brasil”, a revista britânica incluiu o Brasil na lista dos “países do ano” de 2023 junto com a Grécia e a Polônia.

Segundo a Economist, esses “Três países se destacam por voltarem à moderação depois de um passeio pelo lado selvagem”. Caracterizando os anos de mandato do ex-presidente fascistoide Jair Bolsonaro como “populismo mentiroso” e apontando que ele “se recusou a aceitar a derrota eleitoral e incentivou seus devotos a tentar uma insurreição”, a revista acrescentou que o governo Lula “rapidamente restaurou a normalidade – e reduziu o ritmo do desmatamento na Amazônia em quase 50%”.

Longe de estar preocupada com o estado da democracia burguesa e os problemas ambientais no Brasil, o que a Economist está expressando é a capacidade de o governo Lula oferecer um ambiente político mais estável que torne o país mais seguro para os investimentos estrangeiros. Como ela tem deixado claro, as tensões geopolíticas globais, com as guerras na Ucrânia e em Gaza, estão fazendo os investidores se voltarem para os mercados emergentes, como o Brasil. Por sua vez, o governo do PT está buscando explorar o potencial do Brasil para produzir “energia limpa” e assumir um papel de destaque na transição energética global.

Em agosto passado, a Economist tinha saudado particularmente a capacidade de Haddad aprovar, no primeiro semestre de 2023, um arcabouço fiscal que ela alegou que iria “substituir um teto rígido de gastos de 2016, que tem sido constantemente descumprido, por uma regra flexível” que “limita o aumento dos gastos primários” e poderá estabilizar a dívida pública bruta do Brasil.

Em dezembro, o governo Lula conseguiu aprovar uma reforma tributária que deixou a burguesia brasileira ainda mais animada. Na maior mudança tributária no Brasil em quase 60 anos, ela simplifica e unifica impostos federais, estaduais e municipais em um imposto dual sobre valor agregado.

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) comemorou a aprovação da reforma, escrevendo que o Brasil “acertou a mão na economia” em 2023 e elogiou o “compromisso do país com as reformas e com uma abordagem pragmática na condução da política econômica e monetária”. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) também saudou a reforma, dizendo que ela “vai eliminar distorções que reduzem a competitividade da indústria” em um “momento em que o país discute como promover a neoindustrialização da economia brasileira”, uma declarada intenção do governo Lula.

A aprovação da reforma tributária foi o principal motivo que fez a agência de classificação de risco Stantard & Poor’s aumentar no final do ano passado a nota de crédito do Brasil de BB- para BB, com perspectiva estável. Foi o primeiro aumento desde 2011. Em julho, após a aprovação do arcabouço fiscal, outra agência de classificação de risco, a Fitch, tinha melhorado a dívida de longo prazo em moeda estrangeira do Brasil pela primeira vez desde que foi rebaixada em 2018.

De forma significativa, a S&P enfatizou que a reforma tributária aprovada pelo governo do PT faz parte de um amplo conjunto de “políticas pragmáticas” implementadas no Brasil nos últimos sete anos. Essas políticas significaram ataques brutais contra os direitos sociais e econômicos da classe trabalhadora brasileira, e incluíram a reforma trabalhista de 2017 do governo de Michel Temer e a reforma da previdência de 2019 promulgada por Bolsonaro.

As políticas do primeiro ano do governo Lula representam uma continuação e um aprofundamento dos ataques à classe trabalhadores e aos pobres nos 13 anos (2003-2016) em que o PT foi o partido preferido da burguesia no Brasil.

Neste ano, além dos cortes nos gastos sociais causados pela perspectiva de piora na economia mundial e pela implementação do arcabouço fiscal, espera-se que eles diminuam ainda mais com a proposta de “meta de déficit zero” para o orçamento de 2024 que o PT conseguiu aprovar em dezembro no Congresso brasileiro. Para cumprir essa meta, o orçamento prevê um contingenciamento de até 56 bilhões de reais e existe a ameaça de se acabar com os limites constitucionais da saúde e educação.

Se os mercados financeiros estão otimistas com o governo Lula, o mesmo não se pode dizer dos trabalhadores do funcionalismo público federal, que já estão realizando paralisações e greves contra as restrições orçamentárias impostas pelo arcabouço fiscal e a “meta de déficit zero”. O governo não ofereceu reajuste salarial neste ano para a grande maioria das categorias, apenas aumento no auxílio alimentação, saúde e creche, que não inclui os aposentados. Depois de seis anos com os salários congelados sob os governos Temer e Bolsonaro, a maioria das categorias terão um reajuste de apenas 4,5% em 2025 e 2025, que não cobre nem a inflação do ano passado.

Em contraposição, o governo Lula anunciou um aumento de até 27,48% em 2024, 2025 e 2026 para diversas carreiras da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, que formam uma importante base do bolsonarismo.

Sem a perspectiva de ter até mesmo suas demandas mínimas atendidas pelo governo, o movimento dos funcionários públicos federais se intensificou no final do ano passado com uma greve ainda em curso de auditores da Receita Federal. Na quarta-feira da semana passada, 2.000 funcionários de duas agências ambientais (Ibama e ICMBio) realizaram um dia de greve por aumento salarial e melhoria na carreira. Nesta quinta-feira, funcionários do Banco Central também realizarão um dia de greve no que se espera que seja a maior paralisação da categoria.

Professores e funcionários de universidade federais, que terão uma redução no orçamento deste ano de 310 milhões de reais em relação ao ano passado, também ameaçam entrar em greve ao longo deste ano. A Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (ANDES) caracterizou a proposta do governo Lula como “desrespeitosa” e declarou que o governo do PT “mantém a política de congelamento salarial do governo Bolsonaro”. Funcionários técnicos administrativos aprovaram “estado de greve” para este mês, com a possibilidade de uma greve no primeiro trimestre e o ano letivo não se iniciar.

Apesar dessa perspectiva, as centrais sindicais brasileiras e a pseudoesquerda estão cumprindo um trabalho sujo ao apoiar as medidas de austeridade do governo Lula e encobrindo seus ataques.

A CUT, a maior central sindical brasileira que é controlada pelo PT, apoiou tanto o arcabouço fiscal quanto a reforma tributária. Ao longo de 2023, ela trabalhou junto com o ministro do trabalho do governo Lula, Luiz Marinho, para emplacar a volta de um mecanismo de financiamento dos sindicatos depois de a reforma trabalhista de 2017 ter acabado com o imposto sindical.

Já a pseudoesquerda brasileira, principalmente setores morenistas e pablistas no Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), tem insistido que Lula deve implementar suas promessas de campanha, pretensamente “colocando o pobre no orçamento” e revogando as reformas trabalhista, da previdência e do Ensino Médio. Embora Lula nunca tenha se comprometido com essas medidas, essas promessas foram cinicamente feitas pela própria pseudoesquerda a fim de justificar seu apoio à reacionária campanha eleitoral capitalista do PT.

Com toda a celebração que o mercado financeiro fez por causa das medidas de austeridade chefiadas pelo ministro Haddad, a pseudoesquerda brasileira e setores do próprio PT, como sua presidente, Gleisi Hoffmann, estão fazendo uma tentativa farsesca de separar Haddad de Lula para preservar a imagem de “esquerda” do presidente.

O que está emergindo com cada vez mais força é a certeza de que as políticas reacionárias contra a classe trabalhadora do novo governo do PT irão abrir o caminho para o fortalecimento da extrema direita e seu possível retorno ao poder na próxima eleição. Esse fenômeno político já foi visto tanto na eleição do fascistoide Bolsonaro em meio ao descrédito popular do PT após ter implementado programas de ajuste capitalista e ter sido protagonista de grandes escândalos de corrupção, quanto mais recentemente na Argentina, onde o fascistoide Javier Milei usou o enorme descrédito do peronismo para se apresentar como uma alternativa política.

Como a declaração de Ano Novo do WSWS explicou,

O fato de a direita estar se fortalecendo tem menos a ver com seu poder intrínseco do que com a completa falência do que se passa por esquerda. Por trás da impotência das várias formas de política de pseudoesquerda – Bernie Sanders e os Socialistas Democráticos da América nos EUA; o Partido A Esquerda na Alemanha; o Podemos na Espanha; o Syriza na Grécia; o movimento “Maré Rosa” e os apoiadores de Lula na América Latina – está a reverência diante do sagrado dos deuses: a propriedade privada, os lucros corporativos e a riqueza pessoal... O “socialismo” com que sonham é aquele que pode ser alcançado sem causar uma queda no valor das ações em Wall Street, ou seja, um socialismo sem a luta de classes, sem a expropriação da classe dominante e sem a transferência de poder para a classe trabalhadora.

No Brasil e internacionalmente, a crise global do sistema capitalista, com a ameaça de guerra mundial nuclear, uma pandemia ainda em curso e o ressurgimento do fascismo, deve ser respondida com o desenvolvimento de um movimento de massas internacional pelo socialismo. Isso requer uma ruptura consciente com partidos como o PT e os sindicatos e a pseudoesquerda que os apoiam, e a construção de seções nacionais do Comitê Internacional da Quarta Internacional.

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